quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Os sertões do meninos de pedra – Graone de Matoz


 

O cenário é uma matéria morta.

Os animais são sórdidos em pele e osso;

a desgraça seca de um pobre povo, que desencadeia

Tamanha esperança e justiça, a todos aqueles que nela

Ainda acreditam... O caminho é dado à sorte, o grito um

Tiro seco. O eco uma esperança viva...


CAPITULO I...

SERTÃO NORDESTINO, MEADOS DA DECADA DE 90...

Um menino com aspecto idoso. Característica idosa em corpo de menino. Assim era Adalvino Batina de vinte anos. A miséria de certa forma ocasionou o seu envelhecimento precoce. Com Uma pele magra e ossuda e um rosto tostado pelo sol, Adalvino Batina ainda persistia. Todos os dias, quando não estava trabalhando na lavoura andava pelo aquele seco sertão, com seu velho burro que carregava nas costas dois pesados baldes, na esperança de encontrar naquele seco sertão desértico um pouco de água potável.

Um deserto seco e mórbido. Um solo de chão batido rachado e com cadáveres de animais definhados pela seca. Assim era a pequena propriedade rural, que se localizava em uma pequena cidade do interior da Paraíba, onde vivia o personagem Adalvino:

- Eu sô Adalvino Batina. Num tenho muita coisa pra contá nesta vida sofrida. Tenho muita pouca sorte, em minha boca já num me resta ninhum dente. Tenho pobreza nobre, mais num vivo dignamente como gente. Painho qui já num me alembro, vivia a pegá no batente. Enquanto mainha custurera discrente, apenas a deus ela ainda era crente. Cum cinco filho di cria, outros deiz di barriga, ainda sobrava tempo pra na mesa ela botá cumida. E di fomi, ninguém mais morreria nesta bastarda vida, qui pra nossa gente foi dada esta sina. Caboclo grande qui carrega a sacristia, a um pobre minino di barriga disnutrida.

Esta pequena cidade do interior da Paraíba era de mais ou menos cinco mil habitantes. Não havia escolas nem hospitais. A população da cidade dependia de uma antiga e lendária parteira para curar às suas enfermidades. Quanto à educação a população pobre dependia de uma jovem e dedicada moça, que ensinava o pouco que aprendeu na escola aos humildes sertanejos analfabetos, cujo não tiveram oportunidades de freqüentarem uma sala de aula.

Classe social era coisa inexistente naquela pequena cidade. Existiam apenas ricos fazendeiros políticos e humildes lavradores pobres. Os filhos desses fazendeiros estudavam nas melhores escolas particulares. Estudava nas capitais como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Brasília. Quanto aos pobres, o mínimo que conseguiam aprender, era a ler escrever e fazer contas. Faculdade? Apenas os ricos dispunham deste privilégio, para os pobres era apenas um sonho impossível.

Em meio aquele sertão seco e ensolarado, no meio do nada, aparece uma mulher vestida com um velho vestido rasgado e imundo. Estava ela descalça e usava na cabeça um lenço branco sobre os cabelos. Tinha aproximadamente trinta e seis anos de idade, mas aparentava ter cinqüenta anos. Estava carregando nos braços, uma criança de cinco anos de idade. A criança era uma menina. Aparentava estar bastante debilitada. Seus olhos estavam cerrados, quase não aparentando sinal de vida.

Logo à frente vinham dois homens em seus cavalos, seriam eles os capatazes do dono das terras ali das redondezas:

- Moço, pelo amôr di deus me ajude! – Implorou a mulher desesperada. – Minha filha tá morrendo, acarece di levá ela pra cidade grande, pra modi do dotôr olhá o que qui ela tem.

- Vá caçá o qui fazê mulé! – Retrucou o capataz de cima do cavalo. – A gente trabalha pro dono daqui das terra. Num tamo aqui pra sirvi rapariga di bêra di estrada não!

- Moço, pelo amôr di deus! O sinhô e mais o moço aí, é os único qui pode arranjá um jeito di levá minha filha pra cidade. Só num lhe dô dinhero por modi qui num tenho... Mais posso fazê qualqué outra coisa.

Os jagunços trocavam olhares de cima do cavalo como refletir melhor sobre o assunto, mas pensando em fazer alguma maldade. Um deles desceu do cavalo e caminhou em direção a mulher com a filha doente nos braços. Pigarreou, jogou seu cigarro de palha aceso no chão e apagou pisando em cima do mesmo. Olhando nos olhos da mulher com a filha doente nos braços, ele indagou triunfante:

- Qualqué coisa?

- Qualqué coisa homi!, Diga logo qui que eu tenho qui fazê. – Respondeu a senhora com uma voz determinada.

- Me acompanhe.

O jagunço puxou o cavalo pela rédea e amarrou-o, em um pé de jatobá do cerrado. O outro jagunço fez o mesmo. Colocaram uma rede de pano no chão, onde a mulher pôs a criança deitada e seguiu com os jagunços, um quilômetro e meio a frente dali. Minutos depois, o que se via era o jagunço agarrando a pobre mulher, erguendo selvagemmente com as mãos, o vestido da mulher. Depois ia bafejando o cangote da mesma. O outro jagunço assistia a tudo, com certo contentamento e impetuosidade, vendo seu colega molestando maliciosamente, aquela pobre mulher que tanto necessitava de ajuda. A pobre mulher sentia o ar fétido de hálito de cachaça, meu misturado com o suor, que vinha do corpo daquele inescrupuloso jagunço.

- Vem cá sinti esta dilícia Jeremia! – Convidou um dos Jagunços, com uma voz maliciosa e se esfregando na mulher.

- Divirta-se aí homi. Tu tá há mais tempo sem vê mulé. Mais tarde é só sombra e égua fresca! – respondeu o outro jagunço, com um cigarro de palha preso aos dentes, caindo em seguida, em gargalhadas em tom de deboche.

Em um dado momento a mulher consegue esquivar-se daquele inescrupuloso homem, que estava tentando fazer sexo com ela, tendo em troca o transporte de sua filha para um pronto socorro de uma cidade mais próxima:

- A honra di minha minina vale muito mais do qui tua ajuda! – Vociferou a mulher com convicção, e erguendo-se do chão.

Neste exato momento, a mulher é empurrada pelo jagunço e é lançada com violência ao chão, enquanto os jagunços divertiam-se humilhando aquela pobre criatura. A pobre mulher buscava forças para levantar-se do chão.

- Dê o fora daqui, qui o patrão num qué ninguém zanzando as terras dele não. Deu ordens pra nóis atirá, no primero cabra, véio, mulé e inté criança; qui tivé a valentia di entrá nas terra dele. – disse o homem segurando o cabo do revólver que estava na cintura.

- Vai-te a merda seu froxo! – Retrucou a mulher. – Se tu num é capaiz di ajudá uma mulé e uma criança necessitada, deve di sê qui tu é um froxo memo! Qui deus num dexe acuntecê, cum tua cria, o qui te acuntecendo cum a minha. Qui lhe dê sorte di alguma alma boa tivé a bondade di ajuda – lo.

- Dê o fora daqui, antes qui eu meta uma bala em tu e mais nesta criança bichada.

A mulher caminhou em direção onde estavam amarrados os cavalos dos jagunços. Apanhou a filha doente do chão e caminhou rumo ao desconhecido em busca de ajuda. Os jagunços puseram os rifles nas costas, montaram nos cavalos e seguiram para outro rumo da estrada.

Em meio aquele seco sertão ensolarado, aparece um rapaz de pés descalços e longos cabelos e usava na cabeça um chapéu, semelhante a aqueles que usavam os cangaceiros, de tamanho bem menor que o original. Estava o rapaz puxando pela rédea seu velho burro de estimação e estava acompanhado de mais dois rapazes, que seriam seus dois irmãos mais novos, que usavam calças velhas e sujas e também estavam rasgadas: Fabrício e Denílson. O que estava mais na frente puxando o burro, usava uma camiseta da seleção brasileira, onde dava para se ver o numero dez, meio apagado pela sujeira e pelas condições do tecido. Adalvino, o rapaz que estava puxando o burro, deixa o mesmo e corre acompanhado do irmão Fabrício, em direção a mãe que estava carregado a filha doente nos braços. Denílson ficou mais atrás para puxar o burro:

- Mainha... Qui acunteceu? – Indagou Adalvino estupefato. – Por modi di quê qui Janice tá deste jeito?

- Tua irmã tá aduentada. – Respondeu a mãe. – Acarece di caçá um jeito di levá ela pra cidade, pra modi do dotôr olhá o que qui ela tem. Mais como num tem jeito di ir, vá atrais di dona Genivalda.

- Mais dondi haverei di achá dona Genivalda numa hora destas mainha? Já tem é dia qui eu tô caçando ela pra tudo quanto é lado, e num acho.

- Num sei minino! Prócure! Tua irmã tá muito duente. Num temo tempo a perdê. Vá e ache dona Genílvalda e diga que tamo lá em casa esperando por ela. Diga qui Janice tá muito aduentada, que aquele chá qui ela deu noutro sai pra ela, num resolveu não.

Adalvino saiu à procura da antiga e lendária parteira, curandeira e benzedeira, enquanto a mãe e os outros irmãos colocaram a criança em cima do burro, para levarem a criança enferma até o seu leito. A criança foi colocada em uma única cama que havia na casa, que era feita de troncos de árvores, cujo colchão era velho e fôra doado pelo patrão de dona Gina Batina, mãe daquela pequena criança e mais quatorze filhos.

A criança foi enrolada em cobertores. Suava muito e estava com tremor no corpo todo. Do lado de fora da casa, viam-se as crianças jogando futebol e uma cadela vira lata, magra e ossuda, latindo e correndo atrás da bola que a molecada chutava de um lado para o outro. Os irmãos Fabrício e Denílson, estavam dentro do casebre. Um, colava o chapéu conta o peito, e rezava, e o outro estava sentado em uma cadeira e chorava.

O fato é que Adalvino realmente conseguiu encontrar a curandeira Dona Genivalda, mas a criança não resistiu e morreu prematuramente aos cinco anos de idade.

A casa da família Batina era feita de barro (casa de pau-a-pique) Tinha uma pequena saleta que fazia divisa com a cozinha. Havia na casa apenas um quarto. Na cozinha havia um fogão de lenha feito de barro. Não existia luz elétrica nem água encanada. Também não havia banheiro na casa, existia nos fundos da casa um enorme buraco onde seus habitantes faziam suas necessidades. O solo da casa era solo de chão batido. Na saleta da casa, havia pilares de madeira, onde eram amarradas redes de pano. Era onde os irmãos Batinas dormiam, pois só havia uma cama na casa, que era a do quarto da mãe. Havia uma pequena varanda na frente da casa, nela havia uma cadeira de balanço e o telhado da casa era feito de palha seca.

Anoitecia naquela pequena cidade do interior da Paraíba e na casa dos Batinas, revolta dor e cantorias tradicionais, caracterizavam o velório da pequena Janice. Envolta do pequeno corpo muitas velas e um véu que cobria o corpo, esticado em uma mesa de madeira.

A antiga e lendária parteira cantava e ia benzendo o corpo da defunta. A família batina estava envolta do corpo cantando cantigas tradicionais da região.

Na manhã do dia seguinte, Adalvino e seus dois irmãos Fabrício e Denílson cavavam a cova para enterrarem a irmã caçula. O corpo de Janice estava enrolado em uma rede velha. Ele foi lançado em um buraco a sete palmos e os três irmãos mais velhos iam jogando com as enxadas terra até cobrirem totalmente o buraco. Que seria a última morada de:

Maria Janice José Batina

*1990

+1995

Ali virou uma sepultura simples, onde os três irmãos colocaram uma cruz feita de galhos secos.

Voltando pra casa, carregando a enxada no ombro, acompanhado dos dois irmãos, Adalvino ia pensando consigo mesmo: - "Será qui dispois da morte ixisti vida? Sai da seca, sai da sina e a treva nos castiga? Ou o inferno é aquele sol, qui tanto queima e judia? Tudo planta e nada vinga, é o pão nosso di cada dia. Tanto faiz morrê di sede, morro aos pouco a cada dia. Di barriga arriada, ou di barriga vazia. Esta é a vivência nata di toda esta vida. Ou morrê di fraquesa, ou morrê da diaba perdida. Ou intão di boca seca, ou di fomi desnutrida. Carrego a cruiz da penitência, ou a fomi misericórdia? Vida seca, é brasilera, pra um futuro qui não importa. Para piedade sertaneja, ao menos uma humilde cova".

Ao anoitecer toda a família Batina estava reunida. Expressão de revolta e inconformismo era o que se via em cada rosto, em cada gesto, dos irmãos Batinas:

- Será qui deus ixisti memo, ou ele ta só se divertindo cum a nossa gente? – Perguntou Fabrício inconformado, sentado na cadeira da mesa, enquanto os outros irmãos ouviam em silêncio o rapaz resmungar a sua revolta. – Acho qui eu tenho a resposta: Ou ele num ixisti, ou di nossa gente ele se isqueceu! Sem falá em painho, que caiu pra esse mundo grande aí e nunca mais deu notícia.

- Dexe di bestage Fabrício! – Retrucou Adalvino, erguendo os olhos para o irmão. – Se deus num ixistisse, ou tivesse se isquicido da gente como tu tá dizendo... Tu acha qui à gente ia tá sentado aqui nesta mesa levando esta prosa? Acha? E mais uma coisa: Se painho foi se imbora pra cidade grande, foi pra tentá tê condição di dá uma vida decente pra nóis. Ele num tava mais agüentando vê a gente nesta vida di merda, e num podê fazê nada pra modi di melhorá a vida da gente. – Ergueu os olhos novamente para o irmão e murmurou cheio de fé: - Cá entre nóis... Vai qui painho caçou algum sirviço por lá e só tá acabando di ajuntá dinhero, pra modi di comprá a fazenda dos Junqueira?... Ou pode inté caçá um jeito di fazê nóis ir pra "San" Paulo e caçá um sirviço pra nóis?...

- Dexe di dizê sandice Adalvino! – Respondeu Fabrício impetuoso. – Painho é um doido, isso sim! Se ele tivé di tá em algum lugar, é no bar bebendo cachaça cum monte di galega em volta dele...! Inté parece qui tu num conhece painho... Deve tá embrenhado no jogo e cum mulé alheia! – Protestava Fabrício, com um tom de voz rebelado.

- Painho num abandonou a gente não homi. Com certeza deve di tê morrido em alguma tocaia por aí, ou ficou imbestalhado, num se alembra nem dele memo. Muita cachaça e mulé na cabeça, faiz qualqué cabra se escafedê no mundo memo, num sabe... – Murmurou Adalvino olhando Fabrício nos olhos. – Memo assim tu tem qui respeitá nosso pai. – E acrescentou: - E muita fé no nosso "padinho" "Ciço"; ele há di ajudá nóis

- Nossa irmã di cinco ano morre e tu ainda vem me falá di fé! – Manifestou-se Fabrício, esmurrando a mesa. – Ela tinha apenas cinco ano Adalvino. Tinha a vida intera pela frente! Tu acha justo deus tirá à vida di uma minina qui tinha a vida toda pela frente?! Como qui tu qué qui eu tenha fé no homi, se ele num ajuda nóis? Ele vai me dá um prato di arroiz e mais fejão, pra modi da gente cumê todo dia? Ou vai fazê chuvê pra modi di fazê brotá alguma coisa nesta terra, qui mate a fomi da gente? Isto daqui num é vida não Adalvino! – Se queixou Fabrício, com uma voz rebelada e quase de choro; e acrescentou em tom de desabafo: - Isso daqui é fim di mundo! Garanto qui é ultimo lugar desse mundo, qui o coisa ruim ia querê se enfiar, vice...

- A gente num pode fazê nada Fabrício. Mais temo qui te fé no homi chamado Jesuis... – Falou Adalvino confiante. - A gente num vai sê pobre a vida toda não! Eu vô pra "San" Paulo trabalhá e ganhá dinhero. Quando eu voltá rico di lá, vô comprá terra decente pra todo mundo; E nem cachorro haverá di passa fomi, nesta vida lazarenta! Inté vida di bicho ia sê qui nem vida di gente, num sabe...

A mãe que estava no fogão de lenha mexendo com uma colher de pau na panela preparando a janta, interrompe a conversa dos dois irmãos, enquanto às crianças corriam em volta, brincando com a cadela vira-lata de pega-pega:

- Por que tu num cala essa boca! Acorde pro mundo e pare di sonhá! Tu tem é qui rezá e botá as mão pro céu, pra modi da gente ainda tá vivo! Tu num vai pra essa porcaria di cidade grande di jeito ninhum! Num vô perdê meu filho pra esse tal di "San" Paulo não!

Uma criança de aproximadamente seis anos de idade, interrompe a conversa da mãe com os dois irmãos mais velhos, chacoalhando o seu vestido, enquanto as outras crianças corriam pela casa e o restante dos irmãos estava deitado nas redes:

- Mainha... Tô cum fomi...

- Já vô lhe dá di cumê, meu filho.

A mãe mexia com uma colher de pau em uma panela de barro, fubá misturado com um pouco de água. Tinha de dividir o alimento entre os dez filhos legítimos e os cinco de criação. Rara era às vezes, que sobrava comida para a mãe que sempre via os filhos em primeiro lugar, pois alimento dentro daquele humilde casebre, também era raridade.

Os filhos faziam filas com os braços estentidos. A mãe botava o alimento no prato de cada filho que dizia: - "Benção mainha!"

- Deus lhe abençoe meu filho! – Respondia a mãe. Depois a mãe e os irmãos rezavam, agradecendo por aquele dia, não ter faltado comida na casa.

- Mainha. Janice num vai mais voltá, pra modi di brincá cum a gente. – Perguntou a criança em tom de inocência, sem ter nenhuma noção do que havia acontecido. Por alguns instantes a mãe ficou em silêncio, pensando no que responder a aquela humilde criatura. Mas encerrando-se o silêncio ela respondeu:

- Dondi tua irmã tá ela num volta Ariel.

- Mais por que, ela num gosta mais da gente?

- Num é isso não meu filho. – Tentava explicar a mãe, tentando disfarçar às lágrimas. – É qui deus chamôu ela pra ir morá lá em cima junto dele.

- A gente nunca mais vai vê ela mainha?

A mãe não responde a pergunta da criança e o irmão mais velho Adalvino Batina interrompeu a criança:

- Vá durmi Ariel!, Já num é hora di criança tá acordada se metendo em cunversa di adulto!

- Há não... Eu quero ficá aqui... – Resmungou a criança fazendo pirraça. – Se painho tivesse aqui ele ia dexá...

- Pois painho num tá mais aqui e tu num vai ficá coisíssima ninhuma! Já é tarde. É hora di criança tá na cama durmindo vice...

- Vá Ariel! Obedeça teu irmão, ou o rebenque vai cume! – Ordenou a mãe, enquanto os irmãos mais velhos estavam sentados na cadeira da mesa da cozinha, do pequeno casebre.

A criança obedeceu à mãe e ao irmão mais velho e foi deitar na rede. Cruzou os braços e ali ficou de cara emburrada, enquanto seus irmãos pequenos já estavam durmindo.

Ficou na pequena saleta a mãe e os três irmãos mais velhos: Adalvino, Fabrício e Dejinilson. A pequena saleta do casebre era iluminada por velas e uma velha lamparina. Eram as únicas iluminações que dispunha a família Batina.

A velha sentada, olhando para os três filhos mais velhos, suspira e lamenta:

- Adalnílzio, Adalnízio... Se tu soubesse a falta qui tu me faz...

- A gente toméim sente falta di painho mainha. Mais ele foi se imbora, pra aquele mundo grande... E a gente tá aqui, trabalhando duro todo dia na lavora pra botá di cumê nesta casa. É por isso qui a gente tem di continuá trabalhando pra ganhá dinhero, para qui quem sabe um dia, a gente consiga dexá esta vida di merda. Num vai mais faltá di cumê nesta casa.

- A gente tinha di dá um jeito di ir se imbora daqui. – Comentou Dejinilson. – Ou intão a gente há di passá fomi a vida toda. Qui eu quero memo é ir pra cidade grande e ser jogador di futebol. Vô ficá famoso e vô comprá inté uma televisão pra todo mundo me assisti jogando, lá no Rio di Janero quem sabe.

- Dexa di dizê sandice muleque! ... – Disse Adalvino. – Tu tem qui pensá em trabalhá di verdade e não em jogar futebol. Eu vô se imbora pra modi di trabalhá. No meu ver o homi só vence na vida trabalhando, e é isso qui eu vô fazê na cidade grande. Embarco por estes dia memo, num sabe...

- Qui cunversa é esta di ir se imbora pra "Sun Paulo?" – Interrompeu a mãe. – Tu tem é qui ficá aqui, pra modi di ajudá teus irmão lá na lavora! Num vai fazê igual a teu pai, qui di tanto sonhá se perdeu por aquele mundo grande lá fora. Deus já me levou Janice pra junto dele, num quero perder mais um filho.

- Me perdoe mainha, mais eu vô pra aquelas bandas mesmo sem o teu consentimento. Num trabalhei estes ano tudo ajuntando dinhero, pra jogá fora. Já dei o dinhero pro tal do moço. Embarco amanhã memo. Se eu vô se imbora pra lá, é pra ganhá dinhero. É pra dá uma vida digna, um futuro milhor vice...

- Dexe di dizê sandice Adalvino! – Murmurou Fabrício. – Tu num tem nem dondi caí morto... Vai te virá como por lá? Virando pidinte?, Virando ladrão? Tu num tem nem estudo! Como qui tu vai caçá sirviço por lá?

- Eu já arranjei sirviço por lá, Fabrício. Daqui poucos dia, eu cumeço a pegá no batente.

- E quem há di cuidá da casa? – Indagou Dejinilson. - Desde di qui painho foi imbora é tu qui sempre toma as decisão desta casa... Tu é o irmão mais velho, ou tu já se isqueceu disto?

- Num me isquici não Dejinilso. É por isso memo, qui eu vô pra "Sun Paulo; lá eu vô ficá rico e consegui tirá a gente desta vida vice...

- Tu vai é se perder por lá isso sim! – Afirmou a mãe se levantado da cadeira. – Já cunheço essa istória... Vai pra lá, se ajunta cum alguma "galega" e aí é qui perde o juízo di veiz. Teu lugar é aqui, junto di sua mãe e mais teus irmão.

A conversa da mãe e dos três filhos mais velhos ia até tarde da noite. Era assim todos os dias. Quando a conversa desinteressava, a velha ia para fora do casebre, sentava em sua cadeira de balanço que tinha na pequena varanda e ali permanecia, fumando seu velho cachimbo, pensando na vida.

Era uma noite fria naquele pequeno povoado. O prateado do céu luz iluminava aquele seco sertão da caatinga nordestina, onde se via às sombras dos galhos secos das árvores. A paisagem mais lembrava a um vale, semelhante a uma pintara de um quadro, com uma pintura surrealista. E a velha costureira Ginalvina Batina, estava sentada em sua cadeira de balanço fumando seu cachimbo. Dizia o povo ali das redondezas, que todas às noites dona "Gina" ficava a conversar com seu falecido pai: homem que tanto trabalhou nessas terras da cidade; acabou morto em uma tocaia, e há rumores que o motivo daquela morte, estava associada à briga por terras. Pensando nessas coisas, à velha permanecia em silêncio sentada na sua cadeira de balanço. Apenas o que se ouvia era o coaxar dos sapos e o assobio das corujas, e de vez enquando o uivar dos lobos.

A batalhadora costureira "Gina" Batina escondia muitas marcas na vida. Sua luta e sua dor eram quase visíveis, em cada pele enrugada, magra e ossuda de seu rosto. Porém era uma mulher fechada, dessas mulheres acostumadas com as desilusões da vida. Era acostumada com a vida que levava e por ela, ficaria a vida inteira sentada em sua velha cadeira de balanço fumando seu cachimbo.

Tinha dez filhos legítimos e cinco de criação, mas com a morte da filha caçula Janice Batina, lhe sobraram apenas quatorze.

Era religiosa, porém, não acreditava na vida após a morte. Segundo ela, não lhe sobrava tempo para pensar nessas coisas e de vida bastarda e sofrida, bastava essa que ela estava vivendo.

Amanhecia naquele pequeno povoado e Adalvino Batina, já estava reunido de outros sertanejos para embarcar para o estado de São Paulo, dando início ao seu grande sonho.

Os retirantes iriam embarcar amontoados na traseira de um velho caminhão conhecido por "pau de arara". Iam viajar sem as mínimas condições de higiene e segurança.

Com um triste e sincero olhar Adalvino despedia-se da mãe, como se tivesse vendo a velha pela última vez:

- Vá cum deus meu filho! Tomi a image di padi Cícero... Ela há di te protegê das maldade deste mundo grande lá fora.

Adalvino segurava nas mãos, a pequena imagem do santo, enquanto os outros irmãos faziam filas para se despedirem do patriarca da família Batina:

- Adeus Adalvino. Tome cuidado ta... Disse o irmão mais novo, abraçando Adalvino.

- Adeus Fabrício. Cuide di mainha, di Dejinilso de di todo resto vice...

- Tu vai voltá logo? – Indagou o pequeno Ariel.

- Só haverei di voltá, quando tivé condição di tirá a gente desta vida.

Botou a mão direita sobre o ombro da criança e virou-se para entrar naquele velho caminhão. Adalvino dirigiu-se aos fundos do caminhão, onde ficou apertando entre os outros retirantes. Sua mãe e seus irmãos iam acenando, enquanto o caminhão estava partindo.

E o caminhão partia com destino a uma do interior de São Paulo, levando consigo, humildes sertanejos que tinham muitos sonhos e ilusões.

Foram quase trinta dias de viajem. Os retirantes passavam fome, sede e um calor insuportável. Os que ficavam doentes eram deixados no meio do caminho. Mas mesmo assim, os retirantes estavam animados. Não viam à hora de chegarem ao estado de São Paulo e começarem a trabalhar. Mais mal sabia as ingênuas criaturas, que caíram numa terrível armadilha. Homens que vinham de diversos cantos do país iludiam aqueles humildes retirantes, prometendo empregos com salários razoáveis e também teriam moradia e alimentação, sendo que na verdade o que essas pessoas encontravam ao chegarem ao estado de São Paulo era sofrimento, decepção e frustração, e o pior de tudo: é que além dessas pessoas serem obrigadas a trabalharem como escravas eram obrigadas a levarem cocaína no estômago para fora do país, popularmente conhecidas como "mulas do tráfico". As mulheres além de servirem como "mulas", eram vendidas no exterior para serem escravas da prostituição.

Cada uma dessas pessoas tinha um destino. Ou eram presas pela polícia, ao chegarem ao aeroporto, ou muitas delas desapareciam misteriosamente. Isso tudo, porque eram enganadas, com promessas de melhores empregos, com dignos salários e na verdade serviriam de mão de obra barata de criminosos estrangeiros.

Era esses criminosos uma espécie de "coiotes" do sertão. A pessoa às vezes vendia tudo que possuía (casa, pedaço de terra, etc.), para dar na mão desses bandidos, que aproveitavam da ingenuidade e ignorância daquela pobre gente.

Muitos dos imigrantes, até conseguiam escapar das mãos desses bandidos, mas por terem vendido tudo o que possuía, acabavam sem ter para onde irem. Não podiam voltar para suas terras e acabavam marginalizados, sem ter onde morar.

Adalvino e os outros imigrantes foram levados para uma enorme fazenda, localizada em uma cidade do interior de São Paulo. Era essa fazenda, uma usina de corte de cana-de açúcar, que funcionava como fachada.

O sol queimava o dia, como se fosse uma caldeira escaldante e os pobres imigrantes eram obrigados a cortarem toneladas de cana o dia inteiro para obterem como pagamento apenas moradia e sobras de alimentos.

Ao entardecer os "bóias frias" recebia em seus alojamentos, apenas pão velho e amanhecido acompanhado de café preto, era o chamado "lanche" da tarde.

Os pobres imigrantes ficavam alojados em um sujo e velho porão. Dormiam no chão e o lugar não havia as mínimas condições de higiene. Pessoas eram obrigadas a conviverem junto dos ratos. Muitas dessas pessoas ficavam doentes e às vezes até enlouqueciam, tendo como conseqüência um único e trágico destino: a morte!

As mulheres viviam em alojamentos separados do dos homens. Não dispunham de nenhum tipo de proteção e muitas delas chegavam até serem estupradas pelos jagunços da usina, ficando a deus dará, em um lugar onde respeito pela dignidade da vida humana eram totalmente ignorados.

As mais belas e mais novas moças, eram também as mais caras deste mercado ilegal. Era um grande mercado do tráfico de pessoas e de drogas, onde mulheres com idades entre dezoito a trinta anos eram negociadas no exterior, ou até mesmo dentro do próprio país, como se fossem cabeças de gado. O preço era variável entre dez a quinze mil dólares por cabeça. Quanto mais nova e mais bela fosse à moça, maior era também o seu preço. E tudo isso, longe do alcance dos olhos da polícia federal e do ministério público do trabalho.

Todos os dias, a rotina de Adalvino Batina e dos outros imigrantes era sempre a mesma. Cortavam toneladas de cana-de açúcar, para encher aquelas enormes carretas.

Eram fiscalizados pelos jagunços do engenho, que tinham a autorização do patrão de punirem com castigos físicos, aquele que ousasse parar de trabalhar.

Uma boliviana de aproximadamente vinte oito anos de idade, não agüenta e cai desmaiada no chão, no meio do canavial. A moça aparentava estar bastante desidratada e para piorar as coisas, a mulher era uma gestante. Neste exato momento, Adalvino olha para os lados para verificar se não havia nenhum jagunço por perto, e abandona a ferramenta indo em direção a moça para ajudá-la:

- Moça!, Fale cumigo moça! – Dizia Adalvino tentando reanimar a criatura, que estava com os olhos entreabertos e meio zonza. – Tu num parece bem. É milhor tu discansá um pouco. Me dê à mão, eu lhe ajudo a se levantá. Fique aí sentada qui eu vô buscá, pra modi di tu bebê vice...

Um dos jagunços assiste toda a cena de longe e corre furiosamente em direção a boliviana, que estava sentada encostada no canavial. O covarde chicoteia a pobre coitada seguidas vezes. Indignado com a cena em que assiste, Adalvino aproxima-se daquele homem, tentando impedir que aquele asqueroso agredisse ainda mais a pobre moça, ele segura o braço que o homem estava segurando a chibata e pergunta indignado:

- Pra quê fazê isso homi? Ela tá é cum sede!, É só di um pouco di água qui ela acarece.

O homem esquiva o braço de Adalvino e dirige-lhe um olhar de desprezo:

- Meta-se com a sua vida garoto! – Retrucou o homem, com um tom de agressividade na voz. – Volte ao trabalho se não quiser apanhar também!

Mas a insistência de Adalvino era grande. Mesmo sabendo que poderia ser severamente castigado, Adalvino tornou a insistir para que o homem parasse de atormentar aquela pobre boliviana, que tinha um filho na barriga:

- Solte a moça, homi! – Ordenou. – Ela tá aduentada. Dê água pra ela bebê e dexe ela discansá um pouco... Judiá desta moça, num vai lhe levá a nada, vice...

- Eu já mandei tu voltar ao trabalho! Se essa cadela está doente e com sede, tu não tem nada haver com isso! Alguém vai ter que fazer o serviço dela, porque o patrão quer ver tudo isso aqui limpinho, no final da tarde.

- Se esse for o caso, eu hei di fazê o meu sirviço e o dela... Mais por favor, dê um pouco di água pra esta criatura, por modi qui ela tá morrendo di sede, vice...

O homem apertava os olhos e suspirava, olhando Adalvino com ódio, como se fosse partir para cima do corajoso rapaz e lhe dar umas boas bofetadas. Se dirigiu ao mesmo e arrancou-lhe com violência o cantil de água que estava nas mãos do rapaz. Olhando para o cantil em um gesto de desprezo, o jagunço cuspiu dentro do cantil de água. Depois apertou o maxilar da moça com violência e despejou toda a água do cantil, dentro da boca da boliviana:

- Você que água sua vadia... Aqui está sua água!

O homem ergueu-se e fez um breve discurso:

- Escutem bem! – Gritava o homem. – Não quero ver mais ninguém parando o serviço, entenderam?! Aquele que parar o serviço, será severamente castigado, seja qual for o motivo!

O homem deu-se de costas e saiu para fiscalizar os outros cortadores de cana. No semblante de Adalvino Batina, não se via outro gesto que não fosse de ódio daquele homem que humilhava e pisava nos mais fracos. Sua vontade, era de partir pra cima daquele homem e dar-lhe o que ele merecia, pois seu pai sempre lhe ensinara a nunca levar desaforo para casa de quem quer que fosse. Porém, agüentava tudo de cabeça baixa, pois nada podia fazer.

A boliviana, não se lembrou de outro gesto que não fosse agradecer o corajoso e bondoso rapaz, pela sua coragem e generosidade:

- Muchas Gracias moço, muchas gracias!

- Num há di quê moça. – Respondeu Adalvino, batendo a ferramenta na cana, pra cortá-la.

- Tu é corajoso hein homi... – Comentou um colega de trabalho ao lado, enquanto Adalvino permanecia em silêncio, batendo a ferramenta na cana. – Qual é a tua graça?

- Adalvino Clementino Virgulino Batina. – Respondeu ele.

- Muito prazer! – Estende a mão o colega. – Eu sô Gilberto Batista, di João Pessoa na Paraíba.

Adalvino faz o mesmo e os dois apertam as mãos:

- Eu sô de uma cidadizinha, no interior di Paraíba... Pelo o jeito a gente é quase di mema terra, dondi a gente carrega a mema cruiz todo dia, como se a vida da gente tivesse a mema serventia, a mema sina sofrida.

- Da mema seca qui castiga, dondi às veiz falta água, ou cumida. Da mema amada Paraíba. Por isso lhe digo amigo Batina... Temo quase o memo objetivo nesta vida. Num cumemo nem bebemo todo dia, e nem somo gente rica. Mais trabalhemo duro, pra modi di enchê esta vazia barriga.

- E quando será qui haverá di acabá esta sacristia? Trabalha, trabalha e trabalha... E nada a nos pagá pelo dia... Esta vida disgraçada acaba e será qui alguém olha tudo isso lá di cima?

- Num sei te dizê isso amigo Batina... Mais um dia há di se fazê justiça e o criadôr há di intercedê pela tua cria.

Adalvino Batina e Gilberto Batista cortavam cana e disputavam repentes. Nascia ali uma nova e bonita amizade? Não muito longe dali, havia um homem de aproximadamente quarenta e cinco anos. Tinha o homem uma estatura média. Tinha olhos verdes e não dizia nenhuma palavra em português, mas dava para entender mais ou menos, o que este homem e seus dois sócios conversavam:

- Como andas las cosas? – Indagou o homem falando em castelhano.

- Vai muito bem. – Redargüiu o sócio falando em português. – Dependendo do que o senhor decidir, amanhã mesmo fecharemos negócios com os sicilianos. Temos boas garotas, com ótimos preços no mercado. Temos loiras, mulatas e até asiáticas! Sem falar nas negras, que tem nos dado ótimos lucros.

- Cuanto los amigos italianos, no tienes complicación. Pero nosotros tienes que tomar, es muí cuidado. Los "federais" están del ojo. En ano passado tive un enorme prejuízo en Los Angeles. El FBI descubría la carga y Lascuzas fue preso. Tibe una grande dor del cabeza, debido la ese episodio. Toemos que tomar muí cuidado para que no acontece ese imprevisto novalmente.

- quanto aqui no Brasil o senhor não tem com que se preocupar. Já demos um jeito de tirar aquele promotor do caminho..., E já acertamos tudo com os colegas "federais", do jeitinho que o senhor queria.

- Mucho buen. Sólo quiero saber del capital aquí ni mía cuenta. No pretendo ter dores del cabeza con la policía y con la justita".

Dava para ser ter idéia do que o mexicano e os seus sócios conversavam. O mexicano chamava-se Javier Oliveiras González, um homem com diversas passagens pela polícia mexicana e americana por crimes de tráfico de drogas e de pessoas.

Mas segundo ele, tudo não passava de especulações e calúnias, pois por falta de provas o criminoso não havia sido condenado por nenhum desses crimes e era visto no Brasil como um empresário de renome, de reputação impecável.

Tinha duas empresas no Brasil, que funcionavam como fachadas, entre elas a usina Lar doce lar, que exportava açúcar e álcool.

A maioria das pessoas que eram exploradas pela quadrilha deste homem, era de nordestinos e bolivianos. Todos eles trabalhavam sem registro em carteira em sem salário, onde também eram obrigados a transportarem cocaína no estômago, para outros países. Às mulheres no caso, além de servirem como "mulas", também eram vendidas para trabalharem como prostitutas.

No meio do canavial, ouve-se um grito. O grito era de um homem de aproximadamente cinqüenta anos. Ele havia sido picado por uma cobra. Seria ela, uma espécie de Cascavel altamente venenosa. O homem teria deixado cair no chão, um objeto. Quando abaixou para apanhar esse objeto, teria então sido agredido pelo animal, que estava passando por ali naquele momento.

Deitado de costas no chão, o homem sentia sua vista escurecer e seu corpo tremia como se tivesse levando um choque de alta voltagem. Seus colegas de trabalho tentaram socorrê-lo, mais por falta de socorro adequado o homem teve uma parada cardíaca e morreu ali mesmo naquele local.

Ao anoitecer, os imigrantes estavam recolhidos no sujo e velho porão. Os trabalhadores estavam se descontraindo jogando baralho e tomando cachaça.

O jogo de baralho, não tinha hora para acabar. Os trabalhadores ficavam jogando até cansarem. Não tinha outra opção para fazer. Ficavam a jogar e a contar estórias de suas vidas, de suas terras e de suas famílias, e uns bebiam cachaça de alambique.

O jogo passava por diversas fases. Passavam-se horas e horas e Adalvino ficava a observar um homem, que ficava andando de um lado para o outro dizendo coisa com coisa.

O homem tinha cabelos longos e uma enorme barba branca, bem amarelada e estava bastante enlouquecido. – "O que ele dizia? Por que andava de um lado para o outro? Quem era ele?" – Pensava Adalvino. Não agüentando de curiosidade, Adalvino deu um gole no bico da garrafa de cachaça. Virou os olhos para o companheiro Gilberto Batista e indagou:

- Por modi di quê qui este cabra fica andando di um lado pro outro, sem dizê nada?

- Ele é imbestado das Idéa num sabe... – Responde Gilberto. – É maluco.

- Maluco?

- É... Maluco! Doido di pedra. E dizem qui ele já foi muito rico... – Afirmou Gilberto, embaralhando as cartas do baralho.

Gilberto deu um considerável gole no bico da garrafa de cachaça e continuou:

- Tinha uma enorme fazenda di cacau, lá pras banda de Ilhéus. Era um homi cheio do dinhêro; dizem qui o homi era inté coroné... Mais seu irmão di cria e mais sua isposa, lhe passou a perna, dexando o pobre cum os bolso vazio di tudo.

- Cacete! – Exclamou Adalvino.

- Calma aí, ainda tem mais homi... Além dele ter sido traído pela esposa e pelo próprio irmão di cria... Parece qui a mulé se ajuntôu cum irmão dele e foram se imbora lá pro istrângero. Dizem qui ele nunca mais viu os filho e foi por isso qui ele ficôu duente dos miolo, num sabe...

- Oxente... E como é qui o cabra veio pará aqui?

- Isso só ele, vai sabê lhe respondê. – Redargüiu Gilberto, com um olhar fantasmagórico.

O homem ainda ficava andando de um lado pro outro, tremendo os lábios e murmurando palavras estranhas e sem nenhum sentido como: - "Enquanto o circo pega fogo, a platéia aplaude!"

E o velho ficava com esse comportamento por horas e horas...

Em um exato momento, o mesmo jagunço do canavial abre o sujo e velho porão, para servir o jantar aos "bóias frias". O velho estava tão enlouquecido, que parte furiosamente para cima do jagunço. O jagunço, por sua vez, tirou da boca o cigarro que estava fumando e jogou-o no chão. Mirou o rifle, disparando contra aquele enlouquecido homem.

O tiro acerta em cheio no peito do homem, que imediatamente cai de costas no chão, praticamente no colo de Adalvino Batina. E o velho ainda tentava dizer algo:

- Só se saí melhor em uma alcatéia de lobos, aquele que melhor sabe interpretar um cordeiro... – Murmurou o velho tropeçando nas palavras.

- O que?

- Só se sai melhor em uma alcatéia de lobos, aquele que melhor sabe interpretar um cordeiro. Não se esqueça disso garoto... – Refletiu o velho insano, antes de morrer. O velho insano cerrou os olhos e morreu nos braços de Adalvino.

Outro jagunço aparece no sujo e velho porão. O primeiro jagunço empurra Adalvino de lado e os dois jagunços levam o corpo do velho insano, para fora do porão. Antes de trancar o porão, o jagunço volta e faz um breve discurso em tom ameaçador:

- Estão vendo... É esse o fim de quem tenta dar uma de valente! Se mais alguém tentar mais uma gracinha, esse alguém vai virar comida de abutre. O recado ta dado!

Após ameaçar os humildes imigrantes, o capanga trancou o sujo e velho porão. Assustados, os imigrantes apagavam as velas e iam dormir, com medo de possíveis represarias. Menos Adalvino Batina, que ficou com a imagem daquele velho insano na cabeça, e a frase do velho sussurrava em seu ouvido, como algo a latejar em sua memória.

Às horas se passavam e Adalvino ainda estava acordado. Adalvino bate a pedra do isqueiro, para iluminar o local e acordar o amigo Gilberto:

- Gilberto... Ô Gilberto, tá acordado?

- Tô... Qué qui tu qué?... – Respondeu Gilberto bocejando, meio que sonolento.

- Pra dondi será, qui eles levôu aquele homi?

- Num sei... De certo cortou o pobre em pedaço e deram pros cachorro cumê... Gilberto bateu a pedra do isqueiro e acendeu a vela, para iluminar o local e conversar com Adalvino Batina:

- A gente tem qui dá um jeito di fugi daqui. – Concluiu Adalvino.

- Eu tenho um jeito. – Afirmou Gilberto.

- Jeito... Qui jeito é este homi? Me ixplica!

- Eu sei dondi os cabra guarda as arma. Amanhã vai tê um churrasco, os peste vai ficá tudo bêbado... E é só a gente entrá no depósito, roubá as arma e fugi...

- E tu lá sabe mexê cum arma homi...

- Craro qui sei. Eu sirvi o exército em João Pessoa... Vá por mim... Eu sei do qui eu tô falando.

- É... E tu acha qui os homi num vai trancá o depósito?...

- Vá por mim garoto... Se eu disse qui à gente vai fugi daqui, é porque a gente vai fugi!

O fato é que em uma tarde do dia seguinte, Adalvino Batina e Gilberto Batista conseguiram fugir daquela usina de cana-de açúcar. Os jagunços fizeram um churrasco. Ficaram distraídos com mulheres e bebidas, tão pouco fiscalizaram os imigrantes. Gilberto invadiu o armazém e conseguiu roubar uma escopeta calibre doze e render aquele mesmo jagunço que atirou no velho insano e humilhou aquela pobre boliviana, que carregava um filho na barriga.

O caminhão seguia rumo a São Paulo, até que de repente ele para no acostamento. Gilberto ameaça com a escopeta, o jagunço, obrigando-o a descer do caminhão:

- Vai!, Desce ô traste!

- Vamos com calma... Eu sei que eu fiz muita maldade, mais eu só estava cumprindo ordens. Não atire pelo amor de deus... – Tentou se explicar o jagunço apavorado.

- Cala a boca! – Ordenou Gilberto, engatilhando depois a escopeta calibre doze.

Gilberto já estava pronto para apertar o gatilho, mas é impedido por Adalvino Batina:

- Não Gilberto! Num faça isto não homi! Dexa este traste aí e vamo se imbora.

- É um favôr qui faço pro mundo, num dexando este peste vivo.

- Dexa di sandice homi! Dexe qui deus um dia há di acertá as conta cum este daí... Dexe ele aí e vamo se imbora.

Gilberto abaixou a escopeta, desmuniciou a arma e guardou os cartuchos no bolso. Fazendo isso, ele jogou a espingarda no matagal e depois entrou no caminhão.

O caminhão seguia viagem, e Adalvino Batina e Gilberto Batista ficavam conversando, contando sobre suas difíceis vidas, até então. Mas o que pesava em suas consciências, é que apenas os dois conseguiram fugir daquela usina que funcionava como fachada. Os outros imigrantes ficaram para trás. Poderia até parecer egoísmo da parte deles, mais seria muito arriscado se eles esperassem os outros na fuga poderiam despertar a atenção dos outros capangas e os dois estariam arriscados a perderem até suas vidas:

- A gente feiz muito mal, em dexá aquele peste vivo num sabe... – Comentou Gilberto dirigindo o caminhão.

- Dexa isso pra lá homi... O qui ta encacutando na minha cabeça, é os outro qui ficou lá no ingenho vice...

- Eu toméim tô cum o coração apertado. Mais a gente num podia fazê nada. Se a gente demorasse muito, os cabra ia acabá discubrindo a gente... Ia saí tiroteio e morte pra tudo quanto é lado. E no final das conta, ninguém iria consegui fugi.

- Sabe homi... O qui num me saí da cabeça, é o qui aquele cabra me disse antes di morrê. Já ajuntei palavra por palavra e ainda num consigui intendê foi nada.

- Num se avexe cum isso não criatura... Aquele homi era dispirocado da Idéia. Eu lhe contei aquela istória sobre ele, mais tudo num passa di lenda. Vá lá sabê se tudo aquilo é verdade. O quê qui tu tem di fazê agora, é isquecê tudo isso e vivê a tua vida, do jeito qui tu achá milhor. Sabe Adalvino, já fiz um pouco di tudo nesta vida... Já fui recruta do exército, cheguei inté a virá cabo. Já fui toméim caminhonêro... Meu ultimo sirviço foi di auxilhá di infermage; mais tive uma isquimia e tive di pará di trabalhá vice...

- E por modi di quê qui tu foi pará naquele ingenho?

- Aí é qui ta... Tive di vim aqui pra "San" Paulo, vê se arranjava algum sirviço, por modi qui o dinhêro di minha aposentaduria, num dava é pra nada. Estava lá pra Guarulhos, disanimado di tudo... Inté qui me ofereceram um sirviço, cum a condição di tê di morá lá. Aí eu pensei cumigo... O sirviço é pesado, mais o salário inté qui num é tão ruim... Vô tê dondi morá, num vô acarecê di ficá na rua, e vai dá pra pagá o tratamento di meu minino, qui nasceu cum proprema nas perna; foi aí qui eu caí na tocaia destes peste.

- Minha istória é bem paricida cum a tua vice... Ajuntei dinhêro durante cinco ano, vendi um jumento e uma sanfona. Dei todo meu dinhêro na mão dos peste, pra modi di me trazê pra "San" Paulo e me arranjá um sirviço. No fim di contas, joguei meu dinhêro fora e num arrumei sirviço foi nada... Agora qui eu já tô aqui em "San" Paulo memo, vô vê se arrumo qualqué outra coisa num sabe...

- Temo qui botá as mão pro céu, por modi da gente tê consiguido fugi daquele inferno num sabe... Sabe o qui aqueles bandido, pretendia fazê cum a gente? Levá a gente pra outro país, levando aqui, dentro di nosso bucho cocaína! Aqueles cabra é tudo traficante. E traficante da pesada!

- Dondi qui tu tirou isso?

- Tu é muito ingênuo garoto... Tu acha qui aqueles pacote, qui a gente viu dentro dondi os cabra guarda as arma era o quê? Açúcar? Mais o qui interessa memo, é qui a gente consiguiu escapá das mão daquele bandido... Tu tem agora, qui procurá algum sirviço honesto, qui indo atrais tu consegui sim. Tu ainda é muito jovem... É um minino intiligente..., Tem muita coisa pra vivê ainda. Mais vô lhe dizê uma coisa: num é fácil não! Tu tem qui batalhá e muito, se tu quisé chegá a algum lugar! Eu memo, assim qui consigui ajuntá algum dinhero, vô é se imbora pra minha terra, por modi qui a vida aqui é muito difícil num sabe... Eu já tô cum quarenta e cinco ano... Já num arrumo mais sirviço decente por aqui não. Agora, tu qui qué ficá por aqui memo, vá em frente e lute qui cum fé e força di vontade tu chega lá.

Por um tempo, tudo ficou em silêncio e caminhão seguiu viagem rumo à cidade de São Paulo...


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Gladiadores na luta pela vida,

É o espetáculo onde o personagem

É o próprio homem protagonista...

CAPITULOII...

SÃO PAULO, OUTUBRO DE 1995.


Selva de pedra, selva de concreto uma estória que começa que não tem destino certo. Doce e selvagem instinto pela vida, essa viagem é dolorosa e a passagem é só de ida.

Agora darei início à saga deste jovem paraibano (Adalvino Batina), jovem retirante que deixou sua cidade natal, com esperanças de melhorias para ele e toda sua família.

Até o momento, o que o jovem retirante havia encontrado foi trabalho escravo, miséria e agonia. Com ajuda do amigo que conheceu naquele engenho (Gilberto Batista) conseguiu escapar daquela fazenda de corte de cana, que se localizava em uma cidade do interior de São Paulo.

Depois de ter andado por vários lugares da cidade de São Paulo, o caminhão enfim, para em uma avenida bastante movimentada:

- Qui merda! – Exclamou Gilberto. – Acabôu a gasulina.

- E agora?

- Vamo dá um jeito de arranjá gasulina.

- Vamo dexá este caminhão aí e vamo imbora. – Sugeriu Adalvino.

- A gente podia vendê este caminhão, pra modi di ajuntá algum dinherinho, num sabe...

- O quê? – Indagou Adalvino, fazendo-se de desentendido.

- Vamo botá gasulina e dispois passá este bicho pra frente, vice... E aí? Qué qui tu me diz?

- Di jeito ninhum! – Retrucou Adalvino sacudindo a cabeça obstinadamente. – Este caminhão num é meu e toméim num é teu. Num é justo a gente ficá cum dinhêro di coisa vendida qui num é nossa.

- Mais dexa di se besta criatura! – Insistiu Gilberto. – Tu ta aqui em "San" Paulo sem dinhero... A gente podia vendê este bicho e dividi..., Metade pra mim, metade pra tu.

- A gente num pode fazê isto não! Lembro muito di meu pai me dizê: - "O qui é da gente, é da gente Adalvino! O qui é dos outro é dos outro!" A gente num pode ficá cum dinhero, qui num é do próprio suor da gente, num sabe...

- E tu acha qui este caminhão é deles memo? Duvidu que seje! E tem outra... Tu vai te virá como por aqui? Tu num tem dinhero... Num conhece ninguém por estas bandas...

- Em primero lugar, se este caminhão num é deles, há di se di alguém. Em segundo lugar, se eu tivé di me virá aqui por estas bandas, há di sê cum meu próprio suor e dignidade e nunca à custa dos outro.

- Hê... Tá bem! – Resmungou Gilberto. Tu venceu! Mais há di se arrependê mais tarde hein...

- Prifiro ficá a vida intera arrependido, do qui ficá cum dinhero qui num é meu!

Os dois desceram do caminhão, que estava parado em uma avenida movimentada. Gilberto, por sua vez, estava de cara emburrada. Não conseguia se conformar, com a honestidade de Adalvino Batina:

- Pra dondi qui tu vai agora? – Indagou Gilberto.

- Num tenho rumo a tomá não. Hei di ir pra qualqué lugar.

- Eu vô caçá um sirviço, pra modi di ajuntá algum dinhero pra ir se imbora pra minha terra. Meu coração já tá apertado por dimais, di sodadi di minha mulé e mais meu muleque, vice... Já tu, qui há di ficá aqui por estas bandas memo, só tenho a lhe desejá sorte. Agora a gente tem qui se separá, por modi qui é muito arriscado a gente ficá por aí andando junto. Os peste deve di tê botado à polícia atrais da gente... E inté a gente prová qui na verdade os bandido é eles, é capaiz da gente num tá nem vivo pra modi di contá a istória, vice... É sempre bom, num se envolvê cum polícia, muito menos cum gente bandida, igual a estes pestes daí.

Gilberto e Adalvino apertam as mãos para se despedirem. Será o fim de uma fiel e útil amizade:

- Adeus garoto, vê se te cuida! Só num vô lhe dá um abraço, por modi qui num fica bem dois cabra macho se abraçando na rua, num sabe... Te cuida garoto! Aqui é uma selva cheia di lobo querendo lhe devorá por aí... Cuidados cum as oportunidade, e dinhero, vindo na facilidade. – Fica esperto "lobinho!". – Aconselhou Gilberto, com um olhar fantasmagórico, sacudindo o dedo indicador no ar. Deu um sorriso simpático, logo em seguida, e deu um soco de leve no peito de Adalvino. Uma iniciativa de descontrair o rapaz, que estava olhando sério para Gilberto, com olhos assustados. Sorriu em seguida, com ar de frieza.

- Inté logo homi! A gente há di se vê ainda, por aí. Num tenho nem palavra, pra modi di agradicê tudo qui tu feiz por mim. Deus há di te compensá pela tua bondade; e o homi chamado Jesus lhe acompanhe na tua caminhada, vice!

Adalvino ficou ali parado perto do caminhão, vendo Gilberto desaparecendo por entre as calçadas de cada travessa da avenida. Adalvino tomou seu destino rumo ao desconhecido. Estava em sua cabeça um chapéu, bem semelhante a aqueles que usavam os cangaceiros. Nos pés, usava um velho chinelo de couro e na cintura carregava um punhal de prata, que ganhou do pai quando completou sete anos de idade.

Andou perdido e sem rumo, por horas e horas. Avistou a sua frente um poste, onde encostou para descansar. Tirou do bolso da calça um maço de cigarros. Tirou do mesmo um cigarro e acendeu, e ali ficou encostado observando os carros que passavam em alta velocidade na avenida.

Do outro lado da avenida, havia um grande numero de meninos de rua que baforavam cola e gritavam palavrões. Xingavam os mais cabeludos palavrões que pudesse existir. No centro da avenida, passava por ali, uma viatura policial de sirene ligada e em alta velocidade. E alguns dos garotos ficavam no meio da avenida, ficando entre os carros. Os carros buzinavam e desviavam para não atropelar os garotos, quase causando acidentes. Os outros garotos brigavam na calçada, com as sacolas de colas de sapateiro nas mãos.

Encostado no poste fumando seu cigarro, Adalvino Batina observava um casal que discutia. O homem estava bastante alterado, chegando a desferir duas bofetadas no rosto da moça. Depois passou a arrastá-la pelos cabelos, ofendendo a mulher:

- Que tá olhando Garoto? – Perguntou o homem invocado. – Essa daqui é uma vagabunda. Merece apanhar mesmo! Vamo pra casa sua piranha!

Após chamar a atenção de Adalvino, o homem foi embora arrastando a mulher pelos cabelos. A mulher gritava chorando pedindo para que o homem parasse de agredi-la. E Adalvino ficou observando o casal, desaparecendo na avenida.

Sem rumo a tomar, Adalvino ficara a andar perdido na maior cidade do país. Avistou um viaduto, que seria o viaduto do Chá, ao lado da Praça Ramos de Azevedo e do teatro municipal "Carlos Gomes". Sentou-se no chão, encostou às costas na parede e tirou do bolso um pífaro e pôs na boca para poder tocá-lo. E ali permaneceu, por quase cinco dias.

Cansado de ficar parado no mesmo lugar, Adalvino tornou a andar sem destino e nem rumo a seguir. Passou pelo maio camelódromo do país, na Rua Vinte e cinco de março (região central da cidade), onde os camelôs gritavam divulgando seus produtos.

Havia muitas pessoas. Adalvino nunca vira antes em sua vida, tantas pessoas acumuladas no mesmo lugar, onde ele mal conseguia andar de tanta gente que andava pelas calçadas, empurrando umas as outras para conseguirem passar.

Adalvino observava aqueles brinquedos, nas barracas dos ambulantes. Ele que nunca teve um brinquedo, pensara em seus irmãos pequenos; queria ele, ter um dinheirinho para poder comprar um daqueles brinquedos, e dar de presente de natal para cada um deles.

A gritaria dos ambulantes, era ensurdecedora, seria quase impossível se conversar com alguém, com aquela gritaria toda:

- Olha o par de meia! Olha o par de meia! Sei pares é dez real! É seis por dez freguesia! – Gritava uma criança, vendedora ambulante. – Olha que beleza moço! Seis pares é dez real!

Sem dar nenhuma importância para aquele menino que estava vendendo meias, Adalvino continuou andando, mas de repente, é puxado pela camisa pelo menino ambulante:

- Hô! Tô falando com você rapaz! Olha a meia aí, seis por dez!

- Num tenho dinhero não moço! – Adalvino virou-se e continuou a andar sem destino certo, sem compromisso com nada.

Na parte central da Praça da Sé, cenas típicas do centro paulistano. Pessoas faziam rodas para assistirem um homem que dizia encantar cobras e no chão havia uma bacia, onde as pessoas colocavam moedas. Não muito longe dali, havia dois violeiros e as pessoas também faziam rodas e colocavam uns trocados nos chapéus dos violeiros, que estavam no chão.

Andando perdido no centro de uma das maiores cidades do país, Adalvino pensava consigo mesmo: - "Saí di minha terra, por modi qui passava fomi.

Era uma miséria só qui num tinha nome.

A magreza é tanta, qui o corpo inté some...,

É minino qui nasce e nem se sabe se chega a

Virá homi.

A fomi me bate duída, na parte vazia dondi num

Tem nada.

O instinto di sobrevivência, às veiz é o qui sempre

Fala mais alto.

A doidisse dos dia coloca a gente numa camisa

Di força; força qui vai se imbora a cada dia; dia qui

Vai se imbora junto da vida.

Vida qui vai se imbora junto da sede; sede qui

Sede qui assassina a gente junto da fomi.

E o jovem andava desiludido e sem esperanças, até que avistou à sua frente um prédio de aproximadamente cinco andares. Bem em cima do prédio havia um outdoor escrito nele: "Gráfica Otávio Cristo Villares Junior".

Adalvino leu um cartaz pregado no poste escrito: "Precisa-se de auxiliar" de escritório. Pré-requisitos: Segundo grau completo, três anos de experiência na área". E neste cartaz estava o endereço do prédio que estava bem à frente de Adalvino.

Apesar de só saber ler, escrever e fazer contas, e não ter experiência nenhuma na área, Adalvino decidiu tentar a sorte mesmo assim. Tentou entrar pelo portão principal, mais foi impedido pelos vigias que faziam a segurança do local:

- Num pode entrar aqui não, caboclo.

- Mais eu só quiria falá cum teu patrão, pra modi di vê se ele me arranja um sirviço, num sabe...

- Não, num pode entrar aqui não. Dá meia volta..., Circulando vamo! – Disse um dos seguranças, de cara amarrada.

- Num pode memo? – Insistiu Adalvino.

- Não. Vaza daqui, vai...

- Agradicido... – Virou-se cabisbaixo para ir embora, enquanto os vigias faziam barreiras na portaria do prédio, para impedir a entrada de Adalvino Batina.

Mas Adalvino, era persistente. Mesmo não tendo nenhum sucesso, decidiu entrar mesmo assim. Deu uma espiada para ver onde estavam os seguranças e pulou o muro da empresa. Um dos seguranças corre imediatamente em direção ao jovem rapaz, comunicando-se pelo rádio HT:

- Intruso na área!, Repito... Intruso na área! Intercepte-o aí na frente!

- Positivo... Vamos interceptá-lo. – Respondeu o outro segurança, pelo rádio HT.

Adalvino conseguiu driblar os seguranças e adentrou pelos fundos do prédio. Os vigias corriam afoitos, para conseguirem pegar o jovem retirante. Enquanto no escritório da firma, o presidente da empresa acompanhado de alguns assessores e acionistas, estavam em uma importante reunião:

- Muito bem senhores! O que eu tenho a dizer, é que a "Otávio Cristo Viláres Junior", está evoluindo muito bem, comparado ao ano passado. Obtemos só esse ano, mais de trinta por cento do lucro das ações vendidas. É uma vitória extraordinária! Já estamos quase à frente dos americanos. – Dizia o dono da empresa, com expressão de orgulho. – Devo lembrar senhores..., Que houve a queda do dólar, no mês passado.

O presidente da empresa é interrompido por um dos acionistas:

- Doutor Otávio..., Posso fazer uma observação?

- Vai em frente, prossiga...

Quando o homem ia dizer alguma coisa alguém invade a sala de reuniões. Era Adalvino Batina:

- Quem qui é o patrão aqui?

Neste exato momento, entra na sala a secretária e quatro seguranças, que sem fôlego, estavam com uma respiração difícil e arquejante:

- Alguém pode me explicar o que significa isso?! – Indagou o dono da empresa furioso.

- Eu tentei impedir doutor Otávio! Eu disse que o senhor estava em uma reunião e que era pra ele marcar um horário para falar com o senhor... Mais ele não me deu ouvidos, já foi entrando... – Justificou a secretária.

- E vocês! Eu pago vocês pra quê hein?... Pra dormir na portaria?!

- Desculpa a gente, doutor Otávio! Mais é que o "caboclinho" aí é ligeiro doutor... Deu um verdadeiro "baile" na gente. Mais se o senhor quiser, a gente leva ele lá pra fora e dá um cacete nele! – Disse um dos seguranças apertando os dentes e segurando Adalvino pelo braço.

Um dos seguranças revista Adalvino e encontra sua bainha, que estava na cintura:

- Ele está armado!

- Levem-no para sala ao lado e chame a polícia. – Determinou o dono da empresa.

- Eu num sô ninhum ladrão não seu dotôr! – Manifestou-se Adalvino Batina, sendo segurado por dois dos seguranças.

- O quê?

- Eu disse qui num sô ninhum ladrão. – Repetiu. – A única coisa qui eu quero, é pidi pro sinhô sirviço, pra modi deu podê trabalhá vice...

Por alguns segundos, houve um pequeno silêncio. O homem da empresa deu um sinal, para os seguranças soltarem Adalvino Batina. Os acionistas e a secretária olhavam tudo sem nada entender, o que estava havendo. Os seguranças olhavam pra Adalvino, como se ele fosse uma "mulher" de malandro e havia no semblante de um deles, certo contentamento e onipotência, perante o jovem retirante. O dono da firma apenas deu uma fria e direta ordem. E encarava com seriedade o jovem retirante e ao mesmo tempo, seu próprio segurança que estava com o punhal de Adalvino nas mãos:

- Podem solta-lo! – Determinou o dono da empresa. – Você me espera aqui na sala ao lado... E vocês, desçam para a portaria! Vê se dormem menos no trabalho porra! Qualquer hora dessas... Vem o Abim Ladém aqui, e é bem capaz de vocês deixarem subir e explodir todo mundo! – Ironizou o dono da empresa. - Desta vez até perdôo, mais da próxima, eu mando todos vocês para rua!

- Tem certeza que é seguro, ficar aqui sozinho com esse cara doutor? – Indagou o segurança, que estava com a bainha de Adalvino, segurando-a em uma das mãos.

- Façam o que eu mandei, e não discutam a minha ordem!

Os seguranças desciam as escadas, encarando Adalvino Batina que estava sentado em um banco, na sala ao lado. Os acionistas estavam boquiabertos sem entender nada; e a secretária: essa estava um tanto quanto nervosa, quanto bastante assustada. Olhava com rabo de olho, aquela criatura que ali estava ao lado. Usando na cabeça, um chapéu semelhante aqueles que usavam os cangaceiros. Nos pés estava usando um tênis velho e rasgado que achou na rua, ou no lixo; trocando assim, seu velho chinelo de couro, por um sapato velho e imundo. O que encucava mais ainda a secretária, como se ela tivesse pensando que Adalvino Batina iria fazer algum ato de violência e comportamento anti-social. Por isso que se entende porque a secretária estava com muito medo de Adalvino. Tanto tinha medo, como não queria retornar ao seu posto de jeito nenhum, ao saber que iria fica tão próxima, daquele estranho.

O dono da empresa deu ordens para a secretária retornar ao seu posto e ele foi até a sala onde estava Adalvino Batina. Ele entra na sala e fecha a porta:

- Ficou maluco?! Enche a cara de cachaça..., Ou é doido mesmo?! Como é que você invade a minha assim, a minha empresa?! E armado ainda por cima! Eu poderia chamar a polícia pra você! Ou pior..., Um dos meus homens, poderia ter dado um tiro em você! Já pensou nisso! Levar um tiro de bobeira?

O dono da empresa dava bronca em Adalvino, "lendo" o sermão, enquanto Adalvino ouvia tudo de cabeça baixa:

- Me discupa tê entrado deste jeito. Mais é qui eu acareço por dimais, di um sirviço num sabe... Saí di minha terra... Tô há mais di dia aqui em "Sun Paulo, durmindo na rua e cumendo coisa do lixo memo. A única coisa qui é peço pro sinhô, é qui me dê uma chance... Se o sinhô quisé, eu limpo tua sala, lavo banhero... E se eu fizé alguma coisa qui o sinhô num goste, o sinhô podi mandá eu se imbora, mais pelo amôr di deus, me dê uma chance!

Com as mãos na cintura, o homem suspirou e franziu a testa:

- Mais um que vem pra cá e fica desempregado... Está vendo aqueles papéis que estão acumulados em cima daquela mesa?

-Tô sim sinhô.

- Pois bem. Junte todos eles e leve-os lá pra baixo, para jogá-los no lixo.

- Vai me dá um sirviço? – Perguntou Adalvino cheio de esperanças.

- Primeiro faça o que eu lhe mandei... Quando terminar, passa na minha sala, que a gente conversa.

O homem deu de costas e entrou na sala de reunião:

- Quem é ele? – Perguntou um dos acionistas, com um sorriso nos lábios.

- É um pobre coitado! – Respondeu o dono da empresa, sem dar muita importância a pergunta. Bem senhores... Vamos retomar a reunião.

Adalvino passou o dia todo carregando aquela pilha de papéis, para serem jogados no lixo. Bem no final da tarde, passou no escritório do dono da firma e deu três batidas na porta:

- Posso entrá?

O homem não disse nada. Apenas sacudiu a cabeça afirmativamente.

- Eu acabei di levá aqueles papel, lá pra baxo. Dexei aquela sala, limpinha pro sinhô.

- Muito obrigado. Você nem sabe à ajuda que você me deu... Há tempos estava querendo me livrar daquela pilha de papéis. Até que apareceu você e me deu esta ajuda.

- Intão? Vai me arranjá um sirviço? – Perguntou Adalvino, com certo entusiasmo e com brilho nos olhos.

- Sinto muito, mais não posso lhe arrumar nada! Você não tem qualificação, e...

- Qui bicho é esse?... Interrompeu Adalvino.

- Deixa pra lá... Toma. Aqui tem uns trocados pra você tomar um lanche e dormir em algum lugar. É à recompensa, pela ajuda que você me deu. Pegue o seu punhal... E não me apareça mais aqui.

- Fico inté agradicido vice... Mais eu qui eu quiria memo, era arrumá um sirviço... Há dia qui eu num como direito, e tô meio qui nem galinha imbestada sem rumo.

- Não posso fazer nada! O mínimo que eu podia fazer por você, eu já fiz! Agora vai imbora e não me apareça mais aqui, pois da próxima vez que você invadir a minha empresa do jeito que você invadiu, o negócio vai ser outro.

- Di qualqué forma, eu fico agradicido vice... Deus há di te compensá, pela bondade qui tu fez pra mim.

- Há, Quer um conselho? Dá um jeito de procurar o serviço social e voltar para sua terra. Aqui, sem estudo vai ser muito difícil de conseguir alguma coisa, vai por mim!

Adalvino foi embora decepcionado, pois de nada adiantou ter invadido aquela gráfica, mas pelo menos nem tudo estava perdido, pois agora tinha quinze reais no bolso para gastar. Ainda assim, dormiu mais dois dias nas ruas do centro da cidade.

Uns três dias depois, já era de noite. Adalvino Andava perdido e desorientado, pelas ruas de São Paulo. Andava por uma calçada onde havia muitas prostitutas que se insinuavam, quando o jovem retirante passava por elas. Também havia muitos hotéis de baixa categoria, sendo muitos deles, clandestinos, sendo que na porta desses hotéis, havia muitas prostitutas. Logo adiante, havia um grupo de viciados que fumavam crack. E não muito longe, havia um bêbado que discutia com uma garota de programa, e passou a importunar Adalvino, impedindo sua passagem:

- Ô palhaço! Olha aqui pra mim ô palhaço!

Adalvino não deu muita importância para o bêbado e tentou seguir adiante, mas é impedido pelo bêbado:

- Ô palhaço! Diga-me se eu sou ou não, uma pessoa digna... – Disse o bêbado, mas arrastando a voz do que falando.

- Deixa o cara em paz, cara... – Interferiu a prostituta, da qual o bêbado estava discutindo.

A discussão entre aquele bêbado chato e a prostituta continuou, onde se dava para ouvir de longe. E Adalvino seguiu em frente, deixando para trás a prostituta e aquele bêbado inconveniente.

Bem à frente dali, era uma calçada da qual eram os travestis que faziam seus programas. Havia entre eles, uns que pareciam mulher de verdade:

- Vem cá gostoso! Vem fazer amor bem caliente comigo, vem... É trinta reais a hora! – Se insinuou o travesti.

- Vá te catá sua marica! – Xingou Adalvino. – Fale mais uma coisas destas pra mim, pra vê se eu num lhe faço virá homi!

- Vai tomá no cu, seu arrombado! Por que quê você não vai tirar a sua mãe da zona, seu filho da puta! – Gritou o travesti, fazendo gestos obscenos para Adalvino.

Assustado e perdido pelas ruas do centro de São Paulo, Adalvino se lembrava da frase que o irmão lhe dissera. A frase sussurrava em sua memória, como a um mosquito, a zumbir-lhe em seu ouvido: - "Tu num tem nem dondi caí morto... Vai te virá como por lá? Virando pidinte?, Virando ladrão?" – Em seguida, sussurrava a frase do insano homem que conheceu naquela usina: - "Lembre-se garoto! Só se saí melhor em uma alcatéia de lobos, aquele que melhor sabe interpretar um cordeiro"... – Avistou um bar logo à sua frente, onde um grupo de pessoas apostavam nas máquinas caça-níqueis. Tinha uns trocados na carteira, e decidiu entrar e tomar uma bebida. Olhou para o dono do bar que estava no balcão e pediu:

- Vê uma dose di "Véio Barrero".

- Puro?

- É, puro.

O homem encheu o copo de cachaça. Adalvino tirou um cigarro do maço, bateu o palito na caixa de fósforos e acendeu.

Alguns no bar jogavam sinuca e outros assistiam o telejornal que dava a seguinte notícia, que era assim: - "A polícia ainda não solucionou o caso do assalto ao caminhão da usina "Lar doce lar". Segundo a polícia, o caminhão havia sido seqüestrado por volta das cinco horas da tarde, da última terça feira; na rodovia Raposo Tavares, que liga a capital ao interior do estado. Segundo a assessoria de imprensa do empresário mexicano, Javier González os assaltantes teriam levado cerca de dez mil reais em dinheiro, e mercadorias avaliadas em quinze mil reais. A polícia ainda não tem pistas do paralelo dos assaltantes e até agora, nenhum suspeito foi preso". – Vendo a notícia que o jornalista estava noticiando na televisão, Adalvino Batina pensava alto, murmurando para se mesmo: - Sujeito malino! E dispois eu e mais Gilberto é qui é bandido...

Terminada a notícia, o dono do boteco desliga a televisão com o controle remoto. Adalvino comportava-se como se aquela notícia dada no telejornal, nada tivesse haver com ele. Ali por perto, havia um sujeito mal encarado e cheio de tatuagens. Era um homem alto e forte, e tinha a pele negra. Ele se dirige para Adalvino que estava encostado no balcão do bar:

- Vê o fogo aí mano! – Pediu o homem a Adalvino, como se tivesse intimando-o. Adalvino jogou o fósforo para o homem. Ele bateu o palito na caixa, acendeu o cigarro e tirando umas tragadas, ele indaga em tom de ironia.

- Tu é cangaceiro, ou "lampião?" – Perguntou o moço mal encarado caindo aos risos, enquanto seus outros amigos ali em volta, também riam de Adalvino.

- Dondi tu qué chegá cum esta pergunta? – Perguntou Adalvino triunfante, encarando o rapaz, com expressão séria no rosto.

- Nada... – Retrucou o homem em tom de ironia. Depois bateu com o taco do bilhar na bola de sinuca.

- Deixa o cara em paz, "Carcará!" – Interferiu um rapaz, que estava no bar.

- Só tô checando a "capivara" do garoto! E tu, quando vai pagar a parada que tu me deve?

- Tô pra vê uma treta aí, tá ligado... Assim que eu resolver essa parada, eu jogo a responsa na tua mão morô...

- É melhor você me pagar, e rápido! Tua dívida só vai aumentando, e eu já estou perdendo minha paciência.

Houve um silêncio e de repente, todos que estavam no bar se surpreende com um camburão da polícia, que de sirene e giroflex ligados para em cima da calçada. Os policiais descem do camburão, de caras fechadas e com os revólveres nas mãos:

- Encosta tudo mundo na parede! – Ordenou o policial. Vai!!, Vai!! O dono do bar também!

Os policiais iam revistando a todos, inclusive o próprio dono do boteco. Todos estavam enfileirados com os braços esticados:

- Sossegou "Carcará?... Não toma jeito né! Acabou de sair da "Gaiola" e pelo jeito já tá querendo voltar pra lá de novo! Cadê a "branca?" taí com você?

- Qual é autoridade? Tô aqui no sossego! Não tô fazendo nada demais.

- Você tá vendendo drogas aqui, não é?, Vai dizer que não...

- Tô sossegado autoridade... Nem vem que não tem, que dessa vez eu tô limpo!

- Tem quantos anos moleque? – Indagou o outro policial ao lado, revistando o rapaz que aparentava ser menor de idade.

- Dezoito senhor!

- Ô caralho, que você tem dezoito! Cadê seus documentos, pirralho de merda?

- Deixei em casa.

- Han?

- Deixei em casa. – Repetiu.

- Há, deixou em casa... Então não vai ter outro jeito, vou ter que te levar pra DP!

- Ele está comigo policial. – Interferiu uma prostituta.

- Você é o quê dele?

- Sou irmã dele. – Mentiu.

- Cadê seus documentos?

- Estou. – Respondeu a garota abrindo a bolsa.

De fila, em fila os policiais iam revistando as pessoas, até que chegou a vez de Adalvino Batina. O policial chacoalhava de cima em baixo. Jogou o chapéu de Adalvino no chão e passava as mãos pelos seus longos cabelos. Até que passando a mão pela cintura de Adalvino ele encontrou:

- Quê que é isso aqui? – Indagou o policial, com a bainha de Adalvino nas mãos.

- Isto daí, é a pexera, qui eu uso pra modi di trabalhá seu moço.

- Eu poderia te levar preso por porte de arma branca, sabia?

- Sim sinhô.

- Você mora aonde?

- Sô da Paraíba moço.

- Me vê seus documentos!

Adalvino tirou a carteira de dentro do bolso. Dentro da carteira estava à pequena imagem de padre Cícero, que a mãe lhe deu antes de embarcar para São Paulo. Tirou o RG de dentro da mesma e entregou para o policial. O policial seguiu até a viatura, com a identidade de Adalvino nas mãos, enquanto o outro policial interrogava o jovem retirante:

- Você tem passagem pela polícia?

- Não sinhô.

- Se tiver é melhor falar, hein garoto... Aqui ninguém ta de brincadeira não!

O outro policial demorou em média cinco minutos. Depois voltou com a identidade de Adalvino em uma das mãos:

- Chequei a capivara do elemento, e nada consta. O indivíduo está limpo!

- Você deu sorte que eu fui com a tua cara, hein "Paraíba"... Vou te liberar, mais tem o seguinte... Se eu te pegar de novo andando com essa faca de novo, Além deu tomar a sua faca, eu vou te levar pra DP! Só te liberei, porque você tem a ficha limpa! Ta entendido?

- Sim sinhô.

Antes de ir imbora, um dos policiais fez um breve discurso:

- Todo mundo pra fora, que o bar vai fechar às portas vamos! Nós vamos dar uma volta no quarteirão e quando voltarmos, espero que todo mundo já tenha ido pra casa, caso ao contrário, o bicho vai pegar!

- Hei!! Fechado por quê?... Não sou nenhum vagabundo não meu senhor... Eu tô aqui trabalhando! – Protestou o dono do botequim.

- Não boceja não, velho de merda! Garanto que nem alvará essa espelunca aqui tem!

As pessoas, e o dono do boteco saíam do bar resmungando, enquanto os policiais entraram no camburão e saíram "cantando pneu". O velho dono do bar abaixava às portas e resmungava inconformado:

- É foda! Quando um desses filhos da puta não me toma dinheiro, fazem essa putaria!!

- Parece que quem trabalha, nesta porra é vagabundo. – Xingava o velho, aos berros.

- Pior é eu... Qui num tem nem dondi ficá. Já durmi por uma semana na rua... E se eu durmi hoje di novo, é capaiz inté di pará no xadreiz.

- É assim mesmo garoto! Neste país, esse pessoal num dar valor em quem trabalha não... Puta que o pariu! – Disse o velho dono do bar, indo embora protestando, com um tom rebelado na voz.

Uma prostituta que estava no bar, sensibilizou-se ao ver aquele rapaz que usava um sapato velho e rasgado nos pés. Estava bastante sujo, e com olheiras nas pálpebras, e aproximou-se do mesmo, fazendo-lhe um convite:

- Aí... Não te conheço, mais posso imaginar o que você tá passando. – Eu ofereço à minha casa, se você quiser passar essa noite.

- Num tenho dinhero não moça. – Disse Adalvino desconfiado, achando que a moça estava querendo um programa.

- Não tô te cobrando nada não amigo! – Só fiquei impressionada com a sua estória, e achei que podia ajudar.

- Discupa a falta di jeito moça... – Justificava Adalvino meio sem graça. – É qui eu achei qui tu quiria era...

- Eu sei o que você pensou! – Interrompeu. – E aí? Vai aceitar o meu convite, ou vai preferir dormir na rua outra vez? Você que sabe...

- Sendo assim... Eu fico agradicido moça. Se num fôr lhe atazaná em nada...

- Imagina! Não é muito longe daqui não... Dá pra ir a pé. Mais de ônibus é mais rápido.

Alguns segundos depois, aparece àquele menor de idade que estava no bar. E Adalvino Batina seguiu junto com a prostituta e aquele rapaz que aparentava ser menor de idade.

A prostituta chamava-se Luana. Tinha vinte e um anos, era de pele clara e tinha belos olhos verdes esmeralda. Seus cabelos eram longos, até a altura das costas; eram grossos e lisos, cuja cor, era vermelho em tom marrom. O rapaz, todos o chamavam de "Pituca". "Pituca" era um rapaz moreno. Usava uma bermuda e uma Camisa de manga comprida, e na cabeça usava um gorro preto. E também usava um brinco de argola na orelha esquerda.

Adalvino entrou no ônibus acompanhado dos dois amigos que fizera naquele boteco. Sentou-se ao lado direito do ônibus, enquanto Luana e "Pituca" estavam à esquerda do ônibus:

- Como você se chama? – Perguntou Luana, sentada à esquerda de Adalvino Batina.

- Adalvino Clementino Virgulino Batina.

Luana franziu a testa impressionada:

- Puxa... Seu nome é grande hein... Pelo jeito de você falar, percebo que você não é daqui de São Paulo... Você veio da onde?

- Sô da Paraíba moça. Já tô alguns dia aqui pra "San" Paulo, e há quase uma semana tenho durmido na rua. Achei qui ia durmi hoje toméim... Inté qui tu apariceu, me oferecendo a casa pra modi deu durmi. Fico muito agradicido moça... Deus um dia há di te compensá pela bondade qui tu tá fazendo por mim, vice...

Adalvino, "Pituca" e Luana desceram do ônibus e seguiram para um prédio muito antigo, que se localizava na Rua Mauá, bem próximo a estação da Luz, região central da cidade. Era onde Luana morava. Seu prédio era uma espécie de cortiço e seu Apartamento, era um apartamento simples; nem muito rico e nem muito pobre. Tinha dois quartos, sendo que um deles era uma suíte. Também havia uma sala e uma pequena cozinha e aos fundos havia um banheiro.

- Me dê licença! – Pediu Adalvino, antes de entrar na casa tirando o chapéu que estava na cabeça.

- Toda, pode entrar... E não repare na bagunça, por favor!

- Qui mal lhe pergunte moça... Mais será qui a moça podi me arranjá um prato di cumida, por modi qui eu tô é morrendo di fomi?

- Claro. Tem comida lá no fogão, eu vou esquentar.

- Fico agradicido moça.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Alcatéia dos Lobos, perdido

no "Sertão" de pedra. Matilha

primatas, nos observam

nessa selva... Aquele que

sobreviver para contar a

estória, que atire a primeira

pedra...

CAPITULO III


 

Luana dirigiu-se para a cozinha do apartamento e minutos depois, já havia esquentado a comida que estava em uma panela. Serviu o prato de comida para Adalvino. O pobre rapaz estava tão desvairado de fome, que pegou o talher de qualquer jeito e comia rápido e compulsivamente. Luana e "Pituca, observavam o jeito de Adalvino comer. "Pituca" comentou:

- Calma moço! A comida não vai fugir do seu prato não... Tem mais ali na panela se quiser.

- Num é por mal não seu moço. Mais é qui eu tô cum muita fomi, num sabe... – Explicou Adalvino falando de boca cheia.

- Deixa o coitado! – Retrucou Luana. – Ele passou muitos dias na rua. É pra tá varado de fome mesmo.

Houve um breve silêncio e "Pituca" enrolava um cigarro, enquanto Luana lavava a louça, e Adalvino acabava de jantar:

- Você quase "dançou" feio, por causa desse punhal né malandragem?

- Num intidi... – Adalvino levantou-se da cadeira para colocar o prato na pia.

- Se quiser mais, pode pegar Adalvino! – Disse Luana lavando a louça

- Esse punhal que tu carrega na cintura...

- Qué qui tem ele?

- Você quase "rodou" feio na mão dos home.

- Há... Tu tá falando desta pexera?

- Ela mesma.

- Isto daqui foi do tio di meu Vô, qui passôu pra meu pai, qui passôu pra mim vice...

- Posso dar uma olhada nela?

- Pode. – Adalvino tirou a bainha da cintura, tirou a mesma da capa e entregou para "Pituca".

- Caralho! – Exclamou "Pituca", olhando o punhal nas mãos e passando o dedo na lâmina. – Ela bem amolada, como uma navalha. Não entendo como é que os polícia não tomou ela de você...

- Deve di sê por modi qui eu disse qui usava ela pra trabalhá num sabe...

Houve um curto silêncio. "Pituca" bateu a pedra do isqueiro e acendeu o cigarro que estava enrolando. Puxou uma tragada, duas e três e passou o cigarro para Adalvino. Luana por sua vez, terminava de lavar a louça que estava na pia:

- Não, obrigado. Eu tenho cigarro aqui cumigo.

- Só que esse, é um cigarrinho especial. Já fumou deste?

- Oxe... Tem um chero diferente... Dexa eu isprimentá.

"Pituca" passou o cigarro para Adalvino. Adalvino deu uma só tragada e tossiu que nem um tuberculoso:

- Eta, muléstia! – Exclamou Adalvino. Deu outra tragada e tornou a tossir, enquanto "Pituca" caia nos risos. – Esse cigarrinho daqui, é cabra da peste hein seu moço!

Passou o cigarro para "Pituca, que passou para Luana sentada na cadeira ao lado:

- Você tem que segurar a fumaça na boca, se não num adianta! – Explicou "Pituca".

Em cinco minutos se foi o cigarro. Após fumarem aquele cigarro "especial", todos foram para a sala do apartamento. Sentara no sofá e ficavam a conversar e trocar algumas idéias, para que assim, pudessem conhecer uns aos outros. Adalvino nunca antes em sua vida havia fumado maconha. Sentia seu corpo como se tivesse flutuando e havia uma grande secura na boca, e segundo ele, sentia-se mais leve mais relaxado:

- Oxente! Este cigarro me dexôu é bêbado...

- Deixou o quê? – Indagou "Pituca", quase aos risos.

- Dexôu bêbado! Eu tô meio qui imbestado das Idéa num sabe...

Após dizer isso, "Pituca" e Luana caíram em um acesso de gargalhadas. Adalvino entrou no embalo e também começou a rir exageradamente. Terminada as gargalhas, Adalvino contava aos novos amigos, tudo que lhe acontecera até então. Luana e "Pituca" ouviam atentos a estória do forasteiro e Luana estava boquiaberta, ouvindo a dramática estória do imigrante sertanejo:

- Me diz uma coisa Adalvino... Você já ouviu falar em justiça do trabalho?

- Eu sô inguinoranti moça! Destas coisa di iscola, o mínimo qui eu aprendi foi a lê, iscrevê e a fazê conta.

- Sabia que você pode fudê com a vida desse camarada? A justiça do trabalho serve pra isso. Você pode tirar uma boa grana desse sujeito, se você quiser.

- Eu sô pobre moça! Num tenho dinhero, pra modi di pagá um dotôr pra me defendê não. E dispois, num tenho prova ninhuma contra o homi. É a palavra di uma pessoa pobre, contra a di uma pessoa rica.

- Você que sabe... Se eu fosse você, eu ferraria com a vida desse cara. Um absurdo o que ele acabou de me contar! Isso é a prova que ainda existe escravidão no Brasil, hipócritas são as escolas que ensinam que ela já foi abolida há mais de um século.

- Aí pessoal! O papo ta bom... Mais eu tenho que ir pra cama dormir, porque amanhã eu tenho que levantar cedo pra ir trabalhar.

- E desde quando você trabalha "Pituca!"

- Lógico que eu trabalho! Tu acha que é fácil levantar todos os dias cedo e ir lá pra Sé roubar aquelas madame...

- Só não se esqueça que logo você completa dezoito anos e eu não vou levar cigarro pra ninguém na cadeia.

- Foda-se! Não estou pedindo pra você me levar nada.

Houve um longo silêncio. "Pituca" já havia ido dormir. Luana e Adalvino dirigiram-se para o quarto. Luana arrumava no chão, o colchão que Adalvino ia dormir. O rapaz puxava assunto com a moça, para saber mais sobre a vida da mesma:

- É Luana né?

- É. Quer dizer... Para os meus clientes eu digo que me chamo Cláudia..., Marcela, mais meu verdadeiro nome mesmo é Luana.

- Tu é irmã dele memo?

- De "Pituca?"

- É.

- Nada... Só disse aquilo porque os "cana" queriam levá-lo para a delegacia. Já fiz isso milhares de vezes, mais ele é como se fosse meu irmão mesmo.

- Tu é muito linda Luana!

- Eu... Muito obrigado! – Disse Luana meio sem graça, arrumando o lençol no colchão que Adalvino ia dormir.

- Posso lhe pidi uma coisa?

- Pode.

- Eu gostaria di tomá um banho? Eu durmi muitos dia na rua, devo di tá muito sujo.

- Vou pegar uma toalha pra você. Você não quer trocar de roupa? Tem calça e camiseta do "Pituca", que deve servir pra você.

- Num quero lhe dá trabalho não.

- Imagina. Sua roupa está toda rasgada. Toma. Aqui ta sua toalha. Aqui tem um short e uma camiseta, vê se te serve.

- Acho qui servi sim. Eu num hei di demorá muito não.

- Pode ficar à vontade!

Adalvino demorou em média três minutos no chuveiro. Minutos depois, Adalvino já estava no quarto de Luana, que terminava de preparar a cama improvisada que Adalvino ia dormir:

- Qui mal lhe pergunte: mais como foi qui uma rapariga bonita feito tu, foi virá uma quenga?

A moça sentou-se na cama, franziu a testa e começou a contar:

- Me apaixonei por um playboy. Era louca por ele. A gente já namorava há algum tempo, chegamos até a ficar noivos e tudo. Ele fazia promessas que a gente ia se casar, construir uma família essas coisas sabe... Só que um dia, eu engravidei dele, aí tudo começou a mudar.

Adalvino escutava atentamente a estória da moça. Sua curiosidade era tanta, que não conseguia desgrudar os olhos de Luana e permanecia em silêncio.

Luana prosseguiu:

- O cara passou a me maltratar, dizia que o filho que eu estava esperando não era dele... Perdi meu em emprego, em conseqüência da minha gravidez. Tive que parar os estudos, e quando eu fui procurá-lo, sabe o que ele me disse? "Se você estiver mesmo grávida, você vai perder esse filho agora sua vagabunda!" E me deu um chute bem forte na minha barriga. Acabei por perder o filho que eu estava esperando, e foi aí que o conto da cinderela foi pro brejo.

- Oxente! – Interrompeu Adalvino. – Isso em minha terra, ou dava morte, ou dava casamento.

Luana continuou:

- Fiquei muito mal durante algum tempo. Entrei numa profunda depressão e tive de arrumar um jeito de me virar. Foi aí que eu caí na noite. Mais a pior seqüela que aquele filho da puta me deixou, a que eu nunca mais vou poder ter filhos; sou seca e oca por dentro.

- E dondi tava tua família numa hora destas, criatura de deus?...

- Eu nunca tive família Adalvino. Minha mãe morreu quando eu tinha sete anos. Fui criada pelo meu tio, que me batia e me punha pra pedir esmola em farol, ali na Tiradentes. Meu tio bebia todos os dias e me obrigava a se deitar com ele. Quando eu ia pra rua e voltava de mãos vazias, eu apanhava em dobro. Um dia eu não consegui dinheiro para ele comprar bebida; sabia que se eu fosse pra casa eu ia apanhar de fio, foi num dia que eu resolvi dormi ali na Praça da Sé, e não voltar mais pra aquele inferno...

Luana caía aos pratos e enxugando às lágrimas ela continuou:

- Na rua eu passava frio..., Passava fome e todos os perigos que você pode imaginar, mais pelo menos ali, não teria aquele homem nojento me batendo de fio e me obrigando a fazer sexo com ele. Foi aí que conheci o "Pituca".

Houve um silêncio e Adalvino Batina acariciava os cabelos da moça, que se emocionava, ao contar sua estória. Os dois começaram a envolver-se e começaram a se beijar efusivamente. Envolveram-se na cama e Adalvino Batina teria a primeira relação sexual de sua vida...


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

O futuro é sonhador da

Desconhecida ingenuidade.

O presente é coadjuvante da

Possível realidade...


CAPITULO IV...

SÃO PAULO, DEZEMBRO DE 1995.

Um garoto cheio de dúvidas. Uma cabeça sem rumo a seguir. Assim estava Adalvino Batina. Já estava a muitos dias na cidade de São Paulo, e até o momento não conseguiu arrumar nenhum emprego. Depois mais uma tentativa frustrada de arrumar um emprego, lá estava Adalvino Batina no apartamento de Luana e "Pituca".

Depois de mais uma tentativa frustrada de arrumar trabalho, lá estava Adalvino Batina no apartamento sentado no sofá e cabisbaixo. Usava uma calça emprestada, cuja barra batia na canela. Estava também com uma sandália de couro, que "Pituca lhe deu.

Todos estavam reunidos na sala do apartamento e tomavam em seus copos, Wisk falsificado, enquanto "Pituca" enrolava um enorme cigarro de maconha, seria ele um charuto de maconha. Luana preparava-se para ir fazer um programa. Estava ela usando uma maquiagem bem carregada e prendia seu cabelo, para colocar em cima do mesmo uma peruca loira:

- Hoje a gente tira o pé da lama "Pituca!" – Disse Luana entusiasmada e mirando-se no espelho. – Sabe com quem eu vou dar uma trepada hoje? Com o meu patrão; o seu padrinho! O gringo paga bem pra caralho... Meia hora de trepada com gringo, já tiro no mínimo uns mil pau!

A moça falava entusiasmada, mirando-se no espelho da penteadeira que tinha na sala, e passava batom nos lábios. Adalvino estava cabisbaixo sentado no sofá e "Pituca" terminava de enrolar o charuto de maconha, sem dar muita importância para a moça:

- Você está ouvindo o que eu estou falando "Pituca?!"

- Tô, e daí?

- E daí... Uma hora já são dois mil conto e você ainda me pergunta e daí!

- E daí... Tu acha que dois mil pau, é dinheiro! Dá pra pagar o aluguel e algumas contas, mais nada.

- O seu padrinho paga em dólar porra. Num tô falando em moeda nacional! Fico um tempo livre do aluguel e ainda me sobra uma graninha para gastos extras. Uma noite inteira de trepada com esse camarada, já viro quase uma madame "Dessirriê" de São Paulo.

Luana arrumava-se toda empolgada, para ir fazer o seu programa com seu próprio cafetão. "Pituca", por sua vez, acendia seu enorme cigarro de maconha. Puxou algumas tragadas, prendeu a fumaça dentro da boca e passou para Luana. Em sua mão direita estava segurando um relógio de ouro, que ele mostrava com orgulho à amiga:

- Estava dando um "Rolê" lá na Augusta, e olha o que eu consegui! Dá uma olhada mina... Tu que entende de jóia, olha e me diga se num é ouro.

Luana pegava o Rolex nas mãos e franzindo a testa ela perguntou desconfiada:

- De quem você roubou isso "Pituca?"...

- De um "tiozinho" lá na Rua Augusta. O tio tava vacilando demais... Não podia deixar passá essa num é mesmo? Passei o ferro no tio e olha que eu ganhei como troféu!

- Já sabe pra quem você vai vender isso?

- Vou lá pra Barra Funda. Vô vê se eu bato uma treta com madame Shirley, de responsa.

- E você acha que madame Shirley, vai comprar essa "biju" de você?

- Não é comprar não sua burra! O cara ta com uma parada lá da Bolívia. Eu conversei com o "Robertinho", ele me disse que a "bicha" ta com um pó bom pra caralho mina... Vô lá levar esse Rolex, quem sabe eu faço negócio.

- Como você é ingênuo garoto! Madame Shirley só compra jóia verdadeira... Mesmo se ela comprar isso de você, não vai te dar nem a metade do que vale essa porcaria. Eu sei o quanto a "boneca" é muquirana. Lembro bem da merreca que eu tirava pra mim por noite.

- A "bicha" num é isso tudo, que você ta dizendo não mina... O negocio que eu tenho pra fazer com ele é "Quente!" O bagulho é de responsa! Bem melhor que essa patifaria do "Carcará".

- E por falar em "Carcará"... Você pagou a grana que você deve pra ele?

- Não, mais vou pagar. Vô vê se eu arrumo uma grana e já jogo logo na mão dele.

- É melhor você pagar logo esse cara... Você se lembra da "Patricinha" do Itaim Bibi, que achou que podia dar voltas no "Carcará, num se lembra?

- Lembro. Aquela "Nóia" lá do caralho.

- Pois é..., Apareceu com a boca cheia de formiga, lá na Boca do Lixo! Num abre teu olho não, pra vê se você não vai ter o mesmo destino. E me diga uma coisa: e se madame Shirley não quiser fazer nenhum rolo nessa porcaria? Você conhece a "boneca"... Sabe como ela fresca com essas coisas.

- Não tem problema. Eu me entendo com a madame.

Luana deu um sorriso irônico, e fez um comentário em tom de deboche:

- Eu sei, qual é o jeito de você se entender com a madame, viu...

- Que você quer dizer com isso?! Num é o que você ta pensando não, ô mente poluída!

- Sei... Mas o que todos nós sabemos, é que ele tem uma quedinha por você, quem sabe isso não ajuda... – Debochava Luana, dando um sorriso cínico.

"Pituca" nada respondeu da gozação da amiga. Mas dava para se ver em seu semblante, que não gostou muito da brincadeira. Luana virou os olhos para Adalvino que estava sentado no sofá. Percebeu que o rapaz estava um tanto quanto desanimado. Dirigiu-se até ele, e sentou-se no braço do sofá, ao lado do rapaz para perguntar ao mesmo, qual era o motivo dele estar tão cabisbaixo:

- E você? Por que está com essa cara de quem comeu e não gostou, que bicho lhe mordeu?

- Fui hoje "caçá" um sirviço e fui inxotado di lá qui nem um cachorro di rua! É sempre assim... Vô procurá trabalho e sempre me dizem a mema coisa, qui merda!

- Ô meu querido... – Consolava Luana acariciando os cabelos do rapaz. – Num fica assim não... É assim mesmo.

- Quer saber duma coisa... Quem manda ser otário! – Interferiu "Pituca". – Fuma um bagulho aí e vê se isso ajuda.

- Dá esta porra aí! Quem sabe ficando meio imbestado, há di crariá minhas Idéa.

- Adalvino, eu sei que é difícil... Mais difícil ainda, é entregar os pontos e não tentar nenhuma vez! O preconceito aqui é grande, portanto se você ficar aí sentado reclamando e não correr atrás de nada, você vai ser apenas mais um sem carteira assinada, procurando trabalho. Aqui é foda meu! Se você não der à cara à tapa, você não consegue porra nenhuma. Eu tenho que ir trabalhar que eu já estou atrasada e o patrão deve ta plantado me esperando. Até amanhã gente.

Luana saiu para cumprir mais uma rotina do seu dia a dia, enquanto Adalvino e "Pituca" ficaram no apartamento fumando o charuto feito de maconha e tomando wisk falsificado. A vida de Luana era assim, cheia de altos e baixos. Era assim desde seus dezessete anos. Aos quinze anos, havia engravidado de um ex-namorado. Acabou perdendo a criança e desde então, sua vida nunca mais foi à mesma.


 

Luana e "Pituca" tinham quase as mesmas histórias, só que contadas de maneiras dextintas. Pituca foi abandonado pela mãe, assim que nasceu. Foi para um orfanato, e lá ficou até os sete anos de idade, até ser recolhido por uma mulher que dizia ser uma tia; mas na verdade ele foi adotado. Desde então, teve que ser obrigado a pedir esmolas na rua. Se voltasse pra casa de mãos vazias, além de ficar sem comer e ir para o castigo, ele apanhava de cabo de vassoura, ou de fio elétrico.

Foi uma época da qual, vivia na rua e passou a conhecer tudo quanto é espécie de marginais, ali da área. Passou a baforar cola, esmalte, e assim começou a roubar. E apanhava dos malandros e de vez enquando da polícia. Chegou a ir pra FEBEM, onde ficou lá por pouco tempo. Depois de um tempo longe da FEBÉM, fugiu de casa indo morar de vez na rua. Desde então, "Pituca" entrou na estatística da marginalidade, fumava maconha todos os dias. Aos doze anos, ganhou um revólver de um malandro mais velho: um calibre trinta e dois, de cano médio. "Pituca" passou a assaltar com aquela arma, e logo passou a ser bucha de canhão dos traficantes que conhecia na rua. Foi onde passou a fumar crack, e a vender também.

Aos quatorze anos de idade foi preso, junto com alguns outros comparsas maiores de idade, pela polícia militar. Como "Pituca" era o único menor de idade entre os presos, assumiu toda a autoria do crime. Novamente foi parar na FEBÉM, e lá ficou apenas dois anos. Foi solto com a condição, de ter algum responsável, maior de idade, que iria colocá-lo na escola. Iria dar moradia, alimentação e um lar saudável.

Foi escolhido, um casal de colombianos, que iriam se responsabilizar de agora em diante, pelo menor aqui em questão. "Pituca" ganhou um padrinho, que chamava-se Juan Soarez. Era casado com uma colombiana, apenas no papel; na verdade era um casamento apenas de fachada.


 


 

Luana não chegou a ir para um orfanato, como "Pituca". Essa, a mãe não abandonou, porém, faleceu quando a menina ainda era muito pequena. A origem do pai, era desconhecida, e Luana foi morar com o irmão de sua mãe. Desde então, comeu o pão que o diabo amassou, nas mãos desse tio. O fato é que depois de alguns anos, conseguir escapar das garras desse homem. Foi morar na rua, onde acabou conhecendo "Pituca", com quem pegou amizade, e se sentia protegida pelo garoto, que a protegia da molecada, que não ia muito com a cara dela.

Para matar a fome, baforava cola, ou algum solvente qualquer. Algumas vezes, já chegou a roubar, ao lado de "Pituca". Uma vez, eles haviam furtado alguém, e a polícia deu um tiro, que aceitou o perna de Luana. Naquele dia, as duas crianças de rua, apanharam muito dos policiais; um deles até pisava no machucado de Luana, que estava ferida na perna. Os policiais liberam os dois, mas ameaçaram, dizendo que se falassem pra alguém que eram eles que tinham atirado em Luana, eles iam dar um jeito de matar os dois. Portanto, aquela feia cicatriz que Luana tem na batata da perna esquerda, ficou mesmo em pune, e sem solução.

Aos treze anos de idade, já era viciada em crack e virou prostituta pra sustentar o seu vício. Já havia namorado tudo quanto é espécie de malandro; grande parte deles traficantes.

Mas quando completou quinze anos, conheceu um rapaz de classe média alta, com que se apaixonou e passou a namorar desde então. Mas, quando engravidou do rapaz, que teve um desfecho trágico. Luana ficou desempregada, e tudo voltou a ser como antes. Voltou para as ruas e para a vida de garota de programa. Foi adotada por Juan Soarez, que na verdade, era um rufião colombiano. Virou uma garota de programa profissional, e Com um tempo foi trabalhar em hotéis e boates, que na verdade funcionavam como fachadas.

Desde então, passou a cobrar um cachê mais alto e de vez enquando, passava a noite com seu "patrão", onde ganhava jóias e muito dinheiro. Isso fez com que a ex- menina de rua tornara-se uma pessoa de classe média, ainda que morando em um velho e antigo cortiço que dividia com o amigo de infância "Pituca".

Enquanto isso, na casa de Javier González, o patrão mexicano conversava sobre negócios, com aquele mesmo sócio que estava na usina. Era ele, um delegado de polícia corrupto. Recebia propina de González, com a finalidade de facilitar o tráfico de pessoas e de drogas para o exterior. Embora, quem tem a função de investigar esse e mais outros crimes é a Polícia Federal, o delegado corrupto dificultava a ação das autoridades honestas em troca de propina, pois o delegado estadual, também fazia parte da quadrilha desses criminosos internacionais.

Seu nome era Cláudio Bezzerra. Era um policial que não tinha nenhuma ética, e era uma verdadeira vergonha para instituição da qual trabalhava. O homem havia sido delegado na cidade de Santos, na divisão de narcóticos. Foi onde conheceu o empresário estrangeiro. Recebia propina da quadrilha de González, para facilitar o transporte de mulheres que levavam cocaína no estomago, onde futuramente seriam também vendidas para tornarem-se escravas da prostituição.

A mansão de González, localizada no bairro do Morumbi (zona sul), era um verdadeiro palácio. No interior da casa havia um enorme salão. Seria ele, o salão principal da casa e na parede deste salão, havia muitas armas de fogo raras que enfeitavam o salão principal.

Entre revólveres, espingardas e garruchas, dos séculos XIII e XIX, uma chamava mais a atenção. Uma réplica de um mosquete do século XV, que seria a predileta da coleção do mexicano. Também havia nas paredes da sala, valiosíssimas obras de artes como alguns quadros do pintor francês Monet e Vangog. E obras de Leonardo da Vinci e uma pintura de Michelangelo.

Nos fundos da mansão, havia uma enorme e luxuosa banheira de hidromassagem, feita de mármore carrára. Nela estava o delegado corrupto e o patrão mexicano, e o garçom servia ao delegado e ao patrão mexicano, legítimos charutos cubanos acompanhados de wisk envelhecido vinte anos.

Tomando um luxuoso banho de banheira de hidromassagem, lá estava o delegado Cláudio Bezzerra e o amigo mexicano Javier González; tomando wisk e fumando seus charutos, conversando de negócios:

- Tenho novidades doutor Javier: Demos uma geral no caminhão e sabe o que eu encontrei? A identidade de um dos rapazes. Tive maior trabalho, para despistar a imprensa. Aqueles repórteres ficaram no meu pé que nem urubu atrás de carniça!

- "Faça o que for necessário, para manter a mídia fora disso. Não quero esses cucaráchos, atrapalhando meus negócios. O que resta agora, é encontrar um desses rapazes. Tive um grande prejuízo... A mercadoria que estava nos fundos sumiu. Desapareceram com a maleta que tinha dez mil dólares. O problema é que dentro dessa maleta havia um disquete com informações muito comprometedoras; tem um grande perigo de esse disquete ir parar na mão dos "federais" e nós termos dores de cabeça".

- Quanto a um deles, já temos pistas para encontrá-lo... O senhor sabe por acaso, o nome do outro rapaz? – Perguntou o delegado, dando depois um gole no copo de uísque.

- Un del mués hombres, mi dice que un del rapaces se llama Adalvino Batina. Mi parece, que ese tal Adalvino, tenía sido lo mentor del fuga.

- São Paulo é uma cidade muito grande doutor Javier... Um vai ser fácil encontrar, porque o imbecil esqueceu os documentos para trás. Já o outro... Vai ser como encontrar uma agulha no palheiro.

- "Encontrando o primeiro rapaz, não será muito difícil de saber onde está o outro... É só questão de tempo". – Afirmou Javier González levantando-se da banheira, enquanto o mordomo vinha lhe servir o traje de banho.

Javier González prosseguiu:

- Aquellos desgraciados pensión que van mi pasar para tras! Le pago quince mil, pela las cabezas del cada uno. "Deixa primeiro, um dos rapazes começarem a revender a mercadoria. Aí que eles morderão a isca! Prenda-os antes, dos outros policiais. Interrogue-os e descubra o que eles sabem".

- Isso não será muito difícil. – Disse o delegado levantando-se da banheira e o mordomo vindo servir seu traje de banho. – Posso fazê-los assinar dois artigos: Um cinco sete, que é assalto a mão armada e o artigo dois oito um, que é tráfico de entorpecente.

- "Pegamos primeiro, o que está com a mercadoria e com a maleta. Pegando ele, fazemo-lo dizer onde que está o outro. Esse problema até que foi pequeno comparado ao ano... Meu sócio Hernández Lascuzas, estava levando no navio, umas brasileiras para serem negociadas em Los Angeles. Só que o imbecil não sabia, é que ele estava negociando com um agente do FBI infiltrado".

- E ele foi preso? – Indagou o delegado.

- Fue dar una volta com belas moças, y conhecer las belas praias del Califórnia"... – Respondeu o mexicano, em tom de ironia. – "Que pergunta! É claro que ele foi preso delegado Bezzerra!"No sí fue preso, como mi deu un prejuízo del cem mil dólares. Essa do Lascuzas me deixou bastante aborrecido, e agora me vem essa desses dois flagelados para me atormentar ainda mais".

- Pode ficar sossegado doutor Javier... – Tranqüilizou o delegado corrupto, com o charuto no canto da boca. – Pode demorar, mais eu acho esses dois filhos da puta.

- "E com certeza será bem gratificado".

Em uma tarde ensolarada, por volta das 15h45 da tarde, estava Adalvino Batina e "Pituca" andando em uma calçada da Avenida Ipiranga, região central da cidade. Adalvino acabava de voltar depois, de mais uma vez procurar um emprego e receber um não. E "Pituca", este andava atôa. Cerrava cigarro dos outros, mexia com as mulheres que andavam pela calçada, e às vezes até pedia dinheiro para as pessoas (quando não roubava).

Andando na calçada, desiludido e cabisbaixo Adalvino comenta com "Pituca":

- Deve di tê alguma coisa di errado ne mim, pra modi di ninguém querê me dá sirviço, vice... – Desabafou Adalvino.

- Desencana de ficar correndo atrás de trabalho, malandro! Ta vendo aquela madame ali na frente, marcando bobeira? – "Pituca" apontava o dedo para a mulher.

- Qué qui tem, qui tu vai fazê?

- Vou jogar a vara e fisgar o peixe. É assim que se sobrevive nessa selva! Presta atenção, e prepare-se para correr!

"Pituca" grudou na bolsa da mulher e tentava arrancá-la com violência, das mãos da pobre senhora. A mulher ainda tentava se defender do meliante, esquivando e berrando para tentar impedir o assalto:

- Me solta!!, Estou sendo roubada..., Pega ladrão!, Pega ladrão!

"Pituca" arrancou com violência, a bolsa das mãos da senhora e começou a correr. Adalvino ficou sem ação e sem saber como agir:

- Corre porra! – Gritou "Pituca" correndo, dirigindo-se para Adalvino. – Os home vem vindo atrás da gente... Perna pra quem pode malandro!

Adalvino se viu sem ação. Viu um policial militar correndo em sua direção e de "Pituca". Ficou assustado e também começou a correr. "Pituca" estava correndo com a bolsa da senhora nas mãos e logo atrás vinha Adalvino Batina. Os dois esbarravam nas pessoas, que andavam pela calçada, derrubavam algumas barracas de alguns ambulantes, e logo atrás vinha o guarda assoprando o apito e ordenando que os dois parassem de correr:

- Parem aí, os dois! – Ordenou o guarda.

Os dois ignoraram a ordem do policial e atravessaram uma travessa entre a Avenida Ipiranga e a Avenida São João, de farol aberto sendo quase atropelados. O policial militar perdeu os dois rapazes de vista, desistindo por tanto de persegui-los.

Os dois correram a muitos metros de distância dali, até que pararam em uma rua, para tomar um fôlego:

- Tu é doido é homi?! – Indagou Adalvino estupefato, com o coração palpitado e sem fôlego, enquanto "Pituca" arfava. – Qué matá a gente porra!

- Fica suave mano... Não tava aí choramingando que estava sem dinheiro..., Que num sei o quê... Dependendo do que eu encontrar na bolsa da madame, por um bom tempo você fica sem se preocupar em procurar serviço; depois que eu pegar a minha parte, é claro!

- Pois tu pode ficá cum este dinhero todinho pra tu! Num quero ficá cum o qui é dos outro não! Por mim eu devovia isto daí agora memo!

Após tomarem um fôlego, os dois seguiram para um esqueleto de uma construção abandonada de um prédio, de aproximadamente quinze andares. Os dois estavam em um lugar onde funcionaria a garagem da construção abandonada, e ainda estavam discutindo sobre o roubo da velha:

- Você é muito otário cara... – Disse "Pituca" sentando-se no chão e encostando-se à parede. Acendendo um cigarro e puxando uma leve tragada, ele prosseguiu:

- Sabe que tipo de serviço vão dar pra você?... De Lixeiro..., De gari..., De sacoleiro de supermercado; é isso que você quer pra tua vida malandro?

- Tudo isso qui tu falou, num dexa di sê trabalho digno! – Retrucou Adalvino. Sentou-se no chão, ao lado de "Pituca". E acendendo um cigarro e puxando uma tragada, acrescentou:

- Trabalho, seja ele qual fôr é sinal di dignidade! Por modi di quê qui tu num caça um sirviço?

Remexendo a bolsa da velha, "Pituca" respondeu franzindo a testa:

- Eu não! Num sô bobo pra ficar correndo atrás de caminhão de lixo! E depois também, o que eles paga por mês, é o que eu ganho todo dia roubando... Ta achando o quê? Isso daqui não é "Disneylândia" não, malandro! Isso daqui é São Paulo; a selva feita de concreto; a selva de pedra. – Refletiu "Pituca", enquanto Adalvino sacudia a cabeça negativamente. – Sempre vai haver um playboy tirando sua vaga no mercado de trabalho, que te paga salário digno! Aqui é isso mesmo... Filho de "bacana" estuda em faculdade e trabalha atrás da mesa de escritório, ta ligado... Pobre, ou vai catá lixo, ou vai varrer rua!

Enquanto "Pituca" manifestava sua errada opinião, Adalvino Batina ficava observando o rapaz, que ia ficando cada vez mais nervoso ao vasculhar a bolsa da velha e não encontrar nada de valor:

- Velha filha da puta! – Exclamou. – Fichas de orelhão, fotos de família, Balas e chicletes! Cadê a merda do dinheiro?!, Talões de cheque, cartão de crédito? Que merda... A porra da madame, num tem nada de valor! – Resmungou "Pituca", arremessando a bolsa contra a parede. Depois tirou seu maço de cigarros do bolso, tirou de dentro dele um cigarro de Maconha, bateu a pedra do isqueiro e acendeu.

Houve um breve silêncio e o que se ouvia, era o barulho dos carros que passavam na rua, e a goteira que batia no chão da garagem do prédio abandonado, formando poças de água.

Encerrando-se o silêncio, Adalvino virou os olhos para "Pituca" e perguntou:

- Qué qui teu pai, ou tua mãe acha disso tudo qui tu faiz?

"Pituca" virou os olhos para Adalvino, soltou à fumaça presa dentro da boca e respondeu com um sorriso nos lábios:

- Nunca tive nem pai nem mãe não, Adalvino. – Deu mais umas tragadas, segurou por alguns segundos à fumaça dentro da boca, e soltou a fumaça passando o cigarro para Adalvino.

"Pituca" Prosseguiu:

- Fui criado praticamente, na FEBEM. Até que fui adotado aos oito anos, por uma dona, que mexia com essas porra aí de magia negra. Ela me obrigava a roubar os bagulho necessário, pra ela fazer os despacho dela. Às vezes apanhava de cabo de vassoura. Agüentei isso, três meses e fugi de casa, e desde os meus oito anos, vivo pela rua fazendo minha própria correria ta ligado... Nunca ninguém me deu nada. Sempre tive que roubar dos outros mesmo.

Adalvino soltou à fumaça presa dentro da boca, e passando o "Bagulho" para "Pituca", ele perguntou:

- E pra quê roubá o qui é dos outro? Lá em minha terra tem um cabra, qui a família dele roubôu tudo as terra di minha família tinha. Mataram meu padinho e mais minha madinha. E minha irmã di cinco ano di idade morreu di fomi, porque inté plantá um arroiz e um fejão é coisa impossível por aquelas bandas, por modi qui ali num tem terra boa pra plantá nada! E nem por isso, a gente vai saí por aí robando o qui os outro batalhou pra consegui! Me alembro muito di painho me dizê pra mim e mais meus irmão: "Vergonha num é sê pobre, vergonha é sê rico ladrão!" – Filosofou Adalvino.

- Você reclama da vida, mais pelo menos você tinha uma família e um teto pra dormir. Já eu, cresci na rua. Apanhando de polícia, apanhando de malandro, apanhando de todo mundo! Minha realidade é essa Adalvino..., Que culpa tenho eu, se a única coisa que eu aprendi na vida foi roubar!

- Aprendê a trabalhá, isto tu nunca quis num é memo?... – Indagou Adalvino em tom de ironia. "Pituca" nada respondeu, Abaixou os olhos e o silêncio voltou a reinar naquela velha construção abandonada.

A construção abandonada da qual estava Adalvino e "Pituca", era um lugar imundo cheio de lixo e de enormes ratazanas e baratas. O que se via naquele lugar, era peças de roupas velhas, pares de sapatos usados e pedaços de caixas de papelão. Às vezes era habitada por mendigos e pequenos traficantes de crack, e às vezes ficava vazia.

Segundo "Pituca", esse era o seu local de refúgio para pensar na vida. Às vezes "Pituca" subia às escadas até o ultimo andar, chegando até o terraço. E às vezes descia até o subsolo, que era a garagem do prédio abandonado.

De vez enquando, o prédio abandonado era invadido por sem-tetos, mas o governo sempre pedia a reintegração de posse, e os sem-tetos eram obrigados a evacuarem o local. O governo tinha como argumento, que iria finalizar as obras do prédio, porém elas ficavam paradas por meses e até anos, com tantas pessoas sem terem onde morar, vivendo nas ruas de São Paulo.

A vida do jovem retirante Adalvino Batina, que tentava vencer na maior cidade do país e conseguir algum emprego para juntar algum dinheiro, e comprar um sitio maior, para iniciar uma criação de bode, resumia-se assim:

Fugindo dos cafundós do mundo, da desgraça que

Sem dó devasta tudo.

Da tragédia chorando só, na lavoura trabalhando

Duro.

Passada a vida pra pior, visando um melhor

Futuro...

Saga umedecida de suor, em pontas de facas dando

Murros. Ambição cada vez maior, caminhando em

Passos curtos.

Sua cabeça vai dando nós, em sua mente despertando

Um surto.

Dinheiro fácil que vira pó, em um tabuleiro de um jogo

Sujo...

Ao entardecer, Adalvino e "Pituca" estavam voltando para casa e andavam pela calçada conversando, até que de repente, "Pituca" viu uma cena de longe e decidiu voltar:

- Vamô voltar daqui memo cara! – Decidiu "Pituca", com uma expressão assustada. – Eu devo uma grana pra aquele mano e não tenho grana pra pagar.

O homem do qual "Pituca" se referia, era "Carcará". Estava o rapaz, acompanhado de sua quadrilha e eles impediam a passagem de uma moça, ameaçando-a constantemente. Vendo aquela cena de longe, Adalvino Batina decide dirigir-se até a gangue para pedir para eles deixarem de atormentar aquela pobre criatura. "Pituca" puxou o rapaz pelo braço, para impedir que o rapaz fizesse tal atitude:

- Eu sô é homi, "Pituca!" Num posso dexá aqueles cabra fazê aquilo cum a coitada da moça!

- A gente num tem nada haver com isso cara! – Murmurou "Pituca". – Larga mão de ficar fazendo papel de herói e vamo imbora porra...

- Tu num é homi não?! Se tu qué fugi como uma marica, foge... Eu vô inté lá!

"Pituca" bem que tentou fugir, mas é visto de longe por "Carcará", que grita de longe para o garoto parar, enquanto os outros malandros pressionavam a moça que estava encostada na parede assustada:

- Pode parar aí mesmo "di menor!" – Ta pensando que vai me dar o calote? Cadê a minha grana seu arrombado?!

- Já te disse que eu vou acertar contigo, "Carcará"...

- Há é... Quando? Que dia?

- Tô pra vê uma grana aí, assim que eu receber, eu jogo pra tua mão, firmeza...

- Pera aí! Esse cara que ta aí com você, não é aquele cara que tava outro dia, lá no bar do Zagallo?

- Sô eu memo homi! – Retrucou Adalvino, com expressão séria no rosto. – Tu pode mandá aqueles cabra, dexá a moça em paz por favôr?

- Como é que é?... – Indagou "Carcará", com um tom desafiador na voz.

- Eu lhe perguntei se tu e mais estes cabras aí, pode dexá a moça assussegada?

Neste mesmo instante, "Carcará" e os outros integrantes da gangue caíram em gargalhadas em tom de deboche. Adalvino permanecia em com expressão séria e "Pituca" estava nervoso e com uma expressão de medo:

- E se eu não mandá, tu vai fazê o quê?

- Dexe di covardia homi! Pra quê esta cambada tudo em cima da moça?

- Escuta aqui garoto: você não me conhece, portanto vou te dar uma chance: vaza daqui! Ta querendo comprar a dela por quê? Você a conhece? O pai dela é cagüeta!, É o que atrasa o lado da rapaziada, junto da polícia! Filha de "ganso" é isso mesmo... Tem que sofrer na pele, pelas patifarias do pai dela, ta ligado!

- Quem que é o "Paraíba" "Pituca?" – Perguntou uma menina, integrante da gangue. – É "ganso" novo na área é?...

- Ele tava dormindo na rua, e a gente deixou ele passar uns tempos lá em casa! E ele não é nenhum "Paraíba", ele tem nome!

- Pois pra mim é "Paraíba!" E diga para o seu amigo vazar daqui, que ele não conhece a fúria do "Carcará!" – Avisou a menina, com maldade no olhar.

- É melhor você ir imbora Adalvino... A parada aqui é comigo. Depois a gente troca idéia.

Adalvino não deu ouvidos e insistiu em ficar ali e convencer os malandros a deixarem a moça ir embora. A moça estava encostada na parede, calada e assustada, enquanto os "Nóias" a impediam de passar:

- Se tem algum cabra valente aí, qui venha me fazê ir se imbora... – Desafiou Adalvino.

Após dizer isso, um dos integrantes da gangue empurrou de leve Adalvino. Adalvino revidou, dando um murro no rosto do sujeito. Tomando tal atitude, Adalvino arrumou uma grande encrenca. Juntaram uns seis rapazes para cima de Adalvino, enquanto os outros integrantes cercavam aquela moça impedindo sua passagem.

Adalvino começou a atracar-se com os malandros, enquanto "Pituca" virava um saco de pancadas de "Carcará". Apesar de ser bom de briga, Adalvino estava sendo covardemente agredido por seis integrantes da gangue e quando já estava caído no chão, passou a apanhar de ripas. "Carcará" soltou "Pituca" e deu sinal para os maloqueiros pararem de bater em Adalvino Batina. Os rapazes se afastaram e "Carcará" aproximou-se de Adalvino ensangüentado no chão, e pisou de leve na garganta do rapaz:

- Chuta a cara dele "Carcará! – atiçou a menina integrante da gangue. "Carcará" cuspiu no chão e dizia para Adalvino:

- É "Paraíba"... Vou te dar um "boi" de não te mandar por inferno caboclinho... De agora em diante você e o "Di menor" trabalha pra mim! Aprenda uma coisa garoto... Aqui é um lugar, onde polícia bate, e ladrão pisa na garganta! E você mocinha, avisa pro papai o que vai acontecer com a filhinha dele, se ele continuar bancando o "ganso" aqui na área.

"Carcará" e sua gangue foram imbora, enquanto Adalvino levantava-se do chão todo arrebentado. Apanhou o seu chapéu que estava caído no meu da rua e pôs na cabeça. A menina, após se ver livre daqueles vagabundos suspirou aliviada e tentou correr, mas é impedida por "Pituca":

- Onde você pensa que vai sua vagabunda?! A treta toda começou por sua causa, sua cagüeta do caralho! Passa essa bolsa pra cá, anda logo!

- Pelo amor de deus, me deixa ir imbora! – Implorou a moça assustada e chorando. – Olha... Eu tenho uns trocadinhos aqui, pode levar! Mas me deixa eu ficar com a minha bolsa, por favor!

"Pituca" não quis nem saber. Queria levar o dinheiro e a bolsa da menina, com todos os seus pertences.

- Nada disso! Dá tudo que você tem aí, anda logo!

- Ao menos, você me deixa pegar apenas os meus documentos?

- Não! – Respondeu "Pituca" em tom agressivo.

A menina entregou a bolsa, com todos os pertences para "Pituca" e foi imbora chorando, quase que correndo.

Já no apartamento de Luana, o mesmo estava vazio, pois a moça a jovem prostituta já havia saído para fazer programa. Nele estavam Adalvino e "Pituca" sentados na cadeira da mesa da cozinha. Adalvino estava inconformado com a covardia que havia sido feita com ele. Não se via uma expressão muito amistosa em seu semblante. "Pituca" desembrulhava em cima de um prato virado pra baixo, uma embalagem contendo cocaína. Depois, lambia o saco plástico e com uma cédula de identidade, ia fazendo às "carreiras" e depois aspirava à droga. Encerrando-se o silêncio "Pituca" comenta com Adalvino, sobre a baita surra que levaram:

- Você quase mandou a gente pra casa do caralho hein malandragem... Não faz mais isso não!, Você não sabe o tamanho da encrenca que você nos meteu!

- Eles é qui tava errado "Pituca!" Dondi já se viu... Aquele monte di moço, pra batê cercando a coitada. Eu fiz o qui qualqué homi di verdade faria! Quiria Qui um daqueles ali, tivesse sozinho pra tu vê se eu num ia quebrá a cara de um por um!

"Pituca ia se drogando, ouvindo Adalvino xingando e se sacudindo:

- Quer mandar um "teco" aí? – Ofereceu "Pituca".

- Quero sim. Como é qui usa este negócio?

- É só colocar esse canudo no nariz e mandar pra dentro: assim desse jeito ó... – "Pituca" colocava o canudo feito de nota de dinheiro no nariz, e aspirava à droga pra dentro, para ensinar a Adalvino como é que se faz e aos poucos Adalvino ia aprendendo o "ritual". "Pituca" passou o canudo para Adalvino, que ia aspirando à cocaína, do jeitinho que o amigo havia lhe ensinado.

Houve um rápido silêncio. Enquanto Adalvino se drogava, "Pituca" voltava a tocar novamente no assunto da surra, encerrando-se o silêncio:

- Uma coisa que você tem que entender, é que você não ta mais na tua terra malandro! Às coisas por aqui são assim mesmo, ta ligado... Você não podia ter feito aquilo. Uma, por que eu devo uma nota preta pra aquele mano..., e outra, é que você é estranho aqui. O "Carcará" é dono de quase todos os pontos de droga daqui das redondezas. Comprar briga com mano é suicídio malandragem! – "Pituca" fungou o nariz e depois soltou um espirro. Depois prosseguiu:

- Olha aí o tamanho da encrenca que você enfiou a gente... Vamos ter que virar "avião" dele, para salvar nossa pele.

- Qui cunversa é essa de "avião?" Quê qui é isso?

- Depois eu te explico. Cheira um pouco aí. Eu vô dar uma mijada.

Enquanto "Pituca" retirava-se da cozinha, Adalvino ia aspirando ao resto da droga. "Pituca" voltava à cozinha do apartamento, com um revólver em uma das mãos. Era esse revólver um Taurus, calibre trinta e oito de cano longo e cor prateada. Encostou o cano da arma na nuca de Adalvino que estava sentado na cadeira e engatilhou. Adalvino virou os olhos para "Pituca" e perguntou sorrindo:

- Quê isso "Pituca?"

- Que isso o caralho! Vai levantando aí, bem devagar. Ta achando que eu num tô ligado qual que é a tua malandro?! Por que tava '"abraçando" a daquela vadia? Quem "abraça" treta de filha de "ganso" é cagüeta também! Não sabia não seu arrombado!

- Realmente num tô intendendo o quê qui tu tà querendo dizê cum isso...

- Cala a boca! Você sabe muito bem do que eu tô falando! Me meti na maior encrenca por tua causa e por causa daquela cagüeta filha da puta... Agora tu vai morrê, e cagüetinha vai ta lá no teu velório, chorando pelo herói dela. Vou meter uma bala nessa tua cara suja!

- Vamo cunversá "Pituca"... Abaxa esta arma homi di deus... Eu num sô ninhum diacho di dedo duro não! Num sei dondi qui tu tirôu isso criatura! Abaxa esta arma e vamo cunversá eu e mais tu feito dois homi. – Sugeriu Adalvino, enquanto "Pituca" estava apontando-lhe o revólver.

- Cala a boca! Tu já perdeu uma grande oportunidade de ficar calado! Ajoelha aí, vai! Ajoelha porra!!

Adalvino ajoelhou-se no chão e olhava para "Pituca", com uma expressão séria meio misturada com coragem. Tomado pelo efeito da cocaína, "Pituca" tremia com as mãos, apontando o revólver para Adalvino, que nada entendia o que estava havendo:

- Se tu qué me matá, mate agora cabra da peste! Por modi qui se tu num me matá, eu lhe acho nem qui seje no inferno, e aí quem vai morrê é tu!

- Já falou demais. Hora de morrer!

Tomado pelo efeito da cocaína, Adalvino via em seu pensamento entorpecido, a imagem daquele velho insano da usina, que dizia aquela frase antes de morrer: - "Só se sai melhor em uma alcatéia de lobos, aquele que melhor sabe interpretar um cordeiro"... – Terminada a frase, o velho caía em secas gargalhadas insanas. Adalvino olha para "Pituca" e o vê sorrindo. O garoto abaixou o revólver, desengatilhando-o. O tambor da arma é aberto e da para se ver, que o revólver estava descarregado:

- Olha a cara dele... Deve ter se borrado todinho de medo! – Debochou "Pituca". - É tudo brincadeira malandragem!

Chateado, Adalvino levantou-se do chão, abriu a porta e desceu as escadas, indo em direção a rua. "Pituca" seguiu atrás de Adalvino para tentar se desculpar da brincadeira de mau gosto:

- Hei mano! Pera aí, vamo trocar uma idéia...

- Me dexe "Pituca!" E num me dirija mais a palavra!

- Foi só uma brincadeira cara... Foi mal aí.

- Tu botôu uma arma na minha cabeça "Pituca!", isso num é brincadera! Se num fosse o respeito qui tenho por Luana, lhe sangrava agora memo vice!

- Foi mau cara... Eu já te pedi desculpa porra! – Repetiu "Pituca, já sem paciência.

- Tá bem! Mais nunca mais tente fazê isso cumigo di novo vice... Eu vim dum lugar dondi cabra só desembainha o "bicho", quando vai mandá a peste pros cafundós dos inferno! Num foi o seu caso, e eu poderia lhe matar di verdade, agora se eu quisesse.

"Pituca" ouvia em silêncio, aquele forasteiro injuriado com a brincadeira de mau gosto. Em uma selva de pedra, seria como se "Pituca" tivesse brincado com um bicho estranho e imprevisível:

- É melhor a gente entrar pra dentro, já é tarde e tá ceia de "nóia" por aí... Vamos entrar que eu tenho que guardar aquele "berro". Luana vai me encher o saco, se descobrir que o mexi nas coisas dela.

- E por modi di quê qui ela tem isso?

- Pra se defender né malandragem... Ela é mina da zona, sempre tem algum maluco que cisma e vem atrás dela.

Os dois entraram pra dentro do apartamento, pois Adalvino apesar de não ter gostado nem um pouco da brincadeira do amigo, desculpou "Pituca", mas o alertou para nunca mais fazer isso com ninguém. E subindo às escadas do prédio, "Pituca", começou a improvisar uma letra de rap:

"Essa é a vida bandida, apanha de malandro, ou leva tiro da polícia. Desde cedo

Aprendi com a malandragem... aqui mesmo nessa selva, onde te pega na

Crocodilagem. Cagüeta morre cedo, coisa de ganso é cagüetagem. É isso mesmo

Ladrão... na lei da rua, não tem lugar para covarde. Pá, pá, pá, pá! Vacilou no crime,

Vai pra casa do caralho, seu cuzão, aqui ninguém tolera sacanagem... É, é vida

bandida... apanha de malandro, e leva tiro da polícia. É, é vida bandida... "pedala" na

calçada, apavora um "tio" em cada esquina".


 

Desde que Adalvino migrou de sua terra natal, para São Paulo, só havia se metido em encrenca. Sem saber, Adalvino estava sendo caçado pela máfia mexicana e por alguns policiais corruptos. Agora, involuntariamente, teria que vender drogas para a quadrilha de "Carcará". E agora? Como que o jovem imigrante sairá dessas...


 


 

Vida tão ingênua, tão perdida

Na saudade.

Alma tão sofrida, reprimida da maldade.

Em meio a uma selva, em meio a uma cidade,

Desafiando sua própria realidade...


CAPITULOV...

SÃO PAULO, 19 DE DEZEMBRO DE 1995...


Em um começo de tarde, estava Adalvino andando pela Avenida Ipiranga carregando uma bolsa de mulher em uma das mãos. Entrou em uma loja que vendia produtos exotéricos, e viu aquela mesma moça que tentou defender da gangue de "Carcará" e que foi assaltada por "Pituca". A moça ia organizando os produtos na prateleira e olhando desconfiada para Adalvino, que estava em pé na sua frente com sua bolsa nas mãos:

- O que você quer? Veio roubar a loja é?... De qualquer forma, me pegou no dia errado! Não tenho dinheiro nem aqui comigo, e nem no caixa!

- Acho qui isto lhe pertence. – Afirmou Adalvino, entregando a bolsa para a moça. Com um olhar de desdém, a moça tirou a bolsa das mãos de Adalvino e em seguida abriu a mesma, para verificar se não estava faltando nada:

- Obrigado... – Agradeceu a moça, com um tom meio seco na voz.

- Num há di quê moça.

A menina abriu a carteira e tirou de dentro uns trocados, para oferecer para Adalvino, em recompensa por ele ter devolvido sua bolsa:

- Hei! Com certeza você não veio até aqui de graça. Vou te dar uns trocados, por você ter devolvido a minha bolsa, que você e seu amigo me roubaram. Anda logo!, Pegue esse dinheiro e não me apareça mais aqui!

- Num quero teu dinhero não, dona... Só vim lhe devovêr o qui lhe pertence. Num sô ninhum ladrão não! – Colocou o chapéu na cabeça, deu de costas e foi embora sem pegar o dinheiro.

A menina era uma moça de aproximadamente dezesseis anos de idade. Era uma menina muito bonita. Tinha longos cabelos lisos bem grossos e de cor castanho escuro. Seus olhos eram verdes com a cor de mel e usava uma tiara azul sobre os cabelos. Seu nome era Samira Tallaf. Filha de Anaúr Tallaf, sempre era perseguida pelos malandros do bairro pelo fato de seu pai ser informante da polícia. Tinha o sonho de ir embora para longe dali e cursar uma faculdade de medicina. No apartamento de Luana, Adalvino acabava de chegar. Luana estava sentada no sofá que havia na sala e "Pituca" estava deitado no colo dela:

- O que houve ontem à noite Adalvino?... Por que você e "Pituca" levaram uma surra do pessoal do "Carcará?"

- Pergunte para "Pituca!"

- Sabe quem ele tava defendendo? Aquela cagüetinha filha do seu Tallaf. Eu falando pro cara... Vamo imbora!, Vamo imbora! E ele querendo ficar lá, pra comprar a de filha de "Ganso"...

Luana sacudia a cabeça negativamente, enquanto Adalvino estava em pé na sala e não deixou por menos. Explicou porque defendeu aquela moça, da quadrilha de traficantes de crack:

- Só fiz o meu papel di homi! Aquilo qui aqueles cabra tava fazendo cum à moça era covardia!

- Mais Adalvino... A gente não pode sair por aí fazendo papel de herói não...

- Eu disse isso pra ele! – Interrompeu "Pituca".

- Você poderia ter morrido! Não te mete com o "Carcará" que você pode "dançar" feio!

Luana suspirou se levantado do sofá:

- Eu preciso ir ao banheiro. Adalvino, você me espera ali no quarto? Eu preciso conversar com você. Eu já volto!

Houve um silêncio. "Pituca" estava deitado no sofá, bem despreocupado da vida. Adalvino se dirigiu para o quarto de Luana. Tirou o seu chapéu e depois a camiseta e deitou-se na cama, esperando pela moça. Luana estava em seu luxuoso banheiro; tinha uma razoável banheira de hidromassagem e havia um boxe no chuveiro de vidro azul e havia um bidê ao lado do vazo sanitário. Luana puxou a descarga e depois foi até ao armário da pia, que ficava de frente ao vazo sanitário. Abriu o mesmo e tirou de dentro dele uma embalagem plástica contendo cocaína, e em seguida pegou uma seringa e uma borracha sintética. Minutos depois, ela já havia preparado a droga para ser injetada na veia. Sentou-se novamente no vazo sanitário, amarrou a borracha sintética no braço e injetou a cocaína na veia. Levantou-se e depois ficou mirando-se no espelho do armário.

Luana sempre se drogava, antes de fazer sexo e minutos depois ela apareceu no quarto, completamente nua. Sentou-se por cima de Adalvino, que estava deitado na cama, e começou a acariciar o seu peito. Depois, ela ia desabotoando a calça do rapaz e ia arrancando-a, deixando o rapaz apenas de cueca. Adalvino estava deitado na cama meio nervoso, com um ar meio que de timidez:

- Você muito tímido garoto! Relaxa vai...

- Oxe... Mais eu tô relaxado! – Respondeu o rapaz sorrindo.

- Ta nada... Eu tô percebendo que você ta um pouquinho nervoso! Não precisa ter medo não garoto! Eu sô puta. Sou uma profissional do sexo, e pra você tô dando de graça!

Luana ia beijando calorosamente o peito de Adalvino, que aos poucos ia se soltando deixando a bela moça, "brincar" com o seu corpo. Minutos depois, os dois já estavam se beijando efusivamente e alguns segundos depois já estavam em uma calorosa transa. Em meio à relação sexual, Luana sussurrava. – "Vai "Paraíba"... Me fode vai... Acaba comigo "Paraíba"... Vai me fode... Me fode porra! "- Muito tempo depois, Adalvino decidiu tomar um fôlego. Bateu o palito na caixa de fósforos e acendeu um cigarro:

- Tô sabendo que o "Carcará" quer que você venda drogas pra ele, isso é verdade?

- É.

- E agora, vai mesmo virar "avião" daquele bosta?

- Num sei o qui eu haverei di fazê. Num nasci pra trabalhá pra bandido.

- Estou vendo, que você não tem escolha, não é mesmo?

- Num sei direito o qui eu vô fazê. Tô sem dinhero..., Tô sem sirviço... Estou sem opção!

- Sabe Adalvino... Apesar deu te conhecer a tão pouco tempo, eu gosto muito de você. Toma cuidado com o "Carcará!" Aquele sujeito não vale nada! Não fica procurando encrenca com esse pessoal... Eles não têm nada a perder. Certa vez, eles pegaram uma "patricinha" que devia uma grana pra eles e a mataram com dezesseis facadas. Por isso que eu lhe digo, toma cuidado... Não arrisque sua pele por causa duma cagüetinha de merda; não vale a pena! Eu tenho que sair que eu tenho que garantir meu "ganha pão"... Você se comporte e não me arrume nenhuma encrenca pelo amor de deus!

Luana arrumou-se para ir fazer o seu programa e saiu de casa. Meia hora depois de Luana ter saído, Adalvino dirigia-se até a cozinha do apartamento. Abriu o armário da cozinha e tirou de dentro do mesmo e tirou de dentro dele uma garrafa de aguardente, enquanto "Pituca" estava vendo televisão.

Mas de repente, todos são surpreendidos pela gangue de "Carcará", que entra de repente sem avisar e sem bater na porta:

- Boa noite "di menor"... Cadê a minha grana?!

- E aí "Carcará". Eu vô lá no quarto pegar o que eu te devo.

- Vai lá "di menor"... Eu vou sentar aqui no sofá. Se você tiver de onda comigo, é hoje que tu pode encomendar teu caixão; firmeza pivete pilantra! Descola um cigarro aí "Paraíba".

Adalvino tirou um cigarro do maço e jogou para "Carcará". "Carcará" pegou o cigarro e acendeu. Ficou sentado no sofá esperando por "Pituca". "Pituca" demorava e demorava... E "Carcará" ia ficava cada vez mais impaciente com a demora do rapaz:

- "Di menor" tá demorando muito... Eu tenho a pequena impressão que ele ta me enrolando... Isso não é bom!

"Pituca" demorou em média cinco minutos. Até que apareceu com uma cara não muito satisfatória:

- Aí "Carcará"... Não sei como te dizer isso, mas a bolsa que estava no meu quarto sumiu. – Tentou se explicar "Pituca", com um tom assustado na voz.

- Há, sumiu... – Neste exato momento, "Carcará" gruda na gola da camiseta de "Pituca" e empurra o garoto contra a parede. Fazendo isso, "Carcará" tira da cintura uma pistola trezentos e oitenta e pressiona o cano da arma, no rosto do garoto:

- Você ta de sacanagem comigo... Cadê a minha grana moleque?! – Perguntou "Carcará" aumentando a tonalidade de voz.

- Tava ali no quarto, eu juro!

- Cadê a minha grana?...

- Eu tô falando a verdade porra!! – Disse "Pituca" apavorado.

- Você ta de "um sete um" comigo moleque... Vou contar até três... Se essa merda não tiver agora aqui na minha mão..., Eu vou fazer um buraco nessa tua cara!

- Eu tô falando a verdade, eu juro... – Choramingava "Pituca". – Eu deixei a grana lá no quarto e ela sumiu!

- Ele tá dizendo a verdade "Carcará!" – Interferiu Adalvino. – Ele roubôu memo a moça. Eu peguei a bolsa do quarto dele, e fui devolvê, pra verdadera dona, vice...

"Carcará" soltou "Pituca". Pôs a sua pistola na cintura e perguntou:

- Onde tem um calendário aqui?

- Lá na cozinha, perto do fogão. – Respondeu "Pituca".

- Vai lá pegar Donáh!

A integrante da gangue foi até a cozinha e depois voltou com o calendário nas mãos, entregando para "Carcará":

- Estamos no dia dezenove. Se até o dia sete do mês que vem você não me descolar a grana, pode se preparar pra morrer. Donáh!

- Pois não.

- Vai lá pegar a parada pra mostrar pros garotos!

A menina foi pegar a droga e voltou com um tijolo de cocaína, contendo nele cem gramas. E depois trouxe um tijolo de Crack, contendo nele cinqüenta gramas. Ela entregou os dois tijolos na mão de "Carcará":

- Aqui tá a parada que tu e o "Paraíba" vai vender pra os "playboy"... A Donáh irá orientar a clientela que vocês vão ter que vender morô... É pra ela que vocês vão ter que dar o dinheiro.

Enquanto "Carcará" mostrava a "mercadoria" que Adalvino e "Pituca" iam vender, a menina integrante da gangue olhava admirada, o punhal de Adalvino que estava em cima de uma mesa que havia na sala:

- Caralho... Essa faca é muito loca mano... – Disse a menina com brilho nos olhos. – Aí... Achei essa faca maneira pra caralho, posso ficar com ela "Carcará?"

- Essa pexera é minha! – Manifestou-se Adalvino.

- Pode. Tenho certeza que o "Paraíba" não irá se importar, num é mesmo "Paraíba?"...

- Aí "Paraíba"... Era sua! Agora ela é minha!

- "Paraíba!" Se os home te pegar, você nem me conhece hein!

- Num se avexe não homi! Se tem uma coisa qui eu num sô, é dedo duro!

Antes de ir embora, "Carcará" joga uma embalagem para "Pituca", contendo nela dez gramas de cocaína:

- Hei, toma! Aproveite que hoje eu tô de bom humor.

"Pituca" apanhou a droga no ar, e "Carcará" e sua gangue de traficantes foram embora. "Pituca" e Adalvino ficaram sozinhos no apartamento, e "Pituca" estava furioso com Adalvino por ele ter devolvido a bolsa à sua verdadeira dona:

- Por que você mexeu nas minhas coisas?! Eu poderia ter me fudido por sua causa sabia?!

- Eu fiz o qui era certo "Pituca!" E vamo pará cum esta bestage, qui se num fosse eu falá pro cabra qui fui qui peguei a bolsa, numa hora destas tu tava era batendo uma prosa cum capeta vice...

- É... De qualquer forma, você acabou salvando minha pele, morô... Valeu!

Algumas horas se passaram e Adalvino Batina e "Pituca foram para aquela construção daquele prédio abandonado. Subiram até o terraço do prédio e lá chegando sentaram em um local que seria a caixa da água. "Pituca e Adalvino cheiraram muitas quantidades de cocaína, e tomavam em uma garrafa cachaça pura.

Dava para se ver muitas coisas dali de cima. As luzes dos postes e das casas eram minúsculas e o vento soprava serenamente. Adalvino aproximou-se para a beirada do terraço. Dava largos goles na garrafa de cachaça, depois abria os braços, como se tivesse voando, e dizia algumas coisas sem sentido:

- Por modi di quê será qui deus num deu asa pra gente?

- Sei lá... – Respondeu "Pituca", de cima da caixa da água. – Deve ser pelo motivo que deus não dá asa pra cobra! – Refletiu.

- O qui será qui a gente deve di tê em comum cum os pássaro? Se fosse possível falá cum deus, eu pidiria dois par di asa num sabe... Pra modi di saí vuando daqui di cima. Como Ícaro, qui teve suas asa di cera queimada pelo sol!

- O que uma coisa tem haver com a outra? – Indagou "Pituca" aos risos.

- Nem eu memo sei. – Respondeu Adalvino, dando depois um gole no bico da garrafa de cachaça. – Tava pensando... Será qui no ano dois mil, o mundo há memo di acabá?

- Dizem que ele vai acabar em fogo. – Afirmou "Pituca".

- Pago pra vê... Se inté lá eu tivé vivo, é craro! E bote lenha nesta fuguera muléstia! Em minha terra todo mundo ia dizê qui eu fiquei, foi maluco di vez num sabe... Dona "Gina" iria dizê: - "se aquiete minino! Tu já passôu da hora di se ajuntá cum uma mulé e casá!" Lá pra aquelas banda casamento é remédio pra tudo, inté pra doidisse, num sabe... Ninguém acaba no caritó, por aquelas bandas não vice...

- Em terra de padre, a gente aqui é santo morô... – Refletiu "Pituca", caindo aos risos junto de Adalvino.

- Agora tu disse uma verdade... Em terra di padre, a gente aqui é santo.

Houve um longo silêncio. Adalvino caminha até a caixa da água e entrega a garrafa de cachaça para "Pituca", para ele segura-la, enquanto ele subia. Sentou-se ao lado de "Pituca" e os dois ficavam a observar, um pedaço da cidade dali de cima, e até a respiração dos dois era coisa difícil de ouvir naquele momento.

O vento soprava serenamente. Adalvino dava alguns goles no bico da garrafa, depois passou para "Pituca". Em pensamento, lembrava da frase daquele velho insano da usina: - "Só se sai melhor em uma alcatéia de lobos, aquele que melhor sabe interpretar um cordeiro garoto"... – E o velho dizia para Adalvino em pensamento:

- "A miséria alimenta o governo.

A violência acrescenta o veneno...

A "justiça", injusta "justiça" que continua cedendo,

Pior cego finge não estar vendo... Na terra de "Herodes"

Somos restos do vosso reino...

Na terra dos "Césares" o vulnerável paga o preço, o sistema,

Falho sistema que continua cedendo, e a miséria que mata a fome

Do governo.

A ignorância acrescenta o veneno... Pior cego finge não estar vendo,

Só há vencedores em uma alcatéia de lobos, aquele que melhor sabe

Interpretar um cordeiro... Guarde bem estas palavras, garoto marrento!"

O velho caiu em um profundo acesso de gargalhadas insanas e aquela imagem daquele velho insano, de barbas brancas parecidas com as de um "papai Noel", ia desaparecendo do pensamento de Adalvino.

Por ali, o que se via era silêncio. Era uma noite de céu bastante estrelado, um pouco misturado com aquele vermelhão causado pelo monóxido de carbono. Mas naquele dia a noite estava bastante sedutora. "Pituca" observava a cidade do alto do prédio e Adalvino voltava em si e ficava observando as estrelas. Voltou à cabeça para "Pituca" e perguntou, encerrando-se o silêncio:

- Como qui tu se achama na verdade "Pituca?"

- Wagner. Wagner Silveira De Jesus Varela. Você tem muitos irmãos Adalvino?

- Tinha quinze... Mais cum a morte di Janice, sobrou catorze. Sendo qui, cinco num é irmão di verdade. Era os filho di padinho e mais madinha. Os dois morreu numa imboscada e mainha pegou os filho deles, pra modi di acabá di criá num sabe...

- Eu nem irmão nessa porra de vida eu tenho... Meus irmão era quem eu conhecia da rua, ou da FEBEM ta ligado... Grande parte deles, ou morreram..., Ou tá na "jaula".

- É muita da bonita a galega qui tu roubôu hein "Pituca"...

"Pituca" franziu a testa:

- Que galega?

- Aquela qui o "Carcará" tava afugentando aquele dia criatura!

- Há... Claro... A cagüetinha é gostosa mesmo! Mais pode tirar o seu cavalinho da chuva, malandragem! Aquela ali, só sai com quem tem muita grana, ou com quem tem um bom carro. E detalhe: ela já tem dono.

- E tu qué batê uma aposta, qui eu faço ela ficá inrrabichada por mim. – Desafiou Adalvino, enquanto "Pituca" deu uma risadinha em tom de deboche:

- Duvido! Se aquela "mina" dá pra você, no dia seguinte eu peço a rainha dos baixinhos em casamento malandro...

- É o qui nóis vamo vê intão...

Houve novamente um longo silêncio e o que se ouvia, era apenas o barulho dos carros que passavam lá em baixo na avenida, e o barulho de uma sirene de polícia, ou ambulância.

Alguns dias se passaram e agora, Adalvino era "Avião" da gangue de "Carcará". Apesar de estar vendendo drogas obrigatoriamente, Adalvino podia tirar uma espécie de comissão, pelas drogas que vendia. Mas com sociedade com o amigo Wagner Varela (Pituca) passou a vender sua própria cocaína e seu próprio crack, escondido de "Carcará". Se por acaso o traficante descobrisse, Adalvino seria liquidado pela quadrilha.

Adalvino vendia drogas em uma esquina, próxima a aquele bar, do qual conheceu Luana e "Pituca". Corria um grande risco de ser pego pela polícia, porém não tinha outra escolha. Por ter se envolvido com "Pituca" que devia dinheiro de drogas para "Carcará", teria que forçadamente vender drogas para a quadrilha. Mas o dinheiro que tirava de comissão, não dava para mandar para a sua família no nordeste; era muito pouco e com o dinheiro arrecadado da venda de suas próprias drogas, só dava para investir para comprar mais drogas.

Poderia ser facilmente pego pela polícia; poderia virar alvo fácil das gangues do bairro, e seria uma presa fácil e dócil nas mãos da máfia de Javier González, seu pior rival anônimo.

"Pituca" conseguia arrumar dinheiro, através de pequenos furtos. Conseguia nesses furtos relógios, jóias e às vezes muito dinheiro. Quase no final do mês, os dois rapazes compravam mais substâncias ilegais, adquiridas de outro fornecedor.

Em uma rua próxima a uma esquina, vinha Samira Tallaf. Andava depressa quase correndo e estava com uma cara mais ou menos assustada. Adalvino andava distraído na mesma calçada:

- Você é cego é moço! – Exclamou Samira Tallaf, com um tom meio malcriado na voz, após ter esbarrado por acidente em Adalvino. – Não ta me vendo aqui não?!

- Me perdoe moça! Eu num vi qui tu tava aí. Dexa qui eu lhe ajude.

- Não obrigado! Eu posso fazer isso sozinha. – Respondeu Samira, que com um olhar de desdém apanhou rapidamente suas coisas do chão, e saiu apressada. Sua pressa era tanta, que nem havia percebido, que havia deixado para trás uma agenda de capa verde. Adalvino apanhou a agenda no chão e seguiu atrás de Samira para alcançá-la.

Quando conseguiu alcançar a moça, ela novamente lhe dirige-lhe um olhar de desprezo:

- Quê que é hein?! Deu pra me seguir agora é?

- Num acarece di tê medo di mim não moça! Tu dexôu caí isto. – Disse Adalvino entregando a agenda para a moça.

- Desculpa. – Murmurou Samira abaixando os olhos, meio sem graça. – Posso te pedir uma coisa? Você poderia falar pros seus amigos me deixarem em paz, que eu não tenho nada haver com o rolo do meu pai com esses caras.

- há di tê um único proprema... Eu num sô amigo destes peste, portanto num posso lhe ajudá vice...

- Que ótimo! É por isso que a gente não deve aceitar ajuda de gentinhas como você!

- A moça é mal iducada assim cum os outro, ou é só cum quem tenta se aproximá di tu?

- Com pessoas como você, com certeza! – Respondeu Samira, com ar de cinismo e franzindo os olhos.

- Eu num vô ficá aqui discutindo, cum uma moça muito da mal iducada feito tu! Passar bem, dona moça! – Retrucou Adalvino, batendo na aba do seu chapéu de cangaceiro. Deu-se de costas e quando já estava indo embora, Samira o chama novamente:

- Espera... - Adalvino parou e virou os olhos para Samira Tallaf. – Você poderia me acompanhar até em casa?... É que já ta de noite e é perigoso chegar até lá sozinha numa hora dessas... Está cheio de "nóia" na rua.

- Acho qui num vai dá não... Tenho qui ir pra casa durmi, por modi qui amanhã eu tenho qui levantá muito cedo vice...

- Ta bem então... Vou sozinha né... Fazer o quê?

- Num foi tu mesma qui disse qui num se deve aceitá ajuda di gentinhas como eu.

- Ta... Eu disse... Me desculpa!

- Se a moça passá a me tratá cum mais iducação, posso inté pensá no caso vice...

- Pode mesmo?...

- Posso.

- Não precisa ser até minha casa não. Até a esquina já está ótimo.

Adalvino Batina acompanhou aquela menina mal educada, até a sua casa. Até estava encantado com a beleza da "dona moça", mas acompanhou a menina até a esquina de sua casa, calado e sem dizer nem uma única palavra:

- Aqui já está bom. Muito obrigado. – Agradeceu Samira Tallaf.

- Qui dia qui a gente pode se vê di novo?! – Gritou Adalvino, quase no final da esquina. Samira respondeu da calçada do portão da sua casa:

- Em dia nenhum, eu espero!

Samira abriu o portão e entrou. Adalvino ria e sacudia a cabeça obstinadamente. Adalvino deu-se de costas e foi embora.

Alguns dias depois, e lá estava Adalvino entregando o dinheiro da venda das drogas para "Carcará" que estava nos fundos do bar, sentado em uma cadeira, enquanto os outros membros da gangue jogavam bilhar:

- Tô gostando de ver "Paraíba"... Ta dando conta do recado, do jeitinho que eu gosto! Entrega ali pra Donáh.

Adalvino entregou o dinheiro para a menina membro da gangue. A menina contou o dinheiro na frente de Adalvino, para conferir o que estava faltando. Estava ela, com o punhal de Adalvino na cintura e estava usando um gorro da torcida "Gaviões da Fiel", sobre seus longos cabelos loiros:

- Senta aí mano... – Convidou a menina. – Toma uma "ceva" aí com a gente...

- Num quero não! – Respondeu Adalvino co um tom atravessado na voz.

- Na terra dele, eles deve beber mijo de jegue! – Debochou a menina, enquanto os outros caiam em risadas de deboche. – É brincadeira ladrão... Não se ofenda!

- Aí "Paraíba!" Avise o "Di menor", que o prazo dele já está se esgotando... Fala pra ele descolar logo a minha grana, ou eu mando ele de vez pra casa do caralho!

- E se vacilar, você vai junto com ele, morô... – Acrescentou a menina em tom de ameaça e apontando o dedo indicador para Adalvino.

- Aqui "Paraíba"... –"Carcará" entrega o maço de notas de dinheiro para Adalvino. – É tua parte da grana. Tem mais um "barato" aqui de preza pra você ficar "louco" ta ligado... E dá o recado pro "Di menor".

Adalvino seguiu para o apartamento de Luana. Entrou no apartamento e seguiu para a cozinha. "Pituca" estava sentado na cadeira da mesa e Adalvino colocava o dinheiro da venda de suas drogas em cima da mesa. Em cima da mesa havia outras notas de dinheiro e algumas drogas já embaladas:

- Vendi bastante hoje. – Afirmou Adalvino.

- Depois eu confiro. Mas tarde a gente busca mais lá na "boneca". O "pó" dela ta acabando, e hoje eu consegui arrumar mil reais. Vamo na casa dele e comprar toda a "parada" ta ligado... Assim a gente levanta mais dinheiro e vamos começar investir mais no crack. Ta dando dinheiro muito mais dinheiro.

- O "Carcará" mandôu lhe dizê, qui teu prazo já tá se isgotando. Disse pra tu pagá logo o qui tu deve pra ele, ou ele lhe mata.

- Pois é... Eu tenho que pagar logo a parada que eu devo pra esse cara, ou então eu tô fudido malandro.

- Eu tenho qui fugi daqui. Eu vô acabá é preso.

- Eu tenho uma idéia melhor. Mandar esse mano de vez pra casa do caralho morô...

- Tu tá é doido! Aí qui a gente vai pará xadreiz memo!

- Fugir não vai adiantar nada Adalvino. Depois que entra nesta vida não tem jeito de sair dela não malandragem...

- Mais eu num entrei nela, por vontade própria. Num é questão di sê dedo duro não, mais por modi di quê qui a gente num intrega este cabra pra polícia "Pituca?" Assim a gente se livra dele di vez.

- Polícia... Ficou loco mano? Polícia o caralho! Se a gente pagá de cagüeta aqui na área, aí que a gente ta fudido porra! Lá de dentro da "casa" é capaz dele mandá "apagar" a gente aqui fora! Isso se a polícia não se encarregá de fazer o servicinho sujo na frente! – "Pituca" acende um cigarro, puxa uma tragada e acrescenta:

- Vamo enfiar uma bala no meio da testa dele... Depois a gente mata essa "galinha" da Donáh e já era! Toda a "quebrada" de "rocha" e "pó" é nossa! Vamos supor que o "Carcará" seja uma serpente... E a gente dois escorpiões. Se a gente der vacilo o "Carcará" engole a gente. E se ele vacilar, a gente injeta os ferrões no meio das costas dele. Ta ligado no que eu tô falando? – Adalvino sacode a cabeça afirmativamente. – Então. É assim que funciona a lei da selva de pedra... É matar pra não ser morto, é caçar para não ser caçado. Resumindo... Ou a gente mata ele, ou ele é que mata a gente.

Houve um silêncio. "Pituca" esticou as pernas e botou os pés em cima da mesa e começou a palitar os dentes. Adalvino sentou-se em uma cadeira e ia contando o dinheiro que estava em cima da mesa, das vendas das drogas que eram suas e de "Pituca".

Todos os dias, a rotina de Adalvino era a mesma. Passava dia e noite vendendo cocaína e crack, próximo a aquele bar do qual conheceu Luana e "Pituca". Quase sempre encontrava Samira Tallaf. Sempre a cumprimentava, mas ela nunca respondia. E ele apenas ria e pensava consigo mesmo:

- "Num se avexe não Adalvino! Um dia esta rapariga ainda há di sê tua". – E cantava em pensamento: - "Esta moça num gosta di moço. Ingnora e pisa

Nos outro.

Ela num qué sabê di namoro...

Ela num qué sabê di namoro...

Esta rapariga num gosta di homi,

É tão orgulhosa qui a beleza inté

Some. É coisas da vida qui ela num

Soube. Amôr di homi qui no coração

Dela num coube.

Esta moça num gosta di homi "...


 


 


 


 

Selvagens urbanos, nessa selva

Encontrou. Banquete para os

Nativos, alimento quase virou.

O seu destino, caminho incerto

Ele plantou...

CAPITULO VI...


 


 

Dias depois, já era véspera de ano novo e já se passava das oito da noite. Adalvino e "Pituca" estavam sentados em nas cadeiras da mesa da sala, embalando as drogas que iam ser vendidas naquela noite, e Luana estava arrumada para sair, pois o seu cachê estava mais caro naquela noite.

- Há "Pituca"... – Suspirou Luana Entusiasmada. – Novamente vou ficar livre do aluguel! Arrumei um programa com um gringo cheio das "verdinhas". Ele vai pagar pra ficar a noite inteira comigo. Só o que eu vou tirar de cachê esta noite, já da até pra comprar esse apartamento.

- Qual é o gringo dessa vez, o meu padrinho?

- Não num é o seu padrinho não. Ele não é bem gringo... É um paraguaio, rico pra cacete... Dono de várias empresas aqui no Brasil.

- E o quê que paraguaio é sua burra? É gringo, lógico!

- Disso eu sei...

- Então!

- É que ele já está há bastante tempo aqui no Brasil. Já até fala um pouquinho de português!

- O quê que a gente vai arrumar hoje, malandragem?

- Trabalhá. Hoje é dia di faturá cum a clientela. Vamo vendê muita farinha, pra moço rico! Enquanto "Carcará" só tem coisa qui num presta, qui num dá lucro algum!

- Só que toma cuidado Adalvino. Se o "Carcará" descobre que vocês estão vendendo drogas na área dele, nem quero saber o que pode acontecer! Não se esqueça "Pituca", que o seu padrinho não irá acobertar as suas encrencas.

- Tô ciente disso mina! Mas não é por isso, que eu vô me acovardar, ficando com medo de crescer na vida, morô...

- Eu tenho que ir trabalhá... Feliz ano novo pra vocês! – Desejou Luana levantando-se do sofá.

- Vai na fé mina! Feliz ano novo pra você também.

Houve um silêncio. Após Luana ter saído para fazer o seu programa, Adalvino e "Pituca" estavam sentados nas cadeiras de uma mesa que havia na sala. Em cima dessa mesa, havia muitas notas de dinheiro, algumas drogas já embaladas e "Pituca" fazia com uma carteira de identidade, as "carreiras" que ele e Adalvino iam cheirar.

Adalvino botava o canudo feito com uma nota de dinheiro e ia aspirando às "carreiras", enquanto "Pituca" ia colocando as notas de dinheiro dentro de uma caixa de sapato. Minutos depois, os dois são surpreendidos pelo toque da campainha:

- Quem será? – Perguntou Adalvino cochichando.

- A Luana não é... Só pode ser o "Carcará" malandragem. Leva essas coisas e esconde lá no quarto! Eu vou abrir a porta.

Adalvino juntava as drogas e as notas de dinheiro para esconder tudo no quarto de Luana, enquanto a campainha voltou a tocar:

- Já vai... – Respondeu "Pituca" indo abrir a porta.

"Carcará" entrou no apartamento, tirou da cintura um tijolo de cocaína embalada em uma sacola plástica e entregou para "Pituca":

- Isso daqui é a "branca" que vai ser vendida pra rapaziada. Cuidado com os home, que hoje é dia de "neguinho" "rodar" tá ligado... Se pegarem um de vocês dois, já sabe qual é o proceder... Ninguém aqui me conhece, morô... – Antes de sair, "Carcará" joga duas notas de cem reais e mais uma embalagem de cocaína para "Pituca" e Adalvino:

- Taí molecada! Aproveitem que hoje eu tô de bom humor!

"Carcará" deixou trezentos gramas de cocaína para "Pituca" e Adalvino venderem. Crack era a droga que "Pituca" e Adalvino iriam vender escondido da gangue de "Carcará".

Já se passava das onze horas. Adalvino estava encostado em um poste, próximo ao bar do velho Zagalo. Estava fumando seu cigarro, quando um rapaz se aproxima. Era um rapaz loiro forte, tipicamente gaúcho descendente de alemão. Esse mesmo rapaz chama Adalvino para um canto e murmura, como se tivesse pedindo algo. Adalvino saí e minutos depois volta. O rapaz lhe entrega disfarçadamente, uma nota de cinqüenta reais, e Adalvino lhe entrega umas quantidades de substâncias, conhecidas por crack. Adalvino colocou a nota no bolso, e voltou a encostar-se àquele mesmo poste, como se nada tivesse ocorrido, como se não devesse nada. Logo mais vinha uma menina, e minutos depois vinha outro rapaz. Tudo para comprar cocaína, ou crack de Adalvino. "Pituca" estava vendendo drogas, há dois quarteirões dali.

Em dado momento, Adalvino decidiu descansar um pouco. Dirigiu-se para uma rua quase deserta, onde estavam muitos mendigos e pessoas sentadas na calçada fumando crack. Em uma parte mais escura, Adalvino estava com sua identidade em uma das mãos. Estava preparando a cocaína para ser aspirada. Segundos depois, já estava cheirando a cocaína, com um canudo feito com nota de dinheiro.

Neste mesmo instante, estava passando por ali Samira Tallaf. Encara Adalvino, que estava se drogando, e segue adiante sacudindo a cabeça negativamente. Dirigi-se para outra rua e Adalvino não perdeu a oportunidade e seguiu a moça. Ela sentou-se em um ponto de ônibus, nele só havia um desconhecido senhor, fumando um cigarro e segurava um guarda chuvas, segurando um jornal dobrado entre o mesmo. Adalvino aproxima-se de Samira Tallaf, distraída esperando seu ônibus:

- Acho qui esta hora já num passa mais condução não, dona moça! – Disse Adalvino, de repente. Samira vira a cabeça em direção a Adalvino. Sua expressão no rosto era de como se tivesse levado um susto, enquanto aquele desconhecido senhor encarava aquele rapaz com chapéu de cangaceiro que usava sobre os cabelos cumpridos:

- Ai que susto moço! – Exclamou à "dona moça", com uma voz irritada. – O que você quer hein?!

- Tu sabe qui hora são?

- Não tenho relógio! – Respondeu Samira, de forma grosseira.

- Vai fazer alguma coisa hoje à noite?

- Por que está me perguntando isso? – Perguntou Samira séria enquanto, aquele desconhecido senhor a encarava e virava os olhos para Adalvino, e às vezes olhava impacientemente as horas em seu relógio.

- Apenas por curiosidade moça.

- E daí... O que eu vou fazer ou deixar de fazer, não é da sua conta! – Retrucou Samira fazendo pouco caso de Adalvino.

- Filiz ano novo moça malcriada! – Disse Adalvino virando-se para ir embora. Samira o chama, pedindo daquele seu jeito de menina mimada, com um tom delicado na voz, para ele ficar. Ele vira para Samira olhando seriamente pra moça:

- Espera... Há essas horas, já não deve mais passar ônibus e hoje ta cheio de "nóia" na rua. Você poderia me acompanhar até em casa? Fica a uns vinte minutos daqui e eu não quero ir embora sozinha!

- Tu acha qui eu sô o quê moça! Tu primero me trata feito traste, e dispois qué qui eu lhe dê guarita? Em minha opinião tu é muito da mimada vice... Como se as coisa rodasse tudo em tua volta! – Argumentou Adalvino, enquanto aquele desconhecido senhor observava aqueles dois jovens, como se fosse um casal de namorados brigando:

- Me desculpa. O problema não é com você e sim com aqueles traficantezinhos de merda, com quem você anda.

- Eu num sô bandido não moça! Eu já mais lhe machucaria. Eu num faço parte do bando destes peste, trabalho sozinho moça. – Retrucava Adalvino Batina, enquanto aquele desconhecido senhor observava aqueles dois discutindo, cujo assunto da conversa, parecia ser muito suspeito para ser discutido na frente de um estranho, que nada dizia; apenas ouvia e observa, com olhar de estranheza e reprovação.

De repente, aparecia por ali, uma moto que para na guia próxima ao ponto de ônibus que estava Samira e um senhor sentados. Adalvino estava em pé ao lado de Samira. Aquela menina integrante da gangue, é que desce da garupa da moto e dirige-se para Adalvino Batina, avisando de forma estupefata:

- A Rota tá dando geral em todo mundo, lá na outra rua! Sujou geral ladrão! Tá com a "parada" em cima mano?!

- Pior qui eu tô mulé! Tô cum doze papelotes no meu bolso.

- Então vaza daqui mano! Não vacila não "caboclo", que o bicho tá pegando!

- Tu sabe dondi tá "Pituca?"

- E eu lá quero saber de "Pituca" "caboclo!" Salve-se quem puder morô! – Respondeu a menina, subindo rapidamente na garupa da moto, cujo piloto acelera a mesma saindo rapidamente dali. Apareceu um camburão da polícia, com o giroflex ligado. Adalvino pega na mão de Samira, levantando-a repentinamente. E depois passa seu braço sobre o pescoço da moça e sai andando abraçado com a mesma, como se fosse seu namorado. Aquele estranho assistia a cena atenciosamente, mais nada a compreender. Tirando os olhos daquele suposto casal, o desconhecido acendeu um cigarro. Puxou uma tragada e tornou a olhar apressadamente para as horas no relógio. E o desconhecido bufafa impacientemente, como se estivesse esperando alguém. Adalvino estava andando na calçada abraçado com Samira Tallaf, e a moça ainda não estava compreendendo o comportamento de Adalvino e perguntou surpresa, enquanto atrás deles, vinha um camburão da polícia militar:

- O que você está fazendo? – Indagou Samira, surpresa com a atitude inesperada do rapaz.

- Dispois eu lhe ixplico vice... Continue assim, do jeito qui tu tá.

De repente, o camburão parou. De dentro dele, o policial acende uma lanterna e mira no rosto de Samira, que estava abraçada com Adalvino, que estava à sua direita, enquanto ela estava de frente com o policial que estava com a lanterna. Adalvino e Samira continuaram a andar normalmente, enquanto o camburão seguia em marcha lenta o jovem casal:

- Tá tudo bem aí moça? – Indagou o policial de dentro do camburão iluminando com o farolete da lanterna, o rosto de Samira.

- Sim senhor... – Respondeu ela, com um tom de nervosismo na voz.

- Tem certeza? – Insistiu o policial.

- Tenho sim policial... Por quê?

- Tá indo pra onde?

- Pra minha casa.

- Sua casa fica aonde?

- Cásper Líbero 1221.

- Quem é o elemento que ta aí com você

- É meu namorado. – Mentiu.

- Seus pais sabem que você ta com ele?

- Sabem.

- Toma cuidado aí, hein menina! Não fica andando a essas horas na rua não. Tem muita droga, puta e vagabundo na rua. Fica esperta! – Avisou o policial, cujo rosto não dava para se ver, por causa do farol da lanterna. A viatura engatou a marcha e foi embora. Do rosto de Adalvino, descia lágrimas de suor, após ter passado por aquela situação de stress. Seu coração batia aceleradamente e havia um leve tremor nas mãos e nas pernas. Ele suspira aliviado, enquanto Samira desvencilha-se dele:

- Já salvei tua pele. O que você tem pra me dizer agora?

- Obrigado. – Agradeceu Adalvino, com um tom meio nervoso na voz. Depois beija de repente Samira na boca. Samira é pega de surpresa, mas acaba até gostando da situação, colando seu corpo junto a Adalvino e beijando-o também. Mas depois ela para. Encara Adalvino olhando – nos olhos. Tenta dizer algo, mas não consegue e torna a beijá-lo novamente. Muitos minutos depois, Adalvino já estava na casa de Samira. E a cena que se vê é Adalvino no quarto de Samira Tallaf, sem camiseta e sem seu chapéu, e estava beijando calorosamente Samira Tallaf, desabotoando o seu sutiã. Ela para de beijá-lo, desvencilhando de repente do rapaz:

- Pera aí... Estamos indo rápido demais. Eu vou botar uma musica pra gente ouvir. Não sai daí não, eu já volto ta...

- Num tem pirigo di teu pai, pegá a gente aqui não?

- Meu pai foi ameaçado de morte, pelos traficantes do bairro. Achou mais seguro, passar uma temporada eu outra cidade. – Respondeu Samira, procurando na coleção de CDs, um para por pra tocar no rádio que ficava em um pequeno corredor, de frente a uma porta de um banheiro. Um minuto depois, ela aparece no quarto já estando nua por completa. Adalvino estava deitado na cama dela, usando como roupa do corpo, apenas uma calça. Seu coração palpitava e voz, calara na garganta. Parecia que estava num sonho, mas não queria acordar. Posando para Adalvino, ela solta os longos cabelos que estavam amarrados e caminha vagarosamente em direção ao rapaz, deitado na cama. Ela senta por cima do mesmo e começa a beijá-lo. Adalvino acariciava com suas mãos ásperas, a delicada pele das costas de Samira Tallaf, que tinha a pele aveludada e macia em tom bem claro. Enquanto Adalvino tinha a pele magra e desnutrida. Suas mãos cheias de calos, e os braços finos e magérrimos, cujo às mãos alisava o corpo da moça. Envolveram-se calorosamente na cama e Adalvino muda depois de posição, ficando por cima da moça. Um tempo depois, o que se via eram os dois em uma fervorosa cena de sexo. E em uma mistura de amor e ódio, tiveram a primeira relação sexual juntos. Era meia noite e dez. Tudo que se escutava nas ruas, era o estampido dos foguetes e dos fogos de artifícios, anunciando a chegada do ano de 1996.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

O sonho é o antônimo do possível.

A realidade burocrática, que despreza a

Capacidade tão visível...

E nesta selva de concreto; em uma alcatéia

De lobos... Quem será o cordeiro invisível?


CAPITULO VII...

SÃO PAULO, MARÇO DE 1996...


Em um ferro velho de desmanche de peças de carros, estava Adalvino Batina traficando drogas de "Carcará" e as de sociedade sua com Wagner Varela (Pituca). Estava ele encostado em um poste, em uma rua próxima ao mesmo. De minuto em minuto, alguns carros paravam, alguém de dentro dele chamava para dirigir-se até o carro. A pessoa pedia certas quantidades de cocaína, ou crack e Adalvino ia buscar. Demorava alguns segundos depois voltava. Entregava a droga para a pessoa e a pessoa lhe entregava o dinheiro, indo embora rapidamente. Foi assim com uma bicicleta e depois com uma moto importada:

- Tu vai querê o quê cabra?

- Eu quero cem conto da "branca". Daquela que você me vendeu aquele dia, ta ligado?

- Hi rapaiz... Daquela acabou! Mais eu tenho "pedra" da boa moço.

- Então me vê duzentos reais da "rocha" amigo. – Respondeu aquele motoqueiro mal encarado.

- Pare mais ali na frente moço. – Pediu Adalvino indo em direção ao ferro velho, para buscar a droga. O motoqueiro deu partida na moto e guiou o veículo para pequenos metros de distância dali. Minutos depois, voltou com a droga do rapaz nas mãos. Entregou para o rapaz, e o rapaz lhe entregou quatro notas de cinqüenta reais. O homem da moto importada foi embora.

Adalvino passava o dia todo passava o dia inteiro vendendo cocaína e crack, em um novo ponto. A noite trocava de turno com outro intermediário, da gangue de traficantes. Pouco vendia as drogas da gangue e sim, as suas de sociedade com "Pituca".

Mas o jovem retirante, estava revoltado por estar involuntariamente no mundo do crime. A qualquer momento poderia estar arriscado a ser pego pela polícia, e não valeria à pena correr esse risco sozinho. Todavia, aceitou a sociedade com "Pituca", pois tão logo vendesse as drogas, mais dinheiro teria para mandar para a mãe e os irmãos na Paraíba.

Sem se dar conta disso, Adalvino estava a cada dia mais enrolado. Em uma "selva de pedra", era a principal caça do cardápio de uma cadeia alimentar. Em uma alcatéia de lobos, seria mais um cordeiro inocente a ser devorado. E no que chamamos de jogo dos ratos, ele seria mais um camundongo de laboratório, a ser estrucidado por ferozes e cruéis ratazanas científicas.

A vida deste jovem paraibano, nunca foi um mar de rosas. Em seu histórico familiar, teve quase sua família inteira massacrada vitimada por uma chacina, onde até pessoas idosas e crianças foram mortas a tiros. Em meio aquela guerra sertaneja, a família Batina quase foi extinta perdendo suas terras e quase tudo que possuía. Tudo isso, em meados de 1929.

Alguns sobreviventes, (Adermízio Batina, tio do avô de Adalvino) entra para o bando dos cangaceiros. Acabou morrendo na guerra e em curto espaço de tempo, nasce o primeiro filho de seu sobrinho (Adalnízio Batina), filho de Uderlino Batina.

Por volta das 14h00min da tarde, estava Adalvino andando em uma calçada. Encontrou Samira Tallaf andando na mesma calçada. Ela sorri meu sem graça, e abaixando os olhos. Quando Adalvino pensa em dizer alguma coisa, é interrompido pela menina integrante da gangue de "Carcará" Que estava com a bainha de Adalvino na cintura e fumava em um cachimbo artesanal, pedras de crack:

- Aí "Paraíba!" O "Carcará" ta querendo levá uma idéia contigo. Falou pra você encontrar ele, lá no bar do Zagalo.

- Tem qui sê agora?

- É maluco... Agora!

- E dondi tá esse homi? – Indagou Adalvino sem paciência.

- Já disse! Lá no bar do Zagalo!

Adalvino seguiu junto com aquela traficante mirim, até o bar do Zagalo. Seguiu para os fundos, onde ficava o balcão e a mesa de bilhar. Lá chegando, "Carcará estava jogando bilhar, com os outros membros da gangue:

- Tá de patifaria comigo, né "Paraíba!" tô sabendo que você anda vendendo "pedra" e "pó" de outra área sem o meu consentimento. – Afirmou o traficante batendo depois, com o taco de bilhar na bola.

- Dondi qui tu tirôu isso homi?

- Tá me achando com cara de otário rapá! Me passaram a fita, que você e o "Di menor", ta sim atravessando minha área, ladrão!

- Quem lhe disse uma coisa destas, com certeza tá mintindo!

- Não é o que diz a Donáh...

- Você ta vendendo "pedra de outra área sim, que eu vi! Num mente não que é pior "Paraíba!"

Neste exato momento, Adalvino cisca pra cima da garota, mas é impedido pelos outros integrantes, sendo que um deles saca uma pistola e aponta para a cara de Adalvino:

- Qué morrer filho da puta?! Num te mete a engraçado aqui não seu arrombado!

- É mintira desta galega! – Gritou Adalvino, enquanto um integrante da gangue lhe apontava uma pistola pra cara e dois o segurava pelos braços.

- Donáh num mente "Paraíba"... Num tô te acusando de nada por enquanto. Mais te cagüetaram... E se isso for verdade é bom começar a rezar "Paraíba!" E o "Di menor", tem visto ele? Se não viu, pode crê que não vai vê mais. O prazo dele acabou! Tem um servicinho pra você fazer pra mim "Paraíba". Quero que você vai lá no "Buraco Quente". Você vai procurar o João "Sem braço". Diga que você tá lá a mando meu. Ele vai te entregar uma "parada", que ele deve pra mim.

- Mais eu nem sei quem é o moço, muito menos dondi ele mora.

- Relaxa... A molecada te ensina.

Os dois integrantes soltam Adalvino, e o terceiro abaixa a pistola que estava apontando para a cara de Adalvino. Os traficantes ensinaram aonde Adalvino teria que ir, e ele saiu em direção ao desconhecido. Encontrou "Pituca" andando na mesma calçada e logo já foi dar-lhe o recado:

- Deus do céu! – Exclamou Adalvino. – Ainda bem qui eu te achei homi di deus! O "Carcará" disse qui teu prazo já acabôu, e botôu tudo os peste atráis di tu.

- Meu prazo terminou e eu não descolei a grana do cara. Você vai aonde?

- Vô atráis di um tal di João "Sem Braço". O "Carcará" me mandôu ir inté lá, pra modi di pegá uma mercaduria, qui o cabra deve pra ele.

Neste mesmo instante, "Pituca" fez uma cara de preocupação e percebeu que tudo aquilo, não passava de uma armadilha:

- Não vai não cara! Isso ta me cheirando a arapuca, ta ligado... Querem que você vai até lá, pra você se perder e os mano te "apagá" lá na "quebrada".

- O quê qui a gente há di se fazê agora?

- Num sei. Só sei que a gente tá fudido malandro. A gente é dois cordeiros assustados, fugindo de um lobo ganancioso e faminto. Nesta selva de concreto, a gente é o banquete principal do cardápio morô... – Refletiu "Pituca".

- Qui cabra covarde! Se ele é homi memo, por modi di quê acarece di moço pra modi di pegá a gente? Lá em minha terra, num tem estas coisa di marica não. Se cabra qué mandá o outro pra casa do coisa ruim, ele memo qui se incarrega di fazê o sirviço, num sabe...

"Pituca" bateu o palito na caixa de fósforos e acendeu um cigarro. Encerrando a conversa, ele acrescentou:

- Você não ta na tua terra malandro... Aqui as coisas funcionam diferente. Aqui é um lugar, onde o filho chora e a mãe num vê morô... – Refletiu "Pituca".

Os dois saíram para pensarem no que iriam fazer. Em um oceano sem águas, os dois seriam como dois corpos ensangüentados, pronto para serem devorados por um cardume de ferozes tubarões.

Toda a gangue de "Carcará" estava à procura de Wagner Varela (Pituca), com a finalidade de exterminá-lo. Por pouco, Adalvino não caiu na armadilha de "Carcará", se não fosse pela ajuda do amigo ex- menino de rua. Queriam executar "Pituca", por ele não ter pagado a divida com os traficantes, e pelo mesmo motivo que queriam matar Adalvino Batina, que era o fato dos dois estarem vendendo drogas de outros fornecedores, roubando a clientela do traficante.

Enquanto a quadrilha de traficantes estava atrás de "Pituca", Luana estava em seu apartamento, preparando-se para sair para fazer os seus programas. Mirava-se no espelho da penteadeira do seu quarto e pensava em Adalvino. O fato é que a jovem garota de programa acabou apaixonando-se pelo jovem retirante. Porém, sabia que não teria expectativas em relação ao rapaz. Segundo ela, Adalvino por mais que parecesse ser santo, ainda assim era homem, que sempre iria vê-la como uma vadia. Mesmo assim, sonhava acordada diante do espelho pensando em Adalvino. Em seu pensamento, vinha a imagem de Adalvino Batina em seu quarto. Estava descamisado e sem o seu chapéu na cabeça. Ele a abraçava e a beijava, enquanto a bela prostituta se deliciava com as caricias do rapaz:

- Vem "Paraíba", vem... – Sussurrava ela.

- Num me provoque mulé! – Dizia Adalvino agarrando a jovem vadia por trás.

Voltando em si, Luana sorriu e balançou levemente a cabeça negativamente, e seus olhos brilhavam ao pensar no jovem imigrante. Dirigiu-se para o banheiro. Abriu o armário da pia e tirou de dentro dele uma seringa e uma borracha sintética. Fez todo o ritual que tinha que se fazer, e minutos depois se sentou em um banquinho de frente ao espelho da penteadeira injetou a agulha, na veia do braço. Segundos depois, o efeito da droga no cérebro já havia subido. Ouviu o barulho da porta da sala abrindo:

- "Pituca" é você que tai? – Perguntou Luana lá do quarto. – Adalvino? Quem tai?

Ela se dirige até a sala e lá chegando, se depara com "Carcará" e sua gangue, procurando por "Pituca":

- O que você quer? – Perguntou Luana, com um tom atravessado na voz e com expressão séria no rosto.

- Cadê o "Pituca", aquele patife?

- Não sei de "Pituca!" – Retrucou Luana.

"Carcará" desferiu uma bofetada no rosto da moça, e indaga novamente aumentando a tonalidade de voz:

- É claro que você sabe sua vagabunda! Cadê ele?!

- Covarde filho da puta!

Novamente, Luana leva outra bofetada do traficante, enquanto os outros vasculhavam o apartamento atrás de "Pituca".

- Vou perguntar mais uma vez... Cadê ele? Num me enrola sua puta, você sabe muito bem onde ele está!

- Eu não sei... – Respondeu Luana chorando e com sangue na boca, devido às bofetadas que estava levando. "Carcará" da outra bofetada em Luana, desta vez com mais força. Ela se defende cuspindo na cara do traficante:

- Seu puto, canalha!! – Vociferou Luana.

"Carcará" passa a mão no rosto e limpa com raiva a parte que a prostituta cuspiu. Gruda a mão nos cabelos da menina e puxa-o com força:

- Ta bem... Você que quis assim! Não quis dizer onde está o seu amigo, agora vai morrer no lugar dele!

- Mesmo se eu soubesse onde ele está já mais diria pra você! Seu desgraçado, nojento! – Retrucou Luana apertando os dentes, que logo depois é lançada com violência ao chão.

- Donáh! Dá um jeito nisso daqui.

A menina aproximou-se de Luana caída no chão. Enquanto dois integrantes da gangue seguravam os braços de Luana, à menina ajoelha-se no chão e tira da cintura o punhal que era de Adalvino:

- Se lembra quando eu te disse, que se você não fosse minha, não seria de mais ninguém?

- Não faz isso, pelo amor de deus vamos conversar! – Implorou Luana.

A menina montou por cima de Luana e começou a cravar o punhal no corpo da prostituta. Luana berrava desesperadamente. Quando levou ao todo dez punhaladas, a menina beijou a boca de Luana, que estava agonizando no chão. Depois murmurou:

- Dê um abraço no diabo, quando você chegar no inferno meu amor! – Ergueu-se do chão, enquanto o restante dos bandidos quebrava tudo que achava pela frente.

- Já ta bom rapaziada! Vamos embora. Quando o "Di menor" chegar, terá uma surpresa!

E a quadrilha de traficantes deixa o apartamento deixando para trás, rastros de sangue e destruição. Luana estava agonizando, e respirava com bastante dificuldade, pois o seu pulmão esquerdo estava totalmente defasado. Estava perdendo muito sangue e já estava quase morta. Ainda assim, rastejava-se no chão em direção do telefone para tentar pedir ajuda. Minutos se passaram e a jovem moça já estava parecendo uma boneca de cera. Seu rosto estava pálido e já estava praticamente esgotada, devido à perda de sangue. O coração ainda batia lentamente, e aos poucos seu oxigênio ia diminuindo, mas por milagre ainda estava viva.

"Pituca" e Adalvino, nem imaginavam o que havia acontecido. Abriram a porta da sala do apartamento e quando acenderam a luz, viram aquela enorme destruição. O chão estava manchado de sangue, tudo que havia no apartamento estava destruído, e Luana estava deitada no chão com a roupa encharcada de sangue e praticamente já não estava mais respirando:

- Meu deus do céu! O quê qui fizeram aqui, criatura di deus?... – Perguntou Adalvino, com um tom mais que assustado na voz. "Pituca" imediatamente corre em direção a Luana. Ajoelha-se ao lado dela e começa a dar tapas de leve no rosto dela, na tentativa de reanimá-la:

- Luana!, Fala comigo mina, pelo amor de deus! Chama uma ambulância porra! Gritava "Pituca" desesperado e com uma voz de choro. Apesar de estar bastante enfraquecida e cansada, Luana ainda tentava dizer algo antes de morrer, fazendo um esforço para falar.

- Adal... vino. Vocês... Tem que fugir daqui. – Luana engasga. – Ele... vai matar vocês.

- Ele quem mulé? Num pare di falá não, pelo amor di deus...

- Ele vai... ma... tá. – Luana regurgita sangue pela boca. Ela cerra os olhos e o coração parou de bater, morrendo nos braços de "Pituca". Mas "Pituca", tomado pelo desespero, ainda acreditava que poderia salvar aquela companheira de rua, que praticamente o criou, enquanto Adalvino já estava conformado sabendo que nada mais poderia fazer para salvar a amiga, que conhecia há tão pouco tempo. Chegaram tarde demais e Luana já estava praticamente esgotada. Levá-la ao hospital Seria uma perda de tempo, pois morreria até antes de chegar à ambulância.

- Adalvino, pelo amôr de deus chama uma ambulância cara! – Gritava "Pituca".

Adalvino nada dizia. Derramava lágrimas de um olho só e "Pituca" abraçou o corpo de Luana e berrava aos choros esmurrando inconformado o chão:

- Ela cuidava de mim, como se fosse minha mãe Adalvino... – Lamentava "Pituca", aos prantos.

- Num se avexe não. Ele é covarde! Acarece di um monte di moço, pra modi di machucá uma pessôa Qui nunca feiz mau pra ninguém. Minha vontade era pegá e disbarrigá este cabra inteirinho! – Desabafou Adalvino revoltado.

- Eu também sô da mesma opinião. – Murmurou "Pituca". – Quer saber... Eu num vô pagar essa grana pra ele, porra nenhuma! Vou dar a ele, o que ele merece morô...

- E o quê qui a gente há di se fazê agora?

- Ir embora daqui.

- E quanto a Luana?

- Deixa ela aí. A gente num pode fazer mais nada por ela mesmo. É inútil avisar a família dela, pois não tinha. Era sòzinha nessa merda, só tinha eu mesmo.

- Pra dondi a gente vai?

- Não sei. Só sei que aqui a gente num pode ficá. É arriscado demais. Logo vai abaixar a polícia aqui, e pode ter certeza que vai cair nas costas da gente. Preciso esperar essa poeira abaixar e pedir ajuda do meu padrinho.

"Pituca" ergueu-se do chão e dirigiu-se para o quarto de Luana. Lá chegando, tirou do guarda roupas uma mochila. Abriu uma gaveta de um criado, que tinha ao lado da cama. Tirou de dentro da gaveta um revólver enrolado em uma flanela. Depois pegou a caixa de munição e Minutos depois, o que se via era o rapaz sentado na cama e municiando a arma. Entre muitas jóias e notas de reais e notas de dólares, "Pituca" jogou tudo para dentro da mochila. Enfiou o revólver na cintura e Seguiu para a sala do apartamento, onde estava Adalvino e o corpo de Luana.

Os dois deixaram o apartamento, seguindo para aquela velha construção daquele prédio abandonado. Desceram às escadas e Dirigiram-se para o local, onde iria funcionar a garagem do prédio.

Cada um sentou-se em um canto. "Pituca" tirou de dentro da mochila uma garrafa de aguardente de cana. Chorava aos soluços e dava largos goles no bico da garrafa.

Adalvino estava em um canto isolado e de sua bôca, não se ouvia nenhuma palavra. Estava sim, dolorido pela morte da amiga que conhecia há tão pouco tempo, mas com uma maneira diferenciada de demonstrar seus sentimentos. Era como se tivesse em um enorme pântano selvagem, cercado por crocodilos.

O que marcava muito na vida do jovem retirante, é que Luana havia sido a primeira mulher de sua vida. Porém, o que estava feito estava feito, Luana estava morta e a única coisa que podia se fazer, era se embriagar; uma maneira de anestesiar a dor.

No dia seguinte, a polícia já estava no apartamento de Luana. Cobriram o corpo da moça com uma lona preta e o delegado Claudio Bezzerra ia interrogando os vizinhos, atrás do autor daquele bárbaro homicídio, enquanto fotógrafos jornalísticos tiravam fotos do local:

- Afasta todo mundo! Afasta todo mundo! – Ordenava o delegado, para afastar os curiosos. – Façam filas que eu vou interrogar todo mundo! A senhora primeiro. – A mulher deu um passo à frente do delegado:

- Qual é o seu nome?

- Djanira Batista Penteado. – Respondeu a mulher.

- Conhecia a vítima?

- Só de vista policial.

- Sabe me dizer se a vítima morava com alguém?

- Olha moço... Tinha um menino que morava aí com ela... Era irmão dela, uma coisa assim. E de uns tempos pra cá, apareceu um moço que tava aí morando com ela também.

- Há é... E como é esse moço?

- Ele é bem alto, até muito bonito...

- Hum... E daí?

- É muito esquisito também, e usava um chapéu na cabeça.

- O nome dele a senhora sabe me dizer?

- Não sei policial, só os conhecia de vista.

- E esse rapaz era negro?..., Era branco?...

- Negro num era não, mas era bem moreno.

- E como eram os cabelos?

- Eram cumpridos até a altura do pescoço.

- A cor?

- Preto, bem preto.

- Dona Djanira. A senhora notou algum movimento estranho ontem à noite? Ouviu algum barulho, viu alguém entrando no apartamento da vitima?

- Olha policial... Eu sempre via um pessoal muito esquisito que freqüentava a casa dela, mais ontem eu não tava em casa.

- A senhora seria capaz de reconhecer os dois indivíduos que morava aí com ela?

- Sim senhor. Mais eu tenho medo de depois um deles querer se vingar de mim, eu moro sozinha seu policial.

- Pode ficar tranqüila senhora. Daremos a segurança que for necessária, a senhora não precisa se preocupar. É só isso dona Djanira, a senhora pode ir. Encontraram o Tallaf? – Perguntou o delegado, ao policial ao lado.

- Aquele "Ganso" safado viajou doutor. Agora a pouco, o Leocidez falou com a filha dele. Disse que não deixou nem endereço.

- Que porra hein... Era o "ganso mais confiável, que nós tínhamos; afinal ele Adora bancar o detetive. Próximo! – Outra vizinha deu um passo em direção ao delegado e ao outro policial.

A polícia ia interrogando vizinho por vizinho, e a cada depoimento transformava Adalvino Batina e Wagner Varela (Pituca), nos principais suspeitos.

À noite, na velha construção abandonada, "Pituca" e Adalvino, ainda estavam no último subsolo do prédio. Os dois estavam bastante abatidos, quase não havia dormido nada naquela trágica noite.

Adalvino acendia um cigarro atrás do outro e às vezes levantava-se do chão andando desnorteado de um lado para o outro. "Pituca" preparava no cachimbo artesanal resquícios de cocaína, droga popularmente conhecida por "crack". Depois acendia o isqueiro no cachimbo e ia tragando a fumaça da droga. Depois passava o cachimbo para Adalvino Batina, que fazia o mesmo. Depois Adalvino virava no gargalo a pinga dentro da garrafa. Ouvia em seu pensamento, a voz daquele velho insano dizendo aquela frase: - "É garoto... Aquele que melhor sabe interpretar um cordeiro é sempre um vencedor em uma alcatéia de lobos"... E Por estar muito abalado, ou talvez por ter bebido demais, Adalvino viu a alma de Luana que perambulava por ali. Repentinamente, Adalvino levanta assustado do chão e tenta dizer algo, mas a voz calara-se na garganta. Observava Luana rindo, olhando para ele, e depois sinalizava para ele fazer silêncio. E cantava uma cantiga de ninar:

- "Dorme, dorme, dorme... Durma eternamente,

Como um anjo, um bom menino de um sonho tão inocente...

Dorme, dorme, dorme... Durma meu anjo além, não tenha medo,

Não tenha medo, só tô aqui pra te fazer o bem "...

- Luana! Num vá se imbora por favôr... – Implorou Adalvino, enquanto "Pituca" ia tragando a fumaça no cachimbo, e nem estava prestando atenção no rapaz. Em um gesto de carinho, Luana mandava-lhe um beijo. Tornava a cantar aquela cantiga de ninar e sua imagem aos poucos ia desaparecendo e a voz daquela cantoria, ia sumindo como se fossem ecos.

- Num vá se imbora... Fique pelo amôr di deus! – Balbuciou Adalvino, caindo em lágrimas.

Adalvino sentou-se novamente no chão da garagem abandonada. Pegou o cachimbo das mãos de "Pituca" e acendeu o isqueiro no mesmo, dando uma considerável tragada. Às horas se passavam e os dois rapazes já estavam completamente paranóicos, cujos olhos estavam bastante arregalados. Nas pálpebras dos dois havia olheiras e um semblante abatido. Porém, não imaginavam o perigo que ainda estava por vir. Os dois haviam sido dedurados para a quadrilha de traficantes, onde o então líder "Carcará", já tinha mais ou menos alguma noção de onde os dos dois rapazes estavam escondidos.

Os dois rapazes estavam sentados no chão. Não imaginavam que "Carcará" estava cada vez mais próximo. A gangue se dividiu em quatro pessoas para cada lado. Uns procuravam nos andares de cima, e "Carcará" e mais um rapaz, Iria procurar na parte baixa do prédio, começando pela garagem abandonada.

Adalvino e "Pituca" fumavam pedras de crack, no cachimbo artesanal. Por causa do efeito da droga, estavam paranóicos em fumar toda a droga do cachimbo, fazendo – os nem perceber o perigo que estava rodeando pelas redondezas. "Carcará" olha de repente, uma pequena chama que se acende e em segundos se apaga. Ele dar um sinal para o integrante da gangue lhe acompanhar até onde estavam os dois rapazes. Ele tira a pistola prateada, que refletia naquela garagem escura.

Em uma selva de pedra, os predadores sempre sentem o cheiro de suas presas; em uma alcatéia de lobos, Adalvino e "Pituca" seriam como duas galinhas apavoradas, presas dentro de um galinheiro, sem nenhuma e possível chance de fuga. O "carcará" no caso seria o lobo cruel e faminto; o lobo mal das estórias infantis. Estava pronto para devorar os dois porquinhos, pois o terceiro já havia sido estrucidado pelos lobos silvestres.

- "Pituca". Está ouvindo? – Cochichou Adalvino paranóico.

- O que foi? – Indagou "Pituca", virando rapidamente a cabeça para Adalvino, com os olhos saltados, e com o cachimbo de fumar crack em uma das mãos.

- Tem gente aqui!. – Murmurou Adalvino, erguendo-se vagarosamente, controlando os passos. "Pituca" não compreendia a situação, mas seguiu os passos do amigo. Adalvino caminhou lentamente alguns centímetros de distância. Viu o brilho da arma, nas mãos de "Carcará", através de uma pequena fachada de luz, que vinha de um poste de uma rua, chegando a refletir aquela pequena fachada de luz em uma poça de água; que para os mais espertos, servia-lhe como um espelho, dando para se observar cada passo do inimigo.

Nada disse para "Pituca". Apenas sinalizou para ele fazer silêncio. Apanhou uma barra de ferro, que estava encostada em uma pilastra. E através do reflexo da poça de água, caminhou em direção a "Carcará" pisando macio, segurando a barra de ferro nas mãos, enquanto "Carcará" acompanhado do outro integrante, da quadrilha engatilhava a pistola. Ouviu o barulho de alguém pisando em uma poça de água, e quando se virou, Adalvino lança com muita rapidez, a barra de ferro na cara de "Carcará". A pistola, neste exato momento dispara, atingindo o integrante da quadrilha. A bala atinge nas proximidades do fígado do rapaz. O rapaz botou sua mão direito sobre o buraco do tiro, onde esguichava o sangue. Caiu de costas no chão, onde passou a agonizar com uma dor insuportável. A única coisa que podia se fazer era berrar e agüentar aquela dor até o coração parar de bater.

Adalvino batia seguidas vezes com a barra de ferro em "Carcará" e dizia desabafando a sua raiva, com um tom vingativo e justiceiro na voz; na lei da selva de pedra, seria um cordeiro matando um lobo na raiva:

- Morra "disgranhêra" dos inferno!! Qui homi qui tu é agora, seu filho di pai sem mãe?!...

Adalvino ia descontando todo o ódio, de sua miserável e difícil vida, em cima de "Carcará". Enquanto o outro integrante da gangue, aos poucos ia parando de gritar, e estava deitado no chão, perdendo sangue. De repente, Adalvino parou de bater em "Carcará", que já não apresentava mais, nenhum sinal de vida. Adalvino tirou a pistola da mão de "Carcará", que ainda estava respirando, porém com o crânio e o rosto macetados. Enfiou a pistola na cintura. "Pituca" aproximou-se de "Carcará", caído no chão, e disparou seis tiros contra o mesmo, descarregando, portanto a arma. Ele e Adalvino andam alguns centímetros pra frente e "Pituca" se depara com o outro integrante da gangue, caído no chão virado de bruços. "Pituca" empurra com o pé o corpo do rapaz, fazendo-o virar de barriga pra cima. Atestando que o rapaz já estava morto, "Pituca" resolve atirar mesmo assim. E disparou, com a pistola de "Carcará", que estava com Adalvino. Os outros integrantes da gangue desciam rapidamente as escadas, indo em direção a garagem, para verificar o que estava acontecendo, enquanto Adalvino e "Pituca", rapidamente evadiam-se do local.


 

Agora Adalvino e "Pituca" estavam marcados para morrer. Mais dia, menos dia iam se deparar com a gangue, e seriam cruelmente estrucidado. O lema agora era matar para não ser morto; alimentar-se para também não virar nenhum alimento, pois a guerra já estava declarada. E seriam cobrados pelos traficantes, pela morte do líder e do outro integrante da quadrilha.

Adalvino agora terá que tomar muito cuidado, em qual moita colocará a mão. Caso o contrário, poderá ser ferroado pelo mais inescrupuloso inseto; tendo o seu corpo inteiro ardendo de febre, levando o jovem imigrante a morte!

Alguns dias depois que tudo que se passou, ainda estava nas manchetes dos principais jornais do país. Em um dos jornais, tinha o seguinte titulo: "A policia civil, instaurou inquérito para investigar a morte da garota de programa assassinada na região da Luz (centro)" E o outro dizia: "Guerra na "Cracolândia!"Traficantes são mortos a tiros, por membros de gangues rivais".


Enquanto isso, na casa de Javier González, o patrão mexicano estava na sala de seu palácio, sentado em uma cadeira de uma mesa que ali existia. Estava jogando xadrez com o delegado Claudio Bezerra. O tabuleiro e as peças eram uma magnífica obra de arte talhada na pedra, e enfeitada a ouro, cujas peças imitavam o formato da antiga e lendária civilização asteca.

O delegado acendeu um charuto. Tragou, soltou à fumaça, e virou os olhos para o patrão mexicano, trazendo-lhe uma importante notícia:

- Tenho novidades Doutor Javier! – Afirmou o delegado empolgado, enquanto Javier mexia uma peça do tabuleiro. – Peguei um dos homens que estávamos procurando. Pretendia se mudar para Taboão da serra, e lá montar uma quadrilha de traficantes. O pegamos com a boca na botija, em uma "zona" lá em Bom Retiro. Tava dando uma de magnata; queria até comprar o puteiro com todas as putas dentro, acredita... Só que eu interroguei sobre a maleta, com os dólares dentro e até debaixo de cacete, ele negou que a maleta estivesse com ele!

- "Lástima!" – Exclamou Javier González, falando em castelhano. – "Se ele não estiver mesmo, com essa maleta, temos que dar um jeito de encontrá-la, e rápido! Aquele disquete pode ir parar nas mãos dos "federais". Mas, não faça nada por enquanto... Encontre o outro rapaz e descubra o que aqueles dois sabem. Ele disse por acaso, onde é que está o outro?"

- Não precisou ele me dizer. Eu descobri. É suspeito do assassinato de uma puta, e de uns traficantes ali da área, sendo que um deles estava de condicional. Pelo o que me relataram, parece que o "Paraíba" deu agora de "brincar" de ser traficante. Assim que eu botar as mãos nesse desgraçado, eu descobrirei onde está a maleta com o disquete, e o que ele e o outro rapaz sabem a respeito.

- "Yo tienes que encontrar ese rapaz, y rápido! Ele pode estar com a maleta do disquete, e tem informações muito comprometedoras. Se por acaso for parar nas mãos dos "Federais", teremos muitas dores de cabeça". – Alertou Javier González falando em castelhano e movendo uma peça do tabuleiro".

- No serás mucho simples pegar el "Paraíba" no doctor Javier... Já matou La moça y dos traficantes del "boca quente"... "Vai lá saber, quanto mais ele matou!"

- Pero es claro que es simples. "O que ele fêz, fue matar una pucha de bêra de botico y uno traficante que sí lideraba un Baño de merditas! Elle y toda la jorja Terán del tomar muí lechito del mamá, para cejar a min – Disse González com ar de superioridade e batendo no peito.

- O senhor tem razão. Tanto é, que o cúmplice dele até outro dia, vivia lá na Praça João Mendes, baforando cola de sapateiro, e batendo carteira... São três "laranjas podres, dentro do mesmo saco. Um, eu consegui pegar. Só faltam dois".

- "E xeque mate! Não é delegado?" – Disse o patrão mexicano, finalizando o jogo.

- Si doctor Javier. Xeque mate.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Lugar, onde pedra é ouro,

Nenhum valente se mete a

Touro. O pó seria a prata,

Ninguém se atreveria a

Invadir o território dos

"Lobocratas"; ou dos

Cachorros loucos...

CAPITULO VIII


 

Enquanto isso, naquele ferro velho estavam Adalvino e "Pituca" escondidos da polícia e de toda a espécie de bandidos, que estavam atrás deles. Estavam dentro de um galpão que ali existia. Adalvino estava sentado em um caixote de madeira e limpava com uma flanela uma pistola calibre trezentos e oitenta, que pertencia a "Carcará", enquanto "Pituca" municiava aquele revólver calibre trinta e oito, que pertencia à prostituta assassinada (Luana):

- Bando di "lobocratas!" – Murmurou Adalvino, puxando o cano da pistola para trás para engatilha – la. – Olha o qui eu virei... Se mainha imagina um negócio desse, é capaiz inté di morrê di disgosto vice...

- Qual é nosso próximo passo agora? Os "cana" ta atrás da gente... Os malandros pois a nossa cabeça a prêmio... Estamos em maus lençóis cara!

- O qui a gente acarece di fazê, é pará di ficá agindo qui nem marica, ao invéiz di infrentá a cambada e brigá feito homi! Vamo pará cum esta putaria di ficá qui nem gato, a cada dia num telhado! Se eles qué caçá a gente, qui venha! Tem muita bala pra cada dente, num sabe...

- Mas não temos nem armas Adalvino! Como é que a gente vai encarar a polícia e toda a rapaziada do "Carcará", com um trinta e oito e com uma porcaria de uma PT?

- Tu disse uma verdade: ninguém vai pra uma guerra sem arma. Eu tenho uma solução: as jóia di Luana.

- Bem pensado, Adalvino! Ainda temos grana e temos às jóias. Vamos comprar arma, aí a gente parte pro ataque morô? E depois eu procuro apoio de meu padrinho.

- E trate di comprá muita arma vice... – Disse Adalvino, e colocando o carregador na arma, ele acrescentou. – E salve-se quem puder!

Para a vida do jovem sertanejo Adalvino Clementino Virgulino Batina, não lhe restou outro destino: Transformar-se em um mega-traficante de drogas e derrubar seus inimigos e a real concorrência. Agora ele seria um cordeiro interpretando um lobo. E Adalvino e "Pituca, já dispunham de algumas armas para enfrentar os bandidos e a polícia.

O local do qual Adalvino e "Pituca" vendiam drogas, tinha pouca movimentação de polícia. Os dois sabiam os policiais que aceitavam suborno, e de vez enquando, um deles aparecia por ali, para pegar dinheiro dos dois, para que assim os dois rapazes pudessem vender crack e cocaína, com menos riscos de serem presos.

Apesar de estarem ameaçados por tudo quanto é espécie de traficantes; desde os mais fracos, até os mais poderosos. Ainda assim, a cada dia tornavam-se donos da maioria dos pontos de vendas de drogas da região. A droga que os dois obteriam mais lucros era o crack, cujo consumo havia crescido desproporcionalmente na classe média.

Havia um tempo que Adalvino Batina, já não era mais aquele puro e ingênuo garoto do interior. Agora involuntariamente estava na criminalidade, e em hipótese nenhuma poderia ser piedoso com ninguém.

O jovem retirante, já tinha a ambição de comprar uma fazenda na sua terra natal, e iniciar uma criação de bode, junto de seus irmãos e sua "mainha". Mas tanto dinheiro assim, poderia trazer muitas desgraças. Começando por ser caçado pela máfia mexicana; ser literalmente estrucidado por policiais corruptos; e ser facilmente liquidado pelas gangues do bairro.

No bar do velho Zagalo, estava Adalvino nos fundos do bar tomando sua cachaça. Aquela menina integrante da gangue de "Carcará" avista Adalvino. Ela quebra uma garrafa de cerveja e com um pedaço de caco de vidro nas mãos, ela parte furiosamente para cima de Adalvino Batina. Adalvino consegue se defender com o braço esquerdo e com o direito, consegue tirar a sua bainha roubada que estava na cintura da menina, e fazendo isso, rapidamente crava a mesma contra a barriga da menina. Perfurando a barriga da menina com o punhal, ele rasga a barriga da menina, que é violentamente estripada. Em poucos segundos, a menina caiu no chão. Adalvino lambeu a bainha manchada de sangue, e cuspiu de volta no rosto da menina, que estava no chão morrendo esgotada. Neste exato momento, um dos integrantes da gangue levanta-se da cadeira e tenta sacar um revólver, mas Adalvino é mais rápido. Sacou a pistola que estava na cintura, mirou a arma e atirou. A bala acerta a testa do rapaz, que neste exato momento vem a óbito. O velho Zagalo estava assustado, agachado por trás do balcão para se proteger, enquanto os outros fregueses que ali estavam, já havia ido embora quando começou toda a confusão.

Outro integrante da gangue saiu correndo para fora do bar, e Adalvino segue atrás dele. Disparou dois tiros para cima do rapaz, mas o meliante consegue escapar ileso.

Adalvino, logo dar um jeito de fugir daquele local, pois se ouvia de longe o barulho da sirene do carro de polícia se aproximado.

A guerra entre traficantes havia começado. Eles não dariam trégua para Adalvino, muito menos para "Pituca". Já haviam marcado um encontro; apenas os dois, contra o resto da gangue. O encontro seria em um cemitério, que futuramente seria um verdadeiro massacre. E o tal dia chegara. Começou um intenso tiroteio. Um dos membros da gangue de "Carcará", dispunha de uma sub metralhadora, e disparava tiros na direção de Adalvino, que usava como trincheira um túmulo. Adalvino usava duas armas: uma quarenta e quatro e uma nove milímetros. "Pituca" estava com dois trinta e oitos. A cada tiro que o rapaz disparava, Adalvino e "Pituca" revidavam. Adalvino e "Pituca" já haviam derrubado quatro membros da gangue. Agora só restavam dois. Seria uma briga limpa e justa. "Pituca", estava protegido também por um túmulo, mirou na testa do marginal e atirou. O companheiro do bandido, caiu morto no chão. O rapaz que estava com a sub metralhadora nas mãos, gritou de ódio. E chamava por Adalvino e "Pituca":

- "Paraíba", filho da puta! Aparece os dois aí, se for homem, seus bando de merdas! – Gritou o rapaz raivoso.

- Vá pra casa, cabra da peste! – Gritou Adalvino, de cima de um túmulo, escondido atrás de um santo. – Ou tu qué fazê compania pro moço, virando cumida di abutre?

O rapaz procurava para ver, de onde vinha aquela voz ameaçadora e determinada, porém não encontrava. O rapaz gritava e disparava tiros , pra tudo quanto é lado:

- Aparece aí,se alguém for homem! Tá se escondendo por que?... Tá com medo, "paraíba?" – O garoto torna a disparar a sub metralhadora. Depois vem um intervalo, e o rapaz torna a gritar:

- Responda, seus covardes!

Adalvino Batina, bem que avisou... Colocou os dois revólveres na cintura, deu um gole na garrafa de aguardente. De cima do túmulo, observou o rapaz que ficou de costas pra ele. Arrancou a bainha da cintura e pulou em cima do rapaz. Fazendo isso, ela passa à lâmina da peixeira no pescoço do rapaz, e o degolou. O rapaz caiu no chão e o sangue esguichava. Adalvino tirou a arma da mão do rapaz e entregou a "Pituca", que descera de cima do outro túmulo. Lambeu o sangue na bainha, e cuspiu de volta na cara do sujeito. E fez o sinal da cruz: - "Qui deus tenha piedade di sua alma, filho da peste. Qui o diabo já deve di tá lá te esperando!"

Neste exato momento, se ouve o barulho da sirene do carro de polícia:

- Sujou! Os home vem vindo aí, malandragem! – Advertiu "Pituca". E os dois correram até um muro, que dava para outro lado da rua, e pularam.


 

Dias se passaram, e Adalvino ia matando todos os traficantes que faziam parte da gangue de "Carcará". Em um desses dias, dava para se ver Adalvino pulando um muro de uma casa. Entrou na casa, e cuidadosamente entrou medindo os passos, e surpreendeu um dos integrantes da gangue dormindo em um sofá. Adalvino desembainhou o punhal da cintura, e medindo os passos, caminha em direção ao rapaz dormindo no sofá:

- Hei, ô cabra! – Disse Adalvino, acordando o rapaz. O rapaz abriu os olhos. Com uma mão Adalvino tampa a boca do rapaz e com a mão que estava segurando a bainha, ele passa a lâmina no pescoço do rapaz. Rapidamente, ele lambe a lâmina da bainha manchada de sangue, e em seguida faz o sinal da cruz.

Andando em uma calçada por volta das 12h00min estava Adalvino Batina. Um camburão da polícia parou no meio da rua. De dentro dele, desceu o delegado Claudio Bezzerra e mais dois policiais:

- Demorou, mais eu te peguei seu filho da puta! Bota as mãos na cabeça e vire-se bem devagar! – Ordenou o delegado Claudio bezerra apontando o revólver para Adalvino Batina.

- Vai te a merda, moço! – Retrucou Adalvino, apanhando depois uma enorme pedra que estava no chão da calçada e arremessando contra o parabrisas da viatura, que se transforma em pedaços de cacos de vidro.

- Seu flagelado de merda... Pare aí agora mesmo!

Adalvino saiu correndo. O delegado Claudio Bezzerra dispara dois tiros. Não para matá-lo, e sim com a intenção de imobilizá-lo. Adalvino é atingido no ombro, mas mesmo assim, não parava de correr. Os policiais entraram na viatura, e saíram "cantando" pneu para perseguir o jovem retirante. Adalvino invade rapidamente a casa de Samira Tallaf, e logo bate desesperadamente na porta. A moça abre a porta, meio que sem entender o que estava acontecendo:

- Tu tem qui me dexá entrá. A polícia tá toda atráis de mim! Me dexe entrá, por favôr!

- Vai... Logo! – Respondeu Samira, enquanto Adalvino entrava, ela fechava rapidamente a porta.

- Meu deus... O que aconteceu com você? – Indagou Samira impressionada, enquanto escorria bastante sangue do braço esquerdo de Adalvino.

- Eu levei um tiro.

- Então vamos pro hospital!

- Não! Hospital não! Se me levá pra lá eu corro risco di sê preso.

- Mas vai ter que tirar a bala...

- Tu num tá intendendo! Eu num posso ir pro hospital.

Samira franziu a testa e apertou os lábios:

- Tá... Tudo bem. Mais vamos ter que cuidar disso daí né? Senta ali, naquela cadeira. Eu vou até o banheiro pegar água oxigenada, para desinfetar isso daí.

Adalvino sentou-se em uma cadeira de uma mesa, de um lugar que seria a cozinha da casa. Samira voltou trazendo nas mãos, uma cesta de palha. Nela havia algodões, quites para curativos e um frasco de água oxigenada. Ela colocou a cesta em cima da mesa. Abriu o frasco de água oxigenada e umedeceu o algodão com a mesma. Quando ia tocar com o algodão o ferimento de Adalvino, o rapaz a interrompe:

- Espera. – Tirou a bainha da cintura e entregou para Samira. – Tomi. Isquenta ela lá no fogo vice...

Samira botou as mão sobre a cintura, enquanto Adalvino estava com a mão estendida para ela segurando a bainha:

- Vem cá... Você é louco?

- Faça o qui eu lhe pidi!

- Mais vai infeccionar!

- Num se avexe não moça! Já passei por coisa bem pior vice... Vá por mim. Insinamento di dona Genivalda.

Samira pegou então a bainha da mão de Adalvino, em seguida acendeu o fogo do fogão, para esquentar a bainha no fogo. Só tirou do fogo quando a lâmina da faca já estava quase vermelha. Dirigi-se por trás de Adalvino e com a mão trêmula, colocava a ponta do punhal no buraco do tiro, para tentar tirar a bala que estava alojada. Neste exato momento, Adalvino grita de dor e da um leve salto.

- Fica quieto! Se você ficar se mexendo, não da pra eu fazer nada.

- Num é por mal não moça. É qui tá duendo pra cacete num sabe... Ai!!

- É pra doer mesmo! Quem sabe não cria vergonha! O que você fez, pra polícia está atrás de você? Garanto que coisa boa não deve ter sido.

- Ai!! Vai devagar moça!

- Ai... Tirei à bendita! Agora eu vou desinfetar pra fazer o curativo.

Neste exato momento, Samira se sente enjoada e corre em direção ao banheiro para vomitar. Depois de alguns minutos, ela volta para a cozinha:

- Tu num pode vê sangue, é moça?

- Não, num é isso não. Já tem alguns dias que eu estou assim. Comprei destes testes de gravidez, vendido em farmácia. Deu positivo. Eu tenho quase certeza de que eu estou grávida.

- Grávida. E tu já sabe quem qui é o macho?

- Que macho? – Indagou Samira franzindo a testa, e com expressão séria no rosto.

- Ora... O pai di seu filho. Tu já sabe quem qui é o traste?

- O traste é você Adalvino. Desde aquele dia, não transei com nenhum outro homem, o pai só pode ser você.

Adalvino ficou pasmo, como se tivesse visto em sua frente um fantasma. Sentia-se meio desnorteado, e seu coração palpitava no peito, como se fosse saltar pela boca. Dizia palavras confusas e gaguejava ao mesmo tempo:

- Eu sô o pai... Como assim?... Qui istória qui é essa?!

- É. O pai é você.

- Meu cumpadi padi Cícero! Mais essa agora! – Resmungou Adalvino, passando as mãos pelo rosto. E agora?

- E agora??? E agora digo eu! Tô fudida porra! Quê que eu vou dizer pro meu pai quando ele vier me visitar... "Sabe papa... Esse tempo em que o senhor ficou fora eu sai com um cara e agora eu descobri que eu estou esperando um filho dele..., Ou seja, o senhor vai ser avô". Ai... Ele vai me matar! Quê que eu vou fazer agora... Eu só tenho dezesseis anos. Quê que vai ser de mim...

- Num se avexe não. Tu pode ficá assussegada, qui eu num vô te dexá sozinha cum esta cria aí no bucho num sabe... Se fui homi di te imbarrigá, toméim sô homi pra assumi.

- Que assumir! Assumir como? Você é um bandido. Tá sendo caçado que nem bicho pela polícia. Que futuro você pretende dar pra essa criança!

- Um jeito eu hei di dá. Mais sem um pai é qui esta cria num vai ficá, num sabe...

Samira estava desesperada com a situação. De seus olhos escorria-se às lágrimas e para Adalvino, a notícia que iria ser "papai", havia caído como uma bomba.

Nesses dias todos que se passou, Adalvino e "Pituca", já haviam liquidado com quase toda a concorrência. Logisticamente, já estavam bastante abastecidos. Compraram armas como: Uma espingarda calibre trinta e dois de canos cerrados; quatro pistolas ponto quarenta; uma submetralhadora nove milímetros e um revólver calibre quarenta e quatro; fora a pistola trezentos e oitenta, que agora pertencia a Adalvino, e o calibre trinta e oito, que ficou com Wagner Varela (Pituca).

Os integrantes da quadrilha de "Carcará" recuaram. Mas ainda era uma ameaça para Adalvino e "Pituca", que a cada dia estavam cada vez mais poderosos.

Mova uma peça, o jogo da selva de concreto

Que começa. Em uma alcatéia de lobos,

Ganha aquele que melhor cordeiro interpreta,

Só há vencedores neste jogo, aquele que melhor domina

A arte da guerra.

Em um rebanho de ovelhas, aquela que imita o lobo é de

Todas a, mais esperta.

Só há bons resultados em um convento de freiras, aquela que melhor

Dramatiza uma cética...


 

Ruas eram como um mar

Em sangue.

A ferida é ardente e sulfurosa e oxigênio é

Pouco e está em falta. Porém, coragem é um ato

Que desafia às coisas sórdidas...

CAPITULO IX...

SÃO PAULO, ABRIL DE 1998, DOIS ANOS DEPOIS...

- A caminhada desta vida, num tem sido lá dos melhore dia... A gente trabalha e nada vinga, e na incrusilhada entre o bem e o mau, eis qui a vida me castiga! A agunia, agonizante, social deste hospital, é humilhanti! Mais tenho a mulé qui amo, ainda num tô no fundo di poço. Eu me viro, eu me arrumo. Em pontas di faca eu dô murro; mais filho meu qui é cria minha, num há di passá por isso tudo... Memo sendo um Batina, perdido por este grande mundo. Ainda qui seje na ilusão da guerra; ainda qui seje no fundo da vida. Memo qui para isso, ponha em risco à paiz eterna; memo qui eu seje o único da negra lista.

Adalvino até que estava bem animado, após ter sofrido quatro cirurgias. Tentaram matar Adalvino, com seis tiros, mas por pura sorte, o jovem sertanejo sobrevive sem nenhuma seqüela.

Muita coisa havia mudado nesses últimos tempos. Adalvino havia sido ameaçado de morte pela gangue de "Carcará", porém o jovem deu a volta por cima exterminando com quase toda a gangue de "Carcará". Este ultimo que Adalvino matou, também havia lhe dado quatro tiros. Mas com uma seca sede de sobreviver, Adalvino descarregou sua quarenta e quatro, em cima do malandro. Um dos sobreviventes da gangue fugiu, e mudou-se para uma pequena cidade do interior. E o que dizem é que o ex - delinqüente abandonou a vida do crime. E antes de tudo isso, Adalvino e o companheiro Wagner Varela (Pituca) Passaram então a usar documentos falsos, para despistar a polícia; e também a máfia mexicana, embora os dois não tivessem conhecimento, que os traficantes internacionais estavam atrás deles.

Mas o que realmente mudou na vida daquele jovem imigrante nordestino, foi o casamento com Samira Tallaf. Não necessariamente um casamento e sim um amasiamento. O jovem casal, havia alugado uma casa de fundos e "Pituca" havia alugado uma casa ao lado, cuja era separada apenas por um muro.

Antes mesmo de sofrer o atentado, Adalvino de intermediário, passou a ser patrão. Ocupou o lugar de "Carcará" e ele e o amigo Wagner de Jesus Varela (Pituca) tornaram-se donos de todos os pontos de vendas de drogas da região.

Passou a ser conhecido na região onde morava, por "Paraíba Justiceiro". Aquele que não andasse na linha, poderia dar um jeito de cortejar o seu próprio enterro.

Mas agora ele estava lá, deitado na maca e recebendo visitas da esposa Samira, que estava com o carrinho de bebê com a filha de dois anos dentro, e do amigo e sócio no crime (Pituca).

Adalvino Batina batizou a filha com o nome de: Janice Tallaf Clementino Batina. Nome dado a ela, em homenagem a tia que morreu precocemente há exatos três anos:

- E aí "Pituca!" Tu troxi aquela "amarguinha" Pra tu e mais eu degustá? Indagou Adalvino deitado na maca.

- Claro que eu trouxe. Tá ali na mochila. – Respondeu Wagner (Pituca), indo em direção a outra maca que estava vazia, com uma mochila em cima da mesma. Abriu a mochila e tirou de dentro dela uma garrafa de aguardente e dois pequenos copos.

- Vocês ficaram loucos?... Principalmente você Adalvino. Acabou de sofrer uma porrada de cirurgias e já vai querer encher a cara! – Protestou Samira, empurrando o carrinho de bebê, pra frente e pra trás.

- Se aquiete mulé... Já faiz é dia, qui eu tô nesta cama. Careço di Beber um pouco, se não vô ficá maluco.

- Mais você foi operado esses dias Adalvino!

- Uma gotinha só, num há di fazê mal ninhum não. Num é memo "Pituca?" Fique indo em cunversa di mulé pra tu vê o que é qui vira. – Ironizou Adalvino caindo aos risos, acompanhado de "Pituca", que enchia de cachaça o copo, que estava na mão de Adalvino Batina. Samira não achou graça nenhuma na piadinha dos dois, e de repente, o seu semblante muda de figura:

- Eu só tô falando isso pro seu bem, não precisa ser estúpido comigo seu idiota! – Resmungou Samira, Que depois saiu emburrada do quarto empurrando o carrinho que estava à criança.

- Eu só tô brincando, se achegue aqui minha flôr! – Disse Adalvino rindo e chamando por sua amada.

Os dois amigos Brindam e depois leva seus copos a boca, dando um leve gole:

- E aí malandragem, como vem passando?

- Como deus manda. Como tu tá vendo, num foi desta veiz qui eu fui fazê uma visita pra casa do coisa ruim num sabe... E aí, cuidôu bem dos negócio esse tempo qui estive fora? – Houve um intervalo e Adalvino começou a tossir uma tosse seca e pigarreante.

- Tá com o Zagalo. Eu deixei na responsa do velho. Pode ficar tranqüilo malandro... O velho é firmeza. Recebi uma "branca" que veio lá da áfrica. Bagulho de responsa, ta ligado... Assim que você receber alta, eu levo um pouco dela, lá no seu "barraco" pra você experimentar. Mudando um pouco de assunto: eu fiquei sabendo que foi o "Pivete" que te deu esses "tecos", é verdade isso mano?

- É verdade sim. Só qui hoje, o "Pivete" deve di tá ardendo no cu do inferno, numa hora destas! – Disse Adalvino, depois caiu na risada, Como se fosse algo normal falar de uma pessoa que ele mesmo matou. Terminado o riso, ainda acrescentou, fazendo depois o sinal da cruz:

- Qui deus tenha piedade di sua alma!

- E o quê que passou na sua cabeça na hora mano? Na hora você pensou que ia morrer?

- Olha homi... A única coisa qui passava por minha cabeça naquela hora, era mandá aquele peste logo pros quintos dos inferno num sabe... "Vá cumê brasa e o diabo qui lhe carregue, seu filho di uma má cria! – Eu falei pra ele. Gastei inté às ultimas bala do revólvi, pra modi di mandá o loco pro espaço. "Se eu vô, tu há di ir junto cumigo, disgranhêra da peste!"Ainda agüentei levantá, arrubei a pexera, e já tava pronto pra matá o outro toméim; só qui o infiliz fugiu. Dispois disto, num me alembro mais di nada.

- Você é loco mano... Mas o que interessa, é que você ta vivo aí malandragem... Ta podendo curtir a sua esposa..., Sua filha... E por falar em filha, você já sabe quando vai ser o batizado da Janice?

- Dumingu qui vem. Tu tem qui ir hein moço... Tu vai sê padinho dela num sabe...

- Pode crê... Se eu num "rodar", com certeza vou aparecer por lá, morô...

A conversa de "Pituca" e Adalvino é interrompida. Alguém bate na porta e entra no quarto. Era o médico, com uma prancheta nas mãos. Estava acompanhado de Samira Tallaf, que entrava no quarto empurrando o carrinho que estava à filha pequena, que não parava de choramingar:

- Senhor, Euclides Da Silva? – Dirigiu-se o médico a Adalvino, com nome falso.

- Pois não moço?

- Assine aqui sua alta clinica. O senhor já pode ir pra casa. – Afirmou o médico entregando a prancheta e a caneta para Adalvino Batina.

- Pois Intão, já vamo arrumando as coisa. Vai lá "Pituca", ajude a pegá minhas roupa.

- O senhor pode aguardar uns minutinhos... Que o enfermeiro já vem pra tirar os pontos e trocar seus curativos, e eu vou receitar alguns remédios pro senhor ir tomando, caso venha a sentir alguma dor.

- Eu num vô esperá porra ninhuma! – Retrucou Adalvino, com um tom atravessado na voz. – Já tô já faiz é dia neste hospital! Tô doido pra voltá pra minha casa. E qué sabê além do mais: Num sô muito achegado destas idéia di homi ficá passando a mão ne mim não num sabe...

- Deixa de ser bobo Adalvino... O enfermeiro só vai tirar os pontos e trocar seus curativos... Deixa de ser anti-quadro! – Disse Samira empurrando o carrinho de bebê, para a criança se acalmar, e tentava convencer o Amásio a mudar de idéia.

- Não. Estas "tranqueraiada", eu tiro em casa na pexera. Vamo logo pra casa, qui eu tô doido pra tomá um banho num sabe...

Samira sacudia a cabeça obstinadamente, enquanto Adalvino reclamava como um velho ranzinza. Havia um tempo que Samira já estava se acostumando com o gênio difícil de Adalvino, pois quando empacava com alguma coisa era teimoso como uma mula, e difícil era convencê-lo a mudar de idéia.

"Pituca" ia ajudando a carregar as sacolas, que estavam às roupas de Adalvino e minutos depois todos já tinham deixado aquele hospital. Já estando em casa, Adalvino ia tirando com a bainha os pontos da cirurgia que fez. Tirou a calça e a cueca, dirigiu-se para o banheiro e logo já estava tomando banho. Minutos depois se via o jovem beijando a sua esposa no quarto. Um tempo depois, via-se uma calorosa cena de sexo.

Apesar de brigarem muito, o jovem casal sempre fazia as pazes, tendo um único destino: a cama. Mas a maior prova de amor que Samira Tallaf demonstrou a Adalvino foi a de largar toda a vida burguesa que tinha antes, para se juntar com Adalvino Batina. Seu pai havia a expulsado de casa, quando descobriu que ela estava grávida de um fora da lei. Embora houvesse se mudado para outra cidade, expulsou a filha de casa e depois pôs à casa a venda. Tempos depois, Samira juntou-se com Adalvino, e os dois alugaram uma casa de fundos.

Quando Adalvino estava no hospital, Samira faltava no trabalho para ir visitar o marido. Acabou sendo demitida do emprego; e quando Adalvino já estava em condições de se alimentar, Todos os dias Samira preparava o almoço e levava na marmita, para o seu amado que não queria se alimentar com a comida servida no hospital.

Mas difícil era saber, se esta istória teria um final feliz. Samira tinha uma vida burguesa e não estava acostumada com uma vida de dona de casa. Passava o dia a cuidar do Amásio e da filha de um ano e seis meses. Enquanto Adalvino passava noite e dia a vender drogas naquele terreno onde funcionava um ferro velho. Sabia que a qualquer momento poderia ser preso pela polícia, ou ser morto por traficantes rivais. Porém, sabendo de tudo isso, a moça ainda assim se aventurava com aquele jovem imigrante. E todas as noites o jovem casal apaixonado envolvia-se na cama e transavam.

Em uma tarde calorosa, estava o velho Zagalo em seu bar. Um camburão da polícia joga a viatura por cima da calçada. O delegado Claudio Bezzerra, acompanhado dos outros policiais descem da viatura com armas em punho:

- Todo mundo pra fora! – Ordenou o delegado. – O bar vai fechar. Não ouviu não rapaz?! Vaza daqui, vamo!

O rapaz e as outras pessoas levantavam das cadeiras deixando tudo para trás, dirigindo-se para fora do bar. Os policiais abaixavam as portas. Passaram a vasculhar em tudo quanto é parte do boteco. Até que vasculhando o depósito de bebidas, eles encontraram:

- Veja o que temos aqui... Isso daqui é seu, velho sem vergonha? Além de bicheiro e cafetão, agora virou traficante? – Indagou o delegado, após encontrar no depósito do bar dez quilos de cocaína e muitas notas de dinheiro, contendo ao todo aproximadamente quinze mil reais.

- É sim senhor. – Respondeu o velho Zagalo, com ar de seriedade e abaixando os olhos.

- É ô caralho! Ta querendo enganar a polícia! Quem que é o teu patrão seu velho da puta?! Vamo! Não tenho o dia todo não, é o "Paraíba?"

O velho Zagalo nada responde. O delegado desfere um tapa violento na orelha esquerda do dono do bar e pergunta novamente aumentando a tonalidade de voz

- hei tô falando com você!! De quem é esse dinheiro e essas drogas aqui? É o "Paraíba" o dono da "boca?!" Vou te dizer uma coisa seu cafetão de merda: eu sei de tudo que rola aqui: é jogatina... rufianismo e tráfico de drogas: abre o jogo comigo vai... Porque essa porra aqui, você não vai "abraçar" não!

- Tudo que o senhor encontrou aí é meu. Não conheço nenhum "Paraíba" não doutor. Eu confesso tudo. Se vieram até aqui pra me tirar dinheiro, pode levar eu preço, que eu não vou dar nenhum centavo pra nenhum de vocês!

O delegado e os outros policiais, caem em risadas, em tom de deboche:

- Você acha que eu preciso dessa mixaria aqui! Já extorqui "bicheiros" melhores que você seu bosta!

Enquanto o delegado interrogava o velho Zagalo, dois policiais tiravam muitas notas de dinheiro do caixa do bar:

- Será que a gente pode pegar uns trocados pra gente tomar uma cerveja doutor?

- Isso daí pode ter certeza que é dinheiro de jogo: aqui só rola puta e traficante. O que ele vai fazer, chamar a polícia?... Aí velho: vou te dar uma chance pra abrir o bico... Sabemos que depois que apagaram o "Carcará", é o "Paraíba" que tem tomado conta dos negócios aqui da área. De quem é a "branca" filho da puta, é do "Paraíba?"

- Que vergonha hein velho! – Exclamou um investigador de braços cruzados. – O senhor com a sua idade, fazendo papel de "bucha" de canhão de traficante "pé" rapado... Fala de quem é essa porra logo! Sabemos que o seu negócio é outro.

- Te dou dez segundos pra me dizer de quem é a "branca", vai falando!! – gritou o delegado.

- Se o senhor encontrou no meu bar, é porque tudo que o senhor encontrou aqui é meu. Já disse que não conheço nenhum "Paraíba" doutor.

O delegado e um policial ao lado, trocam olhares. Fazendo isso o delegado faz um sinal com a cabeça para o investigador, e dava pra se ouvir do lado de fora na rua, cinco tiros. O velho Zagalo já estava morto. Um dos policiais coloca uma pistola na mão direita do cadáver. Depois coloca o dedo indicador entre o gatilho, fazendo-o acionar. Uma bala acerta propositalmente a perna esquerda do outro policial, que estava próximo a porta. Depois pegam os dez quilos de cocaína que estava dentro de um saco de lixo, junto dos quinze mil reais. Enquanto o delegado subia a porta do bar, quatro policiais carregavam o corpo do velho Zagalo para fora do bar. Dois seguravam – o pelas pernas e dois pelos braços. Um, vinha carregando a sacola que estavam o dinheiro e a droga e logo á frente, vinha o policial ferido propositalmente se apoiando em outro policial. Abriram atrás do camburão e jogaram o corpo do velho, como se ele fosse algum bicho. Fecharam a porta. Depois entraram no camburão preto e branco e ligaram a sirene. O motorista deu marcha ré, e depois a viatura saiu "cantando" pneu.

Algumas Horas depois, a notícia já havia se espalhado que nem rastilho de pólvora. "Pituca" veio a bater desesperadamente na porta da casa de Adalvino Batina e Samira Tallaf. Adalvino abriu a porta da casa e se deparou com "Pituca" com uma expressão preocupada. Estava com o trinta e oito na cintura. Estava assustado, parecendo que estava correndo de algum animal venenoso e peçonhento, ou de tribos canibais:

- Puta que pariu! Você não sabe da ultima malandragem. – Anunciou Pituca.

- Qui bicho lhe mordeu criatura divina, pra modi di batê na porta di minha casa deste jeito? – Perguntou Adalvino sorrindo.

- Os home... Eles pegaram o Zagalo. – Murmurou Pituca, enquanto a expressão no rosto de Adalvino muda de repente. - Vieram me contar agora malandro. Tem neguinho pilantra aqui na área morô...

- Prenderam ele? – Perguntou Adalvino olhando Pituca seriamente.

- Antes fosse isso. Mataram mesmo. Os manos disseram que quando os home jogaram ele no "chiqueirinho", ele já tinha "batido as botas", tá ligado...

- Porra! – Xingou Adalvino nervoso depois chutou a porta da casa. – Qui porra! Tava tudo na mão do veio! E agora?... Perdemo tudo aquela merda. Disgraça dos inferno... Amanhã memo era dia daqueles homi da polícia, vim pegá dinhero pra modi di dexá a gente em paiz... E agora? O qui vamo dizê pra eles?

- A primeira coisa que a gente tem que fazer, é ficar ligeiro ta ligado... Se pegaram o velho, pode ter certeza que vão vim em cima de nóis também. E o que não me saí da cabeça, que isso daí foi "fita" dada morô... Tem algum "Ganso" patife aqui da área, ou mano que tá devendo pra gente e num quer pagar a gente. Que tem um pilantra aqui na área isso tem... – Falou Pituca firmemente. E a gente tem que descobrir quem é o filho da puta e meter uma "azeitona" no meio da cara dele. Caso isso num seja possível, vamo parar na casa de "pedra", ou pra alguma cova rasa certo?

- Dexe homi. Num se avexe não, qui tem muita bala sobrando pra testa de cada um destes peste num sabe... Vô inté carregá as "bicha", se carecê di tê qui usá; mais em minha casa, ninguém adentra não vice... E tu cace um jeito di falá pra aquele moço acertá a conta dele, qui já faiz é mêis qui ele num paga. Fale pra ele qui eu num vô esperá mais porra ninhuma não. Se ele num me pagá inté amanhã di noite eu vô lá na casa dele cobrá... E deus quêra qui ele já tenha arrumado o dinhêro, por modi qui se num arrumou eu vô mandá chumbo no meio da testa dele. Chamo inté à mãe dele pra assisti tudo; só pra modi dela vê qui tipo di homi qui é a cria dela.

- Demorou pra sentá o dedo naquele pilantra tá ligado... Se ele paga pau pro sistema, ele tá ligado como funciona a lei do crime. Amanhã eu vô lá cobrá o pilantra e aproveito e já vejo se ele que tá fazendo as cagüetagem. O playboy vai ter que nos descolar essa merda Adalvino. Tô pra enfiá um teco na cara desse maluco aí, já faz é tempo. Tô esperando só um vacilo dele, tá ligado ladrão...

- Há di tê um lugar reservado pra ele no inferno. Se ele num arrumou o dinhero paga cum a vida. Pra mim homi qui é homi di verdade, faiz cumpri cum a palavra, corre pro lado certo; num fica achando qui os outro é besta não!

- Mais uma coisa: Temos que procurar madame Shirley. Temos que nos abastecer antes de pedir ajuda do meu padrinho. Amanhã é dia dos gambé vim nos extorquir. Vamos ter que inventar uma desculpa boa; num quero ficar individado com polícia corrupta não. E toma cuidado... Não deixa de jeito nenhum a porta da casa destrancada. Não confie em ninguém, muito menos abra a porta; mesmo pra quem já é da clientela. Eu só volto mais tarde pra te trazer notícias morô...

- Tomi cuidado moço! Num dexe a polícia lhe pegá. E quando tu chegá Bata uma vez na porta e dê um grito, qui aí eu já sei qui é tu qui tá aí fora vice...

"Pituca" saiu desesperado, atrás de uma solução para o prejuízo que ele e Adalvino Batina tomaram. Foi então atrás do antigo rufião de Luana, conhecido como madame Shirley.

Madame Shirley era um travesti, dono de várias casas de prostituição. Além da prática do rufianismo, tinha também outro negócio: O tráfico de cocaína e de algumas drogas sintéticas, como o ecstasy; onde o seu lucro aumentava.

"Pituca" Pretendia pegar uma espécie de empréstimo com o traficante e rufião. Mas o pior ainda estava por vir. A polícia invadiu uma de suas casas de prostituição. Estava ele, endividado com alguns policiais corruptos, que para não levá-lo para a cadeia decidiram então, levar todo o dinheiro que adquiria ilegalmente. O travesti tivera uma crise de stress e acabou morrendo no hospital.

Na noite do dia seguinte, Adalvino e Pituca estavam na porta de uma casa, que seria esta, onde morava o tal viciado, que estava endividado com os dois. Adalvino aproximou-se do portão, espiou em volta e bateu palmas. Uma loira de aproximadamente quarenta e três anos de idade, é que abre a janela e se depara com Adalvino e "Pituca", que estavam na calçada do portão:

- Pois não?

- Boa noite senhora. – Saudaciou Adalvino tirando o chapéu da cabeça. – Poderia chamá o "Guim", por favor?

- Aqui num mora nenhum "Guim" não rapaz! – Respondeu a senhora seriamente. – O nome do meu filho é Guilherme. Quê que foi que ele aprontou dessa vez?

- Cum perdão a palavra sinhora... Isto é assunto meu e mais ele, dá pra chamá esse traste, por favor?

- Por que não fala o que você com ele? Eu transmito o seu recado.

- Cum todo respeito sinhora... Ou tu achama esse traste pra vim aqui fora falá cumigo, ou eu adentro aí pra ir buscá-lo! Vai chamá teu filho ou num vai?!

- Tá moço... Espere aí que ele já vai aí fora falar com você.

O rapaz demorou alguns minutos, até que apareceu. Viu Adalvino e "Pituca" na calçada:

- Porra "Paraíba!" vem me cobrar aqui na porta da minha casa, você ta louco mano?!

Antes mesmo de o rapaz dizer qualquer outra palavra, levou de Adalvino Batina, um forte soco na orelha direita e em seguida levou um ponta pé na costela. O rapaz foi parar no meio da rua, enquanto Adalvino o chutava e insultava:

- Cadê meu dinhero qui tu me deve?! Já lhe dei muita colér di chá... Hoje memo, tu vai te qui me arrumá essa porra, seu calotero safado! – Gritava Adalvino, depois tornou a bater no rapaz, que acaba caindo no chão:

- Pera aí porra! – Vociferou o rapaz com um tom desesperador. – Eu não tenho essa grana agora. Se vocês esperarem, eu posso descolá até amanhã e eu lanço pra mão de vocês; mais hoje eu não tenho merda nenhuma de dinheiro entendeu?

- Num vô esperá nem inté amanhã, nem daqui um segundo! Ou tu me paga o qui me deve agora, ou vô lhe disbarrigá lá dentro di sua casa na frente di sua mãe. Levante do chão cabra froxo, e vá lá dentro buscá o qui tu deve pra nóis.

- Pelo amor de deus... Minha família não pode saber dessa estória. Meu avô é coronel aposentado, se ele descobrir que sou viciado, que eu sou um "nóia", ele me interna numa clínica!

- Num quero sabê moço! Te vira! Dá o qui é meu, qui tu num carece di ir visitar a casa do coisa ruim. Se tu num me pagá... Eu entro lá dentro e lhe mato na frente da tua família! Num tô di brincadera não moço, teu prazo acabou vice...

- Ta bem. Eu vou lá dentro de casa ver o que eu posso fazer. Me espera aqui fora.

- Vai ver o que vai fazer o caralho! – Protestou "Pituca". – Qual é, tá tirando playboy? Vai lá dentro buscar essa porra, ou a gente espalha seus miolos na frente da tua mãe morô...

- Vá cum ele "Pituca". Se ele num arrumá o dinhero tu me chama aqui fora, qui aí ele vai vê qui a gente num tá di papo furado.

- Vamo lá "playboy!" descola logo essa parada na moral, qui a gente vai imbora ladrão... Se não arrumou a parada, vai te que se virar mané! Ou vai chupar a "rola" de algum coroa viado, ou vai ter que trabalhar gente playboy! Num quer que a mamãezinha saiba que o filinho dela morreu, porque não pagou a grana que devia, por causa de pedra, quer?

"Pituca" entrou com o rapaz na casa, enquanto Adalvino esperava do lado de fora. Alguns minutos depois "Pituca" apareceu com o rapaz e caminharam em direção a Adalvino, que já estava sentado na calçada esperando pelos dois. Adalvino se levantou:

- Ta aí. – Disse o rapaz entregando o dinheiro para Adalvino. – É tudo o que eu devo a vocês. Vão imbora e, por favor não apareçam mais aqui, que vocês podem me sujar com minha família.

- Tu qui num apareça mais pra aquelas bandas, qui ninguém vai mais lhe vendê nada. nem pagando. – Respondeu Adalvino contando o dinheiro. – Cuidado! Quem num paga o qui deve aos outro, num tem vida longa não cabra!

- E mais uma coisa hein playboy: a gente sabe onde você mora. Não aparece mais ali na área não morô... Se aparecer por lá já sabe né? Vamos pôr malandro na tua cola ladrão! Se eu fosse você malandragem, sumia pra bem longe daqui ta ligado...

O rapaz virou-se e foi imbora, indo em direção ao portão da sua casa. "Pituca" e Adalvino fazem o mesmo, pois teriam que fazer outras cobranças, de outros viciados que deviam para eles.

Alguns dias se passaram e a situação de Adalvino Batina e Wagner Varela (Pituca), não era lá das melhores. "Pituca" estava casa de Adalvino Batina. Os dois estavam sentados no sofá da sala e quebravam com o isqueiro, uma pedra de crack no cachimbo artezanal (Marica). Segundos depois, Adalvino lambeu a parte de baixo do isqueiro, depois acendeu para queimar a pedra dentro do cachimbo:

- Há não... Vocês não vão usar essa porcaria aqui dentro de casa né?... – Indagou Samira, com uma expressão séria no rosto.

- Qué qui tem dimais? – Retrucou Adalvino Batina, passando o cachimbo para "Pituca".

- Se liga Adalvino! Olha a nossa filha aqui... Que exemplo você e esse daí, estão dando pra ela!

- É só hoje só mulé! É bem milhor fumá aqui dentro di casa, do quê na rua. Por modi di quê qui tu num vai pra cozinha fazê um suco? – Ironizou Adalvino, dando risadas em tom de deboche. Samira de repente cruzou os braços e ficou a encarar Adalvino:

- Eu não sou sua escrava! Muito menos dos seus amiguinhos imbecis!

- Oxe... Intão num encha o meu saco!

Samira saiu da sala resmungando, como se tivesse falando sozinha, enquanto Adalvino e "Pituca" iam queimando de fumar crack, pedras atrás de pedras.

A rotina do jovem casal Adalvino Batina e Samira Tallaf, era mais de brigas do que de paz. Tudo isso, por que a jovem moça odiava quando Adalvino levava "Pituca" para dentro de sua casa com a finalidade de usar drogas.

Outra coisa que incomodava muito Samira era fato de Adalvino pronunciar várias vezes o nome da falecida Luana. Luana pra cá... Luana pra lá... Luana fazia isso, ou Luana fazia aquilo outro. Certa vez, quando estavam íntimos na cama Por acidente, Adalvino sussurrou o nome da falecida. O resultado... Samira ficou injuriada com o vacilo de Adalvino e tiveram a pior briga até então. A briga foi tão feia que Samira ameaçou deixar Adalvino Batina, e por algum tempo ficou sem nem olhar na cara do companheiro que não parava de pedir desculpas pelo mal entendido. O fato é que os dois fizeram as pazes e Samira, logo descobriu que estava esperando mais um filho de Adalvino Batina.

Há uns tempos atrás, Adalvino e "Pituca" levaram um enorme prejuízo, causando-lhes uma grande dor de cabeça. Mas agora tudo havia sido estabilizado, e o bairro agora tinha dois novos patrões da cocaína e do crack. Os dois não tinham ainda uma quadrilha formada, portanto trabalhavam sozinhos.

Um grande numero de meninos de rua, sendo que vários deles estava com sacolas de colas de sapateiro nas mãos, juntaram e formaram rodas para roubarem um senhor de idade, que estava carregando sacolas de compras. Eles estavam próximos a Rua General Couto Magalhães, que nos fundos, paralelo a rua, era um quartel do corpo de bombeiros e abaixo era a estação da Luz. Os garotos dividiam entre eles as coisas que estavam dentro das sacolas. Adalvino e "Pituca" assistem toda a cena, e Adalvino corre em direção aos garotos de rua:

- Devove muleque! – Ordenou Adalvino tirando uma caixa de leite, das mãos do garoto. – Podi devove tudo qui foi robado do homi! Num iscutou não muleque?! Devove, anda!

Os garotos obedeciam Adalvino Batina e iam colocando as coisas na sacola, e devolvendo para aquele senhor de idade, que estava bastante amedrontado:

- Vai pidi discupa, ou cada um vai querê levá um tiro no meio da bunda? Seus filhos duma puta; filhos duma porca imunda, qui tão cedo num há di vê a lua!

- Num precisa disso não... – Disse o senhor, amedrontado apressado para ir embora. – Eles já estão devolvendo.

- Se aquiete sinhô! Aqui ninguém acarece disso não. É tudo vagabundo, qui ao invéiz di fazê coisa qui presta, fica robando gente humilde.

- Desculpa aí tio. Foi sem intenção ta ligado... – Disse um menor, com um gingado malandreado na voz.

- Vai imbora tudo mundo daqui, anda! Vai! Chispa daqui! Se eu pegá robando gente pobre di novo, bala há di cumê no rabo di cada um vice...

- Muito obrigado. – Agradeceu o homem.

- Num foi nada sinhô! Só fiz a minha obrigação. E vê se num fique andando cum a mulenga pra cima e pra baxo não, qui aqui é meio perigoso.

- Não... Eu só vou até lá em baixo pegar o trem pra ir pra minha casa. De qualquer forma fico te devendo essa, muito obrigado moço.

Adalvino bateu na aba do chapéu, virou às costas para o velho e foi embora.

Adalvino sempre tinha o hábito de querer ajudar às pessoas. Certa vez, estava andando na Praça da República e viu um grupo de jovens universitários, que queriam agredir um índio amazonense que vendia artesanatos na rua. Sem pensar duas vezes, ele e "Pituca" partiram para cima dos burgueses para defender o pobre índio. Sacaram os revólveres da cintura, fazendo com que os estudantes neonazistas, saíssem correndo.

Em uma noite de lua cheia, por volta das 02h30min da madrugada Adalvino andava por uma calçada de uma rua, completamente bêbado. Era numa sexta feira, e Adalvino foi para o bar beber, e se divertir com umas prostitutas. Agora voltava para a casa, escorando-se nos muros e nos postes da rua. Teve dificuldades de abrir a porta principal da casa. Seguidas vezes caia sentado no chão, até que conseguiu se levantar do chão e finalmente abriu a porta da casa. Entrou na casa fechou a portas, e seguiu para o seu quarto, derrubando as coisas por onde andava, se escorando para não cair. Samira já estava deitada; porém estava sem sono; e estava morta de raiva do marido, por estar acordada até essa hora, e saber onde o Amásio estava até essas horas. Ouvia ali do quarto mesmo, Adalvino fazendo barulho, e caindo por onde andava. Mas quando o rapaz já estava se aproximando do quarto, ela encolheu-se na cama para fingir estar dormindo. Adalvino entrou no quarto e sentou na cama para tirar o seu sapato, e a camisa. Seu consciente estava tão embriagado, que nem se dava conta que a esposa estava acordada olhando pra ele.

Ele deitou-se na cama e depois passou a agarrar a esposa. Mas Samira esquivava-se dele, se sentido com nojo daquele bafo de cachaça na boca; cheiro de perfume adocicado das prostitutas, misturado com cheiro de cigarro. Neste estado, estava Adalvino; que por onde passava, exalava aqueles diferentes cheiros misturados a boemia:

- Sai pra lá! Me deixa! – Disse Samira nervosa. - Não toca em mim!

- Oxe... Por modi di quê esta putaria agora?

- Putaria era onde você tava Adalvino! Não chega perto de mim! Você ta com cheiro de puta.

- E dondi tu tirou esta bestage Samira? – Perguntou Adalvino, com uma voz arrastada, e os olhos caídos. – Eu só bebi além da conta vice... Num saí cum ninhuma quenga não, isto é coisa di tua cabeça mulé...

- Ta! Acredito em você... Vê se cala essa boca, e me deixa dormir!

Adalvino em poucos minutos, caiu no sono e desmaiou na cama. Samira estava encolhida na cama e chorava baixinho.

O dia estava nublado, e Adalvino entra no galpão daquele ferro velho. Passou por uma cortina vermelha e viu Gilberto sentado no chão e jogando búzios em cima de um tapete persa, que estava no chão. Gilberto olhou Adalvino nos olhos e jogou os búzios no chão. Adalvino não disse nada a Gilberto e saiu do galpão. Viu aquele velho insano daquela usina; e o velho lhe dizia:

- "Só há lideres em uma alcatéia de lobos, aquele que melhor domina o idioma "corderiano!" – Gritava o velho insano.

- O quê?

- "Em guerra de gregos, esperto é o soldado que melhor dramatiza um cavalo troiano!"

Após dizer essas frases, o velho insano leva um tiro, que acerta o coração. Adalvino tentou sacar a sua arma, mas leva uma seqüência de tiros. Cai de joelhos no chão e depois cai de bruços e começa a apertar a terra com força. Adalvino cerrou os olhos, e tudo se escurece. Adalvino está morto!

Tomado dessas coisas terríveis e fantasmagóricas, Adalvino desperta de um pesadelo. Estava suando muito e o coração palpitava rapidamente no peito, parecendo que iria saltar para fora.

Algum tempo se passou. A barriga de Samira Tallaf, a cada dia ia crescendo, decorrente da gestação. Apesar de estar engordando a cada dia que se passava, de tudo um pouco ela fazia para agradar o companheiro Adalvino Batina. Mas Adalvino nada fazia para retribuir o carinho da esposa. Ela não podia de maneira nenhuma sair com as amigas. Após ter perdido o seu emprego, também nunca mais pôde arrumar outro, pois Adalvino Batina não queria que a esposa trabalhasse. Também, era proibida de se cuidar. Em hipótese nenhuma podia usar maquiagem e batom, quando fosse sair na rua; e nem mesmo sonhando, podia sair na rua sem que tivesse usando calça, e sem a sua companhia. E apesar de seguir essas regras burocráticas e machistas, Samira mantinha-se fiel. De menina mimada, tornou-se uma dona de casa submissa e apaixonada pelo marido. Temia que ele a deixasse, para viver com outra mulher.

Samira odiava quando Adalvino Bebia, e trazia "Pituca" para dentro de sua casa, para se drogar e conversar sobre os negócios. Apesar de não gostar nem um pouco de "Pituca", o ex- menino de rua sempre estava em sua casa e era padrinho de sua filha (Janice Tallaf Batina).

"Pituca" estava sentado no sofá da sala e acendendo o isqueiro no cachimbo, para queimar a pedra de crack. Puxou umas consideráveis tragadas e passou o cachimbo para Adalvino Batina. De repente, todos são surpreendidos. Alguém bate seguidas vezes na porta. "Pituca" se levanta do sofá repentinamente. Pega o cachimbo das mãos de Adalvino Batina e corre para o banheiro. Novamente, ouve-se as batidas na porta, cada vez com mais força:

- Quem tai? – Indagou Adalvino, sacando o revólver.

- Abre a porta! Polícia! – Gritou uma voz, por trás da porta.

Samira veio com a filha no colo, da cozinha até a sala, sem nada entender o que estava havendo:

- Samira... Fique aqui cum eles, e num diga qui sabe di mim e mais "Pituca". A gente vai vê se consegui fugir pelo telhado. – Murmurou Adalvino.

- O que está acontecendo?

- Faça o qui eu lhe mandei caralho! Num podemo perdê tempo mulé!

- Eu vou contar até três: um..., Dois... – Gritou novamente aquela voz por trás da porta, em tom ameaçador.

- Pera aí homi. Tô procurando a chave!

Adalvino colocou o revólver na cintura e ele e "Pituca", dirigiram-se para os fundos da casa. Subiram no telhado e pularam para dentro do quintal da casa de um vizinho, enquanto Samira abria a porta da casa para os policiais:

- Saí da frente perua! – Disse o delegado Claudio Bezzerra, quase que forçando a entrada na casa. – Cadê o "Paraíba?" Eu sei que ele está escondido aqui, cadê ele?

- Aqui só está eu e minha filha. Eu não sei onde está meu marido. Estou separada dele e há dias que eu não o vejo. – Mentiu.

- Eu ouvi uma voz de homem vinda daqui de dentro.

- Deve ter sido da televisão. Aqui só tem eu e minha filha.

- Vasculhem a casa. Não deixa ninguém entrar nem saí.

O delegado e mais dois investigadores revistavam os fundos da casa, enquanto dois policiais ficavam de guardas na porta, para impedir a entrada e a saída da mesma. Os policiais jogavam às coisas no chão. Tiravam as gavetas do guarda roupas. Tiraram o colchão de cima da cama, e fizeram uma grande bagunça. Estavam bastante irritados, ao procurarem Adalvino não encontrá-lo. Passaram então, a quebrar tudo que viam pela frente. Dois policiais pulavam em cima do berço da filha de Adalvino transformando-o em pedaços:

- Quando o "Paraíba" chegar, terá uma surpresa. – Disse o delegado, enquanto os outros policiais terminavam de quebrar as coisas; e Samira estava sentada no sofá abraçando a filha pequena, que não parava de chorar assustada. – Vamos imbora. Quem sabe a gente dar sorte de achar esse filho da puta na rua.

Os policiais saíram resmungando. Entraram na viatura e bateram a porta com força. Em uma selva de pedra, Adalvino seria um lobo arisco e assustado, sendo caçado por temíveis e cruéis caçadores...

Horas depois, Adalvino já estava em sua casa vendo a destruição que a polícia provocou. Sua raiva era tanta, que chutava as coisas no chão e xingava palavrões ao mesmo tempo:

- Qui porra! – Berrou Adalvino, chutando um pedaço da televisão quebrada. – É assim qui se trata pobre neste país. Caralho! – Berrou outra vez, desta vez arremessando um copo de vidro na parede. Samira via o nervosismo do companheiro e tentava consolá-lo:

- Me dexe Samira! Eu vô é tomá cachaça, pra modi di vê se eu melhoro. – Abriu o armário da cozinha e tirou de dentro dele uma garrafa de pinga. Pegou ao mesmo tempo um copo, pôs o copo em cima da mesa e encheu o mesmo.

- E você acha que bebendo vai resolver alguma coisa Adalvino...

Adalvino virou o copo na boca e encolheu os ombros:

- Tô me lixando! – Retrucou Adalvino enchendo novamente o copo de pinga.

- É claro... Você não liga pra nada mesmo. Fique sabendo que é culpa sua essa merda toda! Culpa sua! Você ta se lixando pra mim, pra nossa casa, Pra tudo! Porra! Você nunca faz nada pra melhorar essa vida de bosta que a gente vive! Assim não ta dando não... Tô muito cansada.

- Eu é qui já tô é cansado di tuas putaria! Se ajuntôu cumigo por que quis! Tu sempre soube a vida qui eu levo. Num tá satisfeita, vá atrais di seu pai. A casa dele, a polícia num invade, mas os bandido sim. Tu é muito mimada Samira... Vá lá morá dondi eu morava, pra tu vê como é madrasta esta vida. Oxe... Fica reclamando di barriga chea, Nada tá bom!

Brigas entre Samira e Adalvino, já era coisa que tinha virado rotina. Todos os dias era um pretexto para poderem brigar. A briga dos dois às vezes dava para se escutar, do outro lado da rua. Tudo isso por que Samira estava cansada da vida que Adalvino levava. Não estava acostumada com a polícia invadindo a sua casa, para prender Adalvino e seu cúmplice Wagner Varela (Pituca). Porém, tinha medo que de repente ficasse sozinha no mundo, com duas crianças pequenas para cuidar.

A discussão de Samira e Adalvino é interrompida. Alguém batia uma vez na porta e em seguida dava um grito. Samira abre a porta e se depara com "Pituca". Ele a cumprimenta, mas a "dona moça" não correspondeu à saudação do rapaz:

- Adalvino. O seu amigo ta aqui.

- Entre moço.

- Que aconteceu aqui cara?...

- A porra da polícia. Entra. Me ajude a consertá o qui sobrôu do berço di Janice.

"Pituca ia ajudando a montar o berço da pequena Janice. Os dois amigos conversavam no quarto da criança, para resolverem o que iriam fazer. Um tempo depois, "Pituca já havia montado o berço da criança e foi para sua casa. Adalvino estava no quarto da criança, com ela embalada nos braços. E ele ia tentando fazê-la dormir, cantando uma cantiga de ninar; semelhante aquela que sua mãe cantava quando era criança: - Lá se vai minino, qui tão cedo foi

Se imbora... Ele levanta cedo vai cuidá da roça.

Lá se vai minino, qui tão longe qui ele mora...

Trabalha na lavora, é astuto mais num namora...

Lá se vai minino, ninguém sabe seu destino. É

Olhado lá di cima, pelo minino Jesuis cristo.

Finalmente Adalvino Batina conseguiu fazer a criança dormir. A criança dormia como se fosse um anjo e Samira estava em pé na porta do quarto observando a cantoria de Adalvino Batina, com um olhar de satisfação.

Alguns minutos depois, Adalvino já estava deitado na cama. Acendia seguidas vezes o isqueiro no cachimbo. Ia tragando a fumaça da droga chamada de crack, sendo que tinha ainda umas seis pedras de crack, em cima de um criado que tinha perto da cama e onde estava um abajur acesso. Samira ia se esfregando no marido. Acariciava o seu peito e ao mesmo tempo beijava:

- Larga isso aí, e vamos uma rapidinho vai... – Sugeriu Samira, com delicadeza na voz. Adalvino se quer olhava para a esposa e continuava a queimar no cachimbo a pedra de crack.

- E aí, vamos? – Insistiu Samira com uma imensa vontade de fazer sexo. Adalvino não dava ouvidos a amásia, e acendia o isqueiro no cachimbo, onde se ouvia os pequenos estalos da pedra que estava sendo queimada. – O que há com você hein Adalvino? Será que da pra você deixa essa merda de lado, e prestar um pouco atenção hein mim?

Adalvino virou os olhos pra esposa:

- Eu só num tô afim caralho! Num estôu cum vontade agora. Posso fumá meu "baguio" assussegado?

Samira virou-se de lado bufando estressada. Adalvino continuou fumando a sua droga no cachimbo. Quando uma acabava, ele substituía por outra. E assim varou a madrugada fumando crack.

Isso já estava virando uma rotina na vida do jovem imigrante. Estava fumando crack cada vez com mais freqüência, e a cada dia com maiores quantidades. Isso era um risco, financeiramente falando, pois era a droga que ele e "Pituca" tinha mais lucros, pois vendia mais.

No dia seguinte, precisamente às sete horas da manhã, "Pituca" batia na porta da casa de Adalvino e gritava para chamá-lo. Adalvino ouve as batidas na porta e os gritos de "Pituca". Levanta-se da cama e segue para abrir a porta. Abriu a porta meio sonolento e se deparou com "Pituca":

- Isso é lá hora di batê na porta di minha casa homi!

- Eu já descobri quem é o patife que tá cagüetando a gente pra polícia.

- Do quê qui tu tá falando?

- Não pegaram o Zagalo? Não invadiram tua casa ontem? Aquilo ali, é tudo "fita" dada caboclo. Eu já sei quem é o "ganso".

- Pois se tu sabe quem qui é o cabra, me leve inté lá homi.

- Agora mesmo!

- Tu me espere aí? Eu sô vô lá dentro buscá minha arma vice...

Adalvino entrou na casa. Pegou o revólver calibre quarenta e quatro em cima da geladeira e colocou – o na cintura. Depois saiu lá fora, onde "Pituca" o esperava, E os dois seguiram para a casa, onde o informante da polícia era dono. Quando entraram na casa, viram o homem dormindo na cama. Adalvino ia chutando o pé do rapaz para acordá-lo:

- Acorda aí homi! Vai veio safado acorda aí! – O homem abre os olhos e ver dois revólveres apontados para ele. Ele levantou- se repentinamente, com os braços estendidos e com um semblante assustado:

- Vai andando ai vagabundo! Pilantra do caralho!

Obrigaram o homem a ir andando até a cozinha da casa. Ali chegando, os dois rapazes, obrigaram o homem a ajoelhar-se no chão:

- Sabe Adalvino: Já ouvi muitas estórias desse mano aqui ta ligado... É "Talarico"..., Corre pro lado da polícia... E já me falaram que esse cu do caralho aí, é estuprador! Gosta de estuprar criancinha tipo a idade que tem a sua filha.

- Há é memo... E o quê qui a gente faiz cum ele? Será qui mata?... Corta o "pingulim" dele?...

- Enchê o cu dele de bala, é uma boa idéia num acha?

- Me soltem... Eu não fiz nada! – Disse o homem apavorado.

- Cala esta boca! – Ordenou Adalvino.

"Pituca" dirigiu-se para a copa da casa e ligou o rádio no último volume. Depois voltou a cozinha, onde estava o homem ajoelhado e Adalvino apontando-lhe o revólver:

- Acende o fugão "Pituca".

"Pituca" acendeu o fogão. Depois pegou a peixeira das mãos de Adalvino e esquentou-a no fogo e só tirou quando a mesma já estava bem avermelhada:

- Patife do caralho! Vai morrer agora, por não segurar a língua dentro da boca.

- Não "Pituca"... Morrê é muito pouco pra este traste. O castigu dele vai sê outro.

- Pelo amor de deus, não me machuque!

- Bote a língua pra fora, cabra safado!

O homem colocou a língua para fora e Adalvino passou a lâmina da bainha na mesma e a cortou friamente. O homem gritava de dor e de sua boca esguichava muito sangue. Obrigaram o homem que estava chorando de dor, a ficar de quatro:

- Pode arriá as calça dele "Pituca".

"Pituca" abaixou com violência a calça e a cueca do homem. Adalvino pegou um cabo de vassoura e enfiou com tudo nas nádegas do informante da polícia, que estava com a metade da língua decepada, havendo ali um empalamento. A bainha já havia esfriado. Adalvino lambeu o sangue da bainha e cuspiu na cara do homem que estava gritando de dor.

Enquanto na região central da cidade estava acontecendo um acerto de contas, na usina de Javier González (Aquela mesma, onde Adalvino trabalhava como escravo), o patrão mexicano estava no escritório da sede da fazenda, tratando de negócios com o delegado corrupto Claudio Bezzerra. O patrão mexicano, estava sentado em uma cadeira de balanço fumando um legítimo charuto cubano e o delegado estava sentado em outra cadeira de frente para ele:

- Não trago boas notícias doutor Javier. Consegui entrar ontem na casa do "Paraíba". Ele e o comparsa fugiram. Revirei a casa inteira de cabeça pra baixo e não encontrei a tal maleta.

Javier González, deu um forte soco na mesa:

- "Que lástima!" Los míos perros del guarda sao más competentes que tu delegado! No te esquejas que ese hijo del una pucha, podes estar con ese maldito disco. Se ese disco fôr parar el "federais" podes dar un jeito del arrumar una bola del ferro e una ropa lastrada, que nosotros vamos para cadena! No sí nosotros dos, como el juez Fasto Barreto y el deputado Tavares Pinto.

- Desculpa doutor. Mas é que pegar o "Paraíba" não é fácil. Ontem invadimos a casa dele, mas ilegalmente; ou seja, sem mandado judicial. Ele e o comparsa, são apenas suspeitos de alguns homicídios. Ainda não tem nada provado. Se o senhor quiser, amanhã mesmo eu consigo um mandado e dou o flagrante nele e no comparsa.

- "Não faça nada!" Aquellos dos espertos, no vás deixar nada en casa deles. Serás una grande perda de tiempo. Dê una trégua para ejes. Dexa ellos pensaren que la policía simplemente no lumberas dejes. "Quando eles menos esperarem, você ataca entendeu?"

- Sim entendi.

- "Ótimo. Enquanto isso, continue interrogando aquele outro. Tente entrar no pensamento dele, mas descubra onde está à maleta".

Na fazenda de Javier González, um jogo sórdido de corrupção. Na região central da cidade, requintes de crueldade em um acerto de contas contra os informantes da polícia. Canibalismo a luz do dia. Lobos domesticados devorando os lobos primatas; em uma selva de concreto, tudo isso seria como um monte de leões selvagens, brigando por suas caças...


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

A sobrevivência é o álibi agora.

O caminho que se perde, de uma

Vida que nada mais importa.

A destruição ou o abismo, alguém

Ficará para contar a estória...


CAPITULO X...

SÃO PAULO, JUNHO DE 1998...

Reis do crack e da cocaína, assim estava Adalvino e seu comparsa Wagner Varela (Pituca), que agora formaram uma quadrilha que era formada por intermediários. Geralmente viciados conhecidos por "Nóias". Quando alguém estava precisando de trabalho, e sem mais nenhuma esperança na vida, era só falar com o "Paraíba", ou com "Pituca", conhecido na área por "Di Menor". E assim, a pessoa vendia crack e cocaína. Se por acaso a polícia prendesse uma dessas pessoas, a pessoa que foi presa teria que assumir toda a autoria do crime (No caso o de tráfico de drogas); principalmente se fossem menores de idade. Apesar de haver menores entre os intermediários, Adalvino era radicalmente contra o uso de crianças para exercer esse tipo de atividade criminosa. Para ser intermediário da quadrilha a pessoa teria que ter no mínimo dezesseis anos de idade. Não usava armas e só poderiam ter acesso a Adalvino, ou Wagner Varela (Pituca) através de um intermediário de confiança.

O antigo bar do velho Zagalo, agora pertencia a Adalvino Batina e a "Pituca". Conseguiram reabrir o bar, onde ele foi pintado e reformado. As prostitutas que antes marcavam programas dentro do bar, agora não poderiam mais fazer esse tipo de atividade, pelo menos dentro do bar. Segundo Adalvino, a prostituição dentro do seu comércio poderia prejudicar a sua clientela. O bar seria muito visado pela polícia, pois atrairia muitas brigas principalmente de marido e mulher; onde a esposa procuraria o marido e poderia surpreendê-lo, contratando serviços de uma garota de programa e isso poderia transformar-se em uma grande confusão, que poderia atrapalhar os seus negócios. Também optou por não mexer com maquinas caça-níqueis e fazer a prática de outros jogos de azar, como fazia o antigo dono o velho Zagalo; que também exercia o rufianismo.

Observando a vida do jovem sertanejo Adalvino Batina, muita coisa mudou. Chegou à cidade de São Paulo sem nada e agora reabria um bar, com o dinheiro do tráfico de drogas. Não se pode esquecer que Adalvino havia se tornado escravo e futuramente seria usado como cobaia do cartel chefiado pelo traficante mexicano Javier González. Acabou entrando involuntariamente no mundo do crime, e agora se tornara o traficante mais conhecido da área onde morava. Era conhecido por sua tirania na hora de punir algum traidor, e pelo seu senso de justiça com as próprias mãos.

Sua amásia Samira Tallaf, agora já estava no quinto mês de gestação. Havia prestado vestibular de medicina na "USP", escondido do marido. Ao descobrir que havia sido a terceira colocada, resolveu dizer a verdade para o amásio e assim que o seu segundo filho nascesse, ela iria entrar na faculdade. Mas Adalvino Batina colocaria fim no sonho da moça, e eles estavam na cozinha da casa, onde o tema da discussão era exatamente esse:

- Já disse qui tu num vai e pronto! – Determinou Adalvino, espetando o punhal na mesa de madeira e com um tom autoritário na voz.

- Há é... E por que não? Você agora manda em mim por acaso?

- Eu sô teu marido e tu me deve obidiência sim sinhora! Eu já falei qui tu num vai pra esta porcaria di facudadi, pronto e acabôu!

- Por que isso Adalvino?... Quer dizer que eu não posso pensar no meu futuro, por causa do seu machismo idiota!

- Vá no Rio di Janero reclamá pra seu pai. Mulé minha, num tem qui ficá cum estas sandice di virá dotora, coisíssima ninhuma! E quem é qui vai cuidá di Janice e mais da cria qui vai vim?

- Porra Adalvino! – Gritou Samira nervosa. – Por que sempre eu que tem que fazer as coisas?! Eu já não trabalho, já não saio pra lugar nenhum e agora até de estudar você quer me impedir de fazer... Tô cansada dessa merda! Eu não me casei com você pra me tornar sua escrava. – Desabafou Samira quase chorando, enquanto Adalvino comia de um jeito bem relaxado, e às vezes falava de boca cheia:

- Tu vai istudá, pra ficá fechada embrenhada numa sala di aula, cum monte di macho dentro? Pode isquecê! Se quisé reclamá, vá lá pro Rio di Janero e reclame na cabeça di seu pai. Agora se tu num tem mais nada pra me dizê, vá pro inferno, vai pra onde tu quisé... Mas me dexe cumê assussegado e pare di me aperrinhá minha cabeça, vice...

- Merda de vida! – Resmungou Samira, indo em seguida em direção ao banheiro e bateu a porta do mesmo com força. Adalvino estava terminando de almoçar e nem ligava para as pirraças da esposa. Empurrou o prato de Lado, depois abriu a garrafa de aguardente. Encheu o copo de pinga e virou o copo na boca, dando um considerável gole.

Apesar de estar muito errado, Adalvino era radicalmente machista. Não por sua culpa, mas por ter sido criado dessa forma. Levantou-se da cadeira, apanhou o chapéu em cima da geladeira e colocou na cabeça. Seguiu para o seu bar e lá chegando, viu um carro, uma Mercedes Bens estacionada na porta do mesmo. Entrou no bar e um homem estava a sua espera. Era este homem de estatura baixa. Era careca, havendo cabelos apenas nas laterais. Estava com um terno amarelo e usava no dedo mindinho um anel de ouro, com uma pedra de jade no meio.

Era ele o rufião da finada Luana; e além de a prática do rufianismo, chefiava um poderoso cartel de cocaína na Colômbia. Seu nome era Juan Estebam Soarez, dono de muitas boates que funcionavam como fachadas. E na verdade eram casas de prostituição de luxo. Também era dono de quatro luxuosos motéis. Dois deles ficavam na Rua Augusta: Um na Avenida Brigadeiro Luís Antônio; e um, que funcionava no bairro da vila Madalena. Esse, da Vila Madalena (zona oeste), era o mais luxuoso e mais caro de todos. Os quartos tinham tetos movidos por controle remoto e não havia portas nos banheiros; porém, caso o cliente optasse para assegurar sua privacidade, era apenas acionar um botão pelo controle remoto, e duas paredes espelhadas se fechavam como se fossem cortinas. Já na suíte presidencial, tinha quase às mesmas coisas que os outros quartos. O cliente tinha uma vista privilegiada do alto do prédio. No centro do quarto havia uma grande banheira de hidromassagem, que tinha até cascata. Em baixo daquela pedra artificial que tinha a cascata, o cliente poderia sentar em um barzinho e ao mesmo tempo tomar o seu banho de banheira tomando, por exemplo, um wisk escocês envelhecido trinta anos. Um detalhe importante: era o rival numero um de Javier González.

O homem estava na porta do bar, acompanhado de seis seguranças. "Pituca" estava no balcão; já sabia que o seu padrinho queria tratar de um assunto muito importante com Adalvino Batina:

- "Señor Adalvino Batina?" Tieno uno assunto pra tratar del su interesse". – Afirmou Juan Estebam Soarez, falando em espanhol.

- Me discupa seu moço, mas eu num tô intendendo é nada do quê tu tá falando. Dá pra falá dum jeito qui eu intenda?

Juan Soarez troca olhares com seus seguranças, e responde:

- Está bem. Vamos direto ao assunto. Será que a gente pode conversar em particular?

- Vamo ali nos fundo. Num gosto di cunversa cum ninguém, na porta di meu comércio.

- Como quiser.

Adalvino seguiu para os fundos do bar, com o homem e seus seis seguranças. Entraram no depósito de bebidas e um dos seguranças fechou a porta.

- Disimbucha homi! Qué qui tu qué cumigo?

O homem deu um sorriso cínico. Colocou um charuto cubano na boca, e um segurança o acendeu com o isqueiro. Puxou uma baforada respondendo, em portunhol:

- Preciso de um pequeno favor seu. Tenho uma mercadoria encomendada, para entregar em três endereços; falei com meu afilhado, mas ele disse que a melhor pessoa para fazer este tipo de serviço és tu.

- Arrume outro homi vice... Num trabalho pra ninguém. Só trabalho sozinho. – Retrucou Adalvino, virando-se para ir imbora, porém, um dos seguranças impede sua passagem, lhe apontando uma arma:

- Acho que tu ainda não compreendeste. Não é um convite. É uma intimação! Não quer que sua família sofra represarias, quer?

- Dexe minha família fora disso!

- Então queiras facilitar as coisas! Serás melhor para todos. – Juan Soarez fez um sinal para o segurança abaixar a pistola. – O meu afilhado cuidarás dos negócios, esse tempo em que tu estarás fora.

- Qui dia qui eu cumeço?

- Terça feira que vem. Tu procurarás este homem aqui. – Juan Soarez deu um papel para Adalvino, onde estava o nome de uma pessoa e em baixo estava o endereço. – Ele lhe entregará uma maleta contendo vinte cinco mil dólares. Terás a sua comissão de dez mil dólares. Mas tudo tem de ser feito com muito cuidado. O homem és deputado federal; não pode de nenhuma maneira, ter seu nome envolvido em escândalos. Negociarás com um de seus assessores. Irás acompanhado com um dos meus homens de confiança. Assim que tu receberes o pagamento, deves me ligar por este telefone.

Um dos seguranças entrega um telefone celular e um cartão para Adalvino:

- Aí estás o celular e um cartão de um advogado. És para ele que tens que ligar se caso alguma coisa der errado. O nome dele és doutor Ricardo Nogueira. Já cuidaremos do seu passaporte, e do das garotas.

- E dondi qui eu acho tu? Aqui memo?

- Fique atento. Ligaremos pra você. E más uma coisa: terás de mudar essas roupas. Pode deixar que cuidaremos disso. Por favor, nos acompanhe.

Adalvino acompanhou aqueles senhores de ternos e gravatas. Quando já estavam para fora do bar, Adalvino entrou junto com o homem e seus seguranças naquela Mercedes. O homem e seus seguranças levaram Adalvino para uma loja de roupas de grife. Compraram caríssimos ternos de linho, para o jovem retirante. O rapaz ficou irreconhecível. Transformá-lo, em outro Adalvino Batina; até então, desconhecido por todos.

Quase uma semana depois, lá estava o jovem imigrante encostado no viaduto Santa Ifigênia, bem próximo ao mosteiro de São Bento, e estava fumando um cigarro. Estava com um terno de linho bege. A gravata era listrada de cores azul e branca, e o jovem retirante estava sem aquele seu chapéu de cangaceiro que usava na cabeça, e seus longos cabelos, estavam amarrados estilo rabo de cavalo. Quatro homens se aproximaram de Adalvino Batina. Um deles tinha mais ou menos, um metro e noventa de altura, e neste exato momento, este mesmo homem tirou um telefone celular do bolso e fez uma ligação. E Adalvino seguiu andando junto destes quatro homens que estava de caríssimos ternos. Os cinco, mais pareciam um grupo de advogados, ou empresários. Quem iria dizer que aqueles quatro trabalhavam para um poderoso chefe de um cartel colombiano; sendo que um deles estava sendo usado como "Laranja?" (no caso, Adalvino Batina)

Foi dada a Adalvino, a seguinte missão: Levar três prostituas que carregavam no estômago cápsulas de cocaína com destino a Brasília. Também passou por Manaus, Mato Grosso do Sul, e até chegou a ir a Santa Cruz de La Sierra na Bolívia; onde fez novos negócios.

Desapareceu por um ano, e apenas seu sócio Wagner Varela (Pituca) sabia do seu paradêlo. Neste período do qual Adalvino esteve fora, nasceu o seu primeiro filho que foi batizado de: Nassid Abyaim Tallaf Batina. Adalvino já devia saber do nascimento do filho, porém, se quer foi ao hospital visitar a esposa. Agora voltava depois de uma viagem ao Peru. Havia comprado uma moto XL – 250. E lá estava ele pilotando a moto que comprou, com uma mochila nas costas. Estacionou a moto na guia. Desceu da moto e tirou o capacete, entrando na sua casa. Viu Samira na cozinha, preparando o almoço. Samira mexia na panela. Viu o marido Adalvino Batina, mas se quer se surpreendia com a presença do amásio:

- Apareceu Adalvino Batina? Achei que tivesse morrido!

- Craro qui aparici minha flôr! Tô morto di sodadi, e de fomi... Cadê este almoço?

Adalvino colocou o capacete e a mochila em cima da mesa. Depois tentou abraçar a esposa, mas ela esquiva-se dele em sinal de frieza:

- Qué qui foi?

- O que é que foi??? Tu some por quase um ano, e ainda me pergunta o que é que foi! Oras, faça-me um favor né Adalvino! Há um ano, que eu tenho agüentado tudo sozinha. Eu tava trabalhando como doméstica pra sair da fossa... Há um tempo atrás, haviam cortado a luz por falta de pagamento. Meu pai foi morto no Rio de Janeiro... E se não fosse o pouquinho de dinheiro, que ele havia me deixado, eu tava fudida.

- Vamo cumeçá tudo di novo dona moça... Eu mudei Samira. Eu fiquei esse tempo todo fora, mais num dexei di pensá em tu, Janice e mais o nosso filho. Me perdoe dona moça... – Implorou Adalvino.

- Você poderia ter dado um telefonema; mandado uma carta, sei lá... Pelo menos pra gente saber se você tava vivo. A sua filha, não parava de perguntar de você, e eu não sabia nem o que dizer pra ela! Seu filho nasceu e você nem pra ir me visitar no hospital. Não sabe nem nome dele. E pra onde você tava? Meu pai morreu..., Eu tava cheia de contas pra pagar..., Sem emprego e ainda por cima, com duas crianças pequenas para sustentar! E onde estava pai o delas?! – Se queixava Samira, com um tom rebelado na voz.

- Tá tudo bem agora minha flôr... Eu tô aqui, num tô? Lhe troxi teu vistido qui tu quiria tanto comprá. Troxi presente pra Janice e mais pro nosso filho... – Adalvino abriu o zíper da mochila, e ia tirando as coisas de dentro dela.

- Dar presentinhos, não vai mudar em nada Adalvino. Não pense você, que vou ser comprada com essas porcarias. E detalhe... O nosso filho é homem; que eu saiba homens, não usa roupas de menina.

Adalvino ri meio sem graça:

- Hi... É memo! Mais eu posso ir lá na loja qui eu comprei e trocá... Mais o qui eu quero qui tu intenda, é qui eu mudei! Eu sô um novo homi minha flôr... Parei di bebê; e di agora em dianti, num tem mais palhaçada! Só hei di me dedicá a tu; Janice e mais nosso filho num sabe...

- É sempre a mesma coisa. Você sempre diz que vai mudar..., Que vai mudar, mas nunca muda nada. Já estou cansada de promessas Adalvino. Procura outra otária.

- Desta veiz, há di sê diferente minha flôr. A única coisa qui eu acareço, é qui tu me dê uma chance...

Adalvino aproximou-se de Samira, ajoelhou a seus pés e recitou-lhe um poema, pedindo o seu perdão:

- Prometo num lhe decepcioná minha flôr, por modi qui eu num quero qui se vá o meu amôr... Que me mata de agunia, que mata eu di dor. Fica minha flor, dê uma chance para mim... Por que se tu foi imbora me dexando assim; nem o diabo há di me fazê mais filiz; e nada terá mais graça pra se chorá, ou pra ri. Por isso lhe imploro ajuelhado dianti di ti; num vá se imbora, fique aqui. Num quero lhe vê, em desvario di lágrimas, eu quero vê tu sorri...

Samira deu um sorriso irradiante. Adalvino ergueu-se do chão e abraçou a amásia. Depois a beijou apaixonadamente:

- Cadê a minha minina e mais meu muleque? – Indagou Adalvino.

- Janice eu estava deixando na vizinha, para poder trabalhar. Consegui arrumar uma creche e é lá que ela está agora. Nassif está dormindo e logo ele acorda pra eu dar de mamar pra ele.

Samira de qualquer forma perdoaria o amásio Adalvino. Era apaixonada por ele, não importasse o que ele fizesse ou o que os outros diriam. Era o tipo de mulher dependente, dessas que sempre necessitava de um homem para sustentar a casa, ela e os filhos; sendo esse homem o pai ou até mesmo, o amásio.

Nesses dias que se passou, o que se via na casa de Samira e Adalvino era uma perfeita harmonia. Nem parecia aquele jovem casal, que vivia brigando por assuntos de naturezas banais. Faziam sexo, todas as noites e até mesmo de dia. De fato, Adalvino havia mesmo parado de beber e de usar drogas (Pelo menos, na presença de Samira). Mas o que era de se estranhar, era o fato de Adalvino abandonar tão rapidamente o vicio de uma droga como o crack, e não apresentar nenhum sintoma de dependência química, e crise de abstinência. Porém, Samira acreditava que Adalvino realmente havia abandonado esses vícios. E lá estava o rapaz a abraçando a amásia que estava no fogão preparando o jantar:

- Dondi será qui se infiôu "Pituca?"

- Não sei. Desde que você foi imbora, ele não apareceu mais aqui em casa. Esquece ele Adalvino... É bom que ele suma mesmo! Vamos viver nossa vida numa boa, chega de confusão.

- Tu tá certa. Chega di confusão. Eu já tô é calejado di encrenca na minha vida. – Disse Adalvino falando da boca pra fora.

- Assim que se fala!

Samira virou-se para Adalvino e o jovem casal começou a se beijar. Minutos depois, estavam em cima da mesa da cozinha derrubando as coisas no chão e já estavam quase fazendo sexo. Mas uma batida na porta interrompe a intimidade do casal:

- Não atende não... – Pediu Samira, delicadamente. Adalvino voltou a beijar o corpo de Samira. Erguia a saia de Samira e já estava quase tirando a sua calcinha, quando se ouve novamente uma batida na porta e um grito de alguém que chamava por Adalvino:

- Ai que saco! – Exclamou Samira bufando depois. – Vai lá atender a porta!

Adalvino levantou-se de cima de Samira, que estava deitada em cima da mesa. Ergueu o zíper da calça e a abotoou. Foi em direção a porta e quando abriu a mesma, se deparando com "Pituca". Os dois trocam olhares e em poucos segundos, já estavam se abraçando:

- Quanto tempo malandragem! E as novidades?

- Entra. Vamo proseá lá na cozinha. Convidou Adalvino.

Quando "Pituca" entrou na casa, Samira foi para o quarto. Segundo ela, não gostava de jeito nenhum de "Pituca" e não fazia sentido ela ficar ali entre eles. O pequeno Nassid começa a chorar neste mesmo instante. "Pituca" sentou na cadeira da mesa da cozinha, enquanto Adalvino terminava de coar o café. Bateu o palito na caixa de fósforos e acendeu um cigarro, enquanto Adalvino colocava o café no copo e servia "Pituca" sentando-se também em uma cadeira:

- Aquela XL lá fora, é sua mano?

- É.

- Que moto dá hora malandragem!

- Ela é muita da bonita memo. Há di tê um único probrema: eu num tenho carta, pra dirigi a "bichinha" não... E ela tá sem documento. Se a polícia me pegá, adeus moto!

- E a "rocha?"

- Num mexo mais cum estas coisa não moço. – Adalvino olhou para os lados e murmurou:

- Tu tem aí contigo?

- Tenho e é da boa!

- Fale baixo homi! Minha mulé pensa qui eu parei di fumá estas coisa. É milhor a gente ir pro bar. Lá a gente cunversa mais sussegado. Me espere lá fora, qui eu vô disbaratiná Samira, vice...

"Pituca" foi para fora e ficou esperando por Adalvino. Adalvino foi para o quarto, onde Samira estava sentada na cama, amamentando o filho recém nascido. Tinha a intenção de desviar a atenção da amásia; em um rebanho de ovelhas, esperta é aquela que consegue tapear o lobo; ou no caso a loba:

- inté mais tarde minha flôr!

- Você vai aonde?

- Vô comprá ovo. – Mentiu

- Ovo? Mais ainda tem ovo na geladeira...

- Mais acarece di comprá mais. Inté mais tarde, num hei di demorá muito não.

Adalvino saiu lá fora, e ele e "Pituca" caminharam até a moto estacionada na guia da calçada. Adalvino montou na moto e "Pituca" montou na garupa. Nenhum dos dois estava usando capacetes. Seguiram para uma viela. Adalvino estacionou a moto e os dois desceram. "Pituca" sentou-se na calçada e preparava a pedra de crack no cachimbo artesanal, para ser queimada. E enquanto a pedra de crack estava sendo preparada no cachimbo, os dois iam conversando:

- Tava esperando você chegar para te dizer uma coisa... Eu tô achando melhor a gente parar de mexer com "Pó". Vender "Rocha" ta dando muito mais dinheiro que vender cocaína. Veja só... A gente ta ganhando tanto dinheiro, que a gente já nem precisa mais por a mão no bagulho; o negócio é só aqui ó... "Bufunfa" na mão. Os boy parece que desencanaram de ficar nessa de cheirar. Só querem saber da "rocha", morô...

- É mais teu padinho num pensa assim. Pra ele, vendê pedra é uma perda di tempo; é um lixo americano num sabe...

- Ele não precisa saber! E por falar no meu padrinho, aconteceu uma parada muito sinistra neste tempo que você tava viajando. Apareceu uns caras lá no bar, e estavam atrás de você, ta ligado... Eu disse que você tava viajando; mais mesmo assim, os "maluco" queria por que queria saber, onde é que você tava.

- E tu num disse nada a eles...

- Claro não. Nem conhecia os "tio!" Eu disse a eles, que era novo ali na área. Trabalhava há pouco tempo ali no bar, e a única coisa que eu sabia era que você tinha viajado.

- Era gente da polícia?

- Acho que não. Mais que a parada é sinistra, isso é... Você não andou fazendo negócios com aqueles gringos, sem que eu saiba né?

- Não... Os únicos gringo qui eu e mais tu trabalha, é pra seu padinho. Eu trouxe dez quilo da "farinha" dele, qui ele disse qui é pra eu e mais tu vender.

- Naquele mesmo dia, a polícia apareceu procurando por você malandro. Esse bagulho ta muito estranho ta ligado... O quê que os gringos e a polícia, queriam atrás de você? E antes de ir imbora, o delegado ainda me disse: "Fica ligeiro hein "neguinho!"A gente ta de olho!"

- E a polícia entrou no bar?

- Desta vez, só fizeram um monte de pergunta. Se entrassem também, nada iriam encontrar. Eu não estou mais deixando a mercadoria lá dentro. Desde daquela vez do Zagalo, eu tô ligeiro ta ligado... Não podemos ficá dando vacilo nem com os "cana", nem com os "ganso" aqui da área morô...

- E tu disse alguma coisa pra seu padinho?

- Não! Se ele fica sabendo duma parada dessas, a gente ta fudido malandro!, Ele certamente vai pensar, que a gente ta fazendo negócios com os gringos. Deus queira que nenhum informante dele, tenha visto toda aquela cena malandro.

Houve um silêncio. Adalvino estava com uma expressão preocupada, pois nada entendia por que quê homens estrangeiros estavam a sua procura. Já a polícia estar atrás dele, já não era nenhuma novidade, pois era um traficante de drogas. Fazia parte de seu cotidiano, ter a polícia como um obstáculo. Mas o que era de se estranhar, era por que a polícia estava apenas atrás dele, e não de "Pituca?"

"Pituca" acendeu o isqueiro no cachimbo artesanal e deu uma forte tragada. Passou o isqueiro e a "marica" para Adalvino que fazia o mesmo. O tempo passava e a cada pedra que virava cinza, substituía-se por outra no cachimbo. Os dois estavam em absoluto silêncio, porém, paranóicos. Enquanto "Pituca" estava tragando a fumaça do cachimbo, Adalvino viu a imagem daquele velho maluco da usina "Lar Doce Lar". O velho maluco estava com uma lata de spray na mão direita. Pichou no muro, depois sinalizou para Adalvino ler a frase escrita:

"Puto seja aquele, que inventou o destino

Nesta terra suja... Vampiros nos consumindo,

Incorporados de cordeiros, ou de Judas...

Louvor a classe nobre, porca e justa; a justiça, mais

Oprime do que educa... Em terra de loucos, todos são

Execrados pela culpa; e no inferno, para o diabo lavar

Mais uma roupa suja... Neste labirinto da vida dita cuja!"

- O quê qui tu qué di mim? Quem é você? – O velho nada diz e cai em um profundo acesso de gargalhadas, desaparecendo aos olhos de Adalvino. "Pituca" ia tragando a fumaça da pedra que estava sendo queimada. Estava tão paranóico em fumar a pedra de crack, que nem se quer prestava atenção em Adalvino Batina.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

A imagem é a ilusão do

Reflexo. A astúcia é o melhor

Remédio; mais há pessoas sempre

Procurando o alheio tédio...

CAPITULOXI...

SÃO PAULO, JUNHO DE 1999...

-
A image é a ilusão do reflexo. A astúcia há di sê o milhor remediu. Tolos é a gente, que caça resposta pra cada tédio. Vô me acabando por dentro, em vontade própria eu compreendo. Mais este futuro num me reserva nada, só poera e vento.

Chegando em casa, com uma sacola cheia de presentes estava Adalvino Batina. A esposa Samira Tallaf, estava sentada no sofá assistindo televisão. A pequena Janice corria entusiasmada, até a porta para abraçar o pai, enquanto Nassid estava no berço dormindo:

- Cheguei minha pequena flôr! Vamo fazê uma surpresa pra mainha? – Sugeriu Adalvino, colocando a sacola em cima de uma mesa. Colocou a criança no chão e seguiu até o sofá medindo os passos. Por trás do sofá. Tapou os olhos da esposa:

- Adivinha...

- Deixa ver... É Adalvino, meu querido esposo!

- Acertou!

Adalvino beijava a esposa. Depois tirou do bolso, uma caixinha de jóia. Abriu a caixinha e tirou de dentro dela, um colar de pérolas:

- Ai, que lindo amor!

- Dexe qui eu lhe ajudo a colocá.

Adalvino ia abotoando o colar de pérolas no pescoço de Samira. A pequena Janice divertia-se, fazendo uma considerável bagunça pela casa. E o jovem casal estava se beijando. Os dois rolaram por cima do sofá, indo parar os dois no chão da sala. Beijavam-se calorosamente e já estavam quase transando, quando suas intimidades casuais, é impedida por uma voz que gritava por Adalvino do lado de fora. A voz que gritava por Adalvino, só podia ser de uma pessoa: "Pituca".

Adalvino ergueu-se do chão. Ergueu o zíper da calça e a abotoou. Seguiu até a porta para abri-la; enquanto a amásia Samira levantava do chão e sentou no sofá:

- O qui manda "Pituca?"

- Tô precisando trocá uma idéia contigo.

- Agora homi?... Indagou Adalvino, com certo desânimo na voz.

- Tô atrapalhando alguma coisa?

- Não, Pode falá.

- Aqui é meio embaçado hein malandragem... Dá pra ser lá no bar?

- Pode. Espera aí fora, qui eu vô pegá meu casaco.

Adalvino entrou na casa, para mentir para a esposa e pegar um casaco, enquanto "Pituca" o esperava do lado de fora. Pegou rapidamente seu casaco e a chave da moto. Depois beijou a testa da esposa, que estava sentada no sofá assistindo televisão:

- Aonde você vai?

- Vô inté o mercado municipal. Vô comprá daquelas castanha qui tu me pidiu. Mais tarde eu volto minha flôr!

- Quem ta aí fora?

- Era um pastor, pidindo dinhero pra caridade. Eu já disse qui eu num tenho, e ele já foi se imbora. Inté mais tarde minha flôr.

Adalvino e "Pituca" seguiram para o bar. Lá chegando, Adalvino e "Pituca" estavam sentados em uma cadeira de uma mesa tomando cerveja. Umas morenas sambavam em frente onde estavam sentados Adalvino e "Pituca". Um grupo de sambistas cantava em uma roda de samba, uma música típica do samba paulistano. O que estava sentado na cadeira, tocava cavaquinho. E dava para se ver, um senhor que cantava as musicas do grupo e batia com uma vareta de bambu na caixa de fósforos, improvisando um pandeiro:

- Me diz uma coisa malandragem: onde que você "mocosou" os dólares que você recebeu como pagamento?

- Tá lá em casa. Coloquei dentro da vasilha di arroiz, junto cum o "pó" qui seu padrinho qué qui a gente venda pra ele.

- Você ta loco mano?! Ta vacilando? Se os "cana" entra no seu "barraco", tu fodi com a gente ô mané! Vamo ter que "abraçar" toda a "fita" sozinho!

- E dondi qui tu quiria qui iscondesse intão! – Retrucou Adalvino, aumentando a tonalidade de voz.

- Em qualquer outro lugar, menos na sua casa! E se os home te pegá com esses dólares?, Como é que você vai explicar a origem deles?... Vai alegar que adquiriu trabalhando?! Tira aqueles dólares de lá, o mais rápido possível! Tira a "farinha" e as pedras também! Não se esqueça que aquela "branca" ali, não é nossa.

- Tu tem razão. – Murmurou Adalvino. – Amanhã memo, vô levá pro ferro véio. Tá bem assim?

- Aproveita também, e tira tudo quanto é flagrante da sua casa. Mas não esconde no ferro velho não malandragem! Eu vou aproveitar e tirar as drogas de lá, e procurar outro lugar pra esconder. Se pegarem os dólares junto com as drogas, já é tráfico internacional malandragem! A gente tá fudido; a gente vai "rodá" feio malandro! E fica ligeiro, que tem uns "tios" da boca "quente", que tá atrás de você!

- E tu sabe me dizê, se os cabras teve lá em casa procurando por mim?

- Isso eu não sei te dizer não. Desde que você foi viajar, não pisei mais no seu "barraco". Você sabe muito bem, que a tua gata num gosta nem um pouquinho da minha pessoa ta ligado... A "fita" foi o seguinte caboclo... Os "tio" tiveram aqui no bar perguntando por você... Logo depois os home apareceram e também fizeram um monte de pergunta sobre você! O que eu achei muito estranho, é que os "canas" não apresentaram nenhum mandado de prisão, ou de busca. Muito sinistra essa parada! Alguma coisa esses "maluco" quer contigo! Fica esperto! – Afirmava "Pituca", com seriedade no olhar. Depois deu um suave gole no copo de cerveja, e mudou de assunto:

- Tinha muita gostosa na viagem malandro?

- Tinha cada mulé, homi... Mais ali, eu só tava di sirviço num sabe... Minha função era só fazê elas botá pra fora a farinha qui elas tava levando no bucho, e levá elas e a mercaduria pro homi. Mais vô lhe confessá uma "Pituca": Fiquei cum pena daquelas moça. Juro qui se tivesse jeito, eu mandaria elas fugi pra bem longe vice... Só qui era minha família qui estava em jogo, e eu num podia fazê nada. Mais mulé qui feiz a minha cabeça memo, foi Dandará. Aquilo era mulé "Pituca!" Esta eu conheci lá no Mato Grosso. Era uma "galegazinha" jeitada moço... Era uma índia, di cabelo bem liso num sabe... Mas ela intendeu qui se dependesse di mim, eu ia ajudá ela a fugi das mão daqueles cabras safado. Mais inté hoje, me dói na consciência em sabê qui uma minina qui diviria tá aproveitando a vida, tem di virá uma puta di traficante, pra modi di num passá fomi.

- Puta é puta Adalvino! – Deu um gole no copo de cerveja, e acrescentou. – E dá muito dinheiro. Não adianta dar uma de bom moço, sendo qui o mundo todo é assim.

- Eu é qui sei moço! – Interrompeu Adalvino. – Tô calejado di vê isto na minha vida. Por isso qui eu digo, qui isto é uma sem vergonhisse qui num tem nome! Pegá muleca nova qui passa fomi, pra modi di levá "pó" no bucho e ainda por cima pra virá quenga.

- Mas entenda Adalvino: o que o meu padrinho faz pra essas moças, é um grande favor! Elas aprendem a se vestir; aprendem a falar direito, E não precisam dormir na rua; passar fome e passar frio. O meu padrinho quer que futuramente, eu e você tome conta desse tipo de negócios. Vai chover dinheiro na nossa horta malandro! E não vamos precisar ficar subornando soldado raso... E vamos correr menos riscos, de "maluco" da "boca quente" e os policia vir encher nosso saco.

- Pois este tipo di trabalho eu num faço! Eu tenho irmã "Pituca!" Eu sô pai di dois filho pequeno. Poderia ser uma filha, ou uma irmã minha qui poderia tá passando por isso! Sê traficante é uma coisa, quem quer se matá qui se mate! Corro sim, risco dos peste me pegá. Mais pelo menos num tô aproveitando a miséria, pra modi di ganhá dinhero, isso nunca!

- Mais pensa comigo malandragem: na rua as "mina" passa frio; corre o tempo todo o risco de ser estuprada e depende de esmolas. Tando na zona, elas serão pagas pra isso porra! Terão seu prato de comida..., Terá roupa; terá onde dormir...

- Nem qui eu tenha qui mandá minha família pra longe, num vô contribuí pra isso!

- Pensa bem caboclo... Mais tarde quem sabe, a gente num pode ter as nossas próprias "prima"... Cheirar só da do luxo; com menos risco de ir preso, sem precisar bater de frente com Juan Estebam Soarez. Aquele ali, num é patifaria que nem o "Carcará" não caboclo! Aquele ali é tubarão dos grandes tá ligado... Não negocia com qualquer "gambé" corrupto de merda; o negócio dele é direto com desembargador morô...

- Pois nem qui eu tenha qui morrê no lugar di minha família; mais eu num vô fazê este tipo di sirviço não!

Adalvino deu um considerável gole no copo de cerveja, enquanto "Pituca" sacudia a cabeça negativamente.

Adalvino acabava de chegar em casa. Já se passava das 21h00min Samira estava no fogão preparando o jantar. Abraçou a esposa e a beijou no cangote, quando de repente, ela se afasta friamente do marido:

- Cadê as castanhas que você disse que ia comprar Adalvino? – Perguntou Samira desconfiada, e não olhando Adalvino nos olhos.

- Qui cabeça essa minha, Isquici! Me perdoe minha flôr; amanhã me lembra di comprá.

- Há é... Quer dizer que para comprar as castanhas você se esqueceu. Mas de encher a cara no bar, isso você lembrou né Adalvino?...

- Num vô minti não... No caminho eu incontrei cum "Pituca" e ele me chamou pra bebê uma "gelada". Foi só isso.

- Há é?... E esse cheiro de perfume de puta que você tá, é do "Pituca" também?

- Olha... Eu só saí pra bebê uma cerveja! "Pituca" é qui tava cum umas moças, deve di sê por isso qui eu tô cum esse chero.

- Ta bom... Acredito em você! – Disse Samira, com ar de cinismo.

- Mais eu tô falando a verdade mulé! Eu só bebi um pouco. Num tava cum puta ninhuma não!

- Ta bem! Vou fingir que acredito, ta bem assim...

- Eu vô tomá banho. Assim eu num fico ouvindo um monte di merda na minha cabeça.

Samira calou-se. Continuou preparando o jantar, enquanto Adalvino saiu da cozinha invocado.

Enquanto isso, na casa de Javier González estava o delegado Claudio Bezerra e dois agentes federais corruptos. Os três estavam sentados no sofá, enquanto o patrão mexicano colocava duas pedras de gelo em seu copo, e depois enchia o mesmo com wisk. Os dois policiais estavam na casa do traficante internacional, para negociarem propina, para facilitar o transporte aéreo de duas prostitutas, e dois rapazes que levavam cocaína no estômago, para os Estados Unidos. O patrão mexicano se sentou no sofá, enquanto o delegado Claudio Bezzerra apresentava os dois agentes federais corruptos, que trabalhavam no aeroporto de Cumbica (Guarulhos):

- Esse daqui é o Josias doutor. – O policial levanta do sofá e aperta a mão direita do mexicano. O delegado apresenta o outro agente que faz o mesmo.

- "Vou direto ao assunto. O valor que eu pago a vocês, é doze mil dólares iniciais pra cada um. Verão o resto do dinheiro, quando tiver certeza que minha mercadoria conseguiu embarcar sem nenhum problema. Estão vendo aquele homem ali?" – Javier Gonzalez apontou o dedo indicador para um homem que estava em pé diante deles. O agente sacode a cabeça afirmativamente:

- És com elle que ustedes tiene que pegar el pagamiento. "Germano!"

- "Pois não senhor?"

- "Entrega uma parte do pagamento, aos senhores policiais". – Ordenou o patrão mexicano, enquanto o capanga tirava do bolso um maço de notas prensadas em um elástico de borracha, contendo em cada um dos maços doze mil dólares. O policial pega o dinheiro das mãos do capanga. Entrega um maço de notas para o parceiro e fica com uma parte; e os dois conferem seus dinheiros sentados no sofá.

- Tudo certo doutor! – Disse o agente, se levantando do sofá e colocando a sua parte do dinheiro no bolso. – Do que depender de nós, as vadias e os dois camaradas, embarcam; sem problema!

- Foi um prazer fazer negócios com vocês! – Disse Javier sorrindo, apertando a mão de um policial e fez o mesmo com o outro. – "Germano: acompañe los tiras até la puerta".

O motorista, que também era mordomo, de Javier González acompanhou os dois agentes corruptos até, a porta. Vendo que os agentes já tinha ido imbora, Javier Gonzalez murmurou para o delegado corrupto:

- "Você enlouqueceu de vez? Como é que você trás dois agentes federais pra dentro da minha casa, que eu não conheço?! E se os dois forem dois agentes infiltrados!"

- Fica tranqüilo doutor Javier. Os dois aí são gente boa! São mais sujos que latrina de puta... Já trabalharam comigo antes de virarem federais; não vão dar com a língua nos dentes.

- Si tiver la mi engañas, "eu acabo contigo delegado!" pero tengo otro asunto al tratar contigo... "É certeza qui o "Paraíba" já deve ter voltado de viagem. Pegue-o e descubra o que ele sabe do disquete, e pra quem ele trabalha.

- E quanto ao cúmplice dele, o Wagner?

- "Se ele estiver por ali, prenda-o também. Será um risco deixá-lo livre, sem saber pra quem eles trabalham. Se for quem eu estou pensando, arranque deles as informações necessárias, depois acabe com os dois".

- Pode deixar doutor Javier. Amanhã mesmo, o "Paraíba" vai ver o sol nascer quadrado. Ele e o "trombadinha" metido a traficante.

- Aquí tienes una parte del pagamento". – O patrão mexicano entrega um pacote, contendo muitas notas de dólares. O delegado não confere o dinheiro. Apenas olha dentro do pacote e depois aperta a mão direita de Javier González:

- Terás lo resto, cuando tiver certeza que lo "Paraíba" y lo su amigo tiñeren en sus mãos.

Em uma tarde, por volta das 12h00min estava Adalvino e "Pituca" fumando uma pedra de crack no cachimbo. De repente, como que se aparecesse do nada, o camburão da polícia rapidamente vira na rua, que ficava a casa de Adalvino e de "Pituca". Adalvino e estava com o cachimbo na mão, mas não tem tempo de jogá-lo fora. O camburão freia bruscamente na guia da calçada. O delegado e os policiais colocaram as armas para fora, e anunciaram a abordagem de forma bastante enérgica:

- Polícia! Levanta os dois na manha, com as mãos na cabeça! Vai! Demorou pra vocês levantarem, vamo!

- O primeiro que se mexer, vai levá uma bala no meio das costas! Ninguém tenta a se meter a engraçado aqui não! – Alertou o policial apontando a arma, enquanto o outro policial revistava Adalvino, e logo iria revistar "Pituca".

- Tem um flagrante aqui doutor! – Anunciou um policial, após pegar o cachimbo que estava jogado no chão.

- O quê? Esta merda aí? Isso daí não vai dar em nada, pra esses dois vagabundos. Dentro aí da casa, que é a boca de fumo; é lá dentro que tá a muamba.

- Hei "Paraíba". Estamos com um mandado de busca e apreensão, pra entrar na sua casa. Se tem alguma parada que você deve, é melhor falar agora; por que se eu encontrar alguma coisa lá em cima, a situação vai ficar preta pro teu lado...

- O sinhô num é dotôr da lei? Por modi di quê qui tu memo num procura? – Retrucou Adalvino, em tom desafiador. Neste exato momento, um policial se enfurece, quase agredindo o jovem paraibano:

- Abaixa a crista aí caboclo! Você não está falando com nenhum dos seus amiguinhos não, você ta falando com polícia!

- Deixa Ricardo... Vamo vê se o "Paraíba" vai cantar de galo, na hora que chegar à DP.

Quatro policiais, e mais o delegado subiram as escadas indo em direção a entrada da casa, enquanto os outros três ficaram vigiando Adalvino e "Pituca". Demoraram em média quinze minutos, depois desceram. Um deles estava carregando nas mãos, um enorme saco de lixo. Samira Tallaf ia acompanhando os policiais até Adalvino:

- Vocês estão presos em flagrante... Por tráfico de entorpecente, e falsidade ideológica. Ricardo; algeme os dois elementos aqui!

Enquanto Adalvino estava sendo algemado pela polícia, Samira deu um passo à frente de Adalvino:

- O que você fez? – Murmurou Samira séria. Adalvino ficava em silêncio e de olhos baixos. – O que foi que você aprontou? Me responda seu desgraçado!, Por que a policia ta te levando preso?! Você mentiu pra mim! – Dizia Samira, dando fortes tapas no braço de Adalvino, enquanto "Pituca" estava sendo algemado.

- Pode levá os dois!

Entraram no camburão. O policial fechou então a porta traseira, e os policiais entraram no camburão. Ligaram a sirene e saíram indo em direção a delegacia.

Na entrada da delegacia, muitos jornalistas que tiravam fotos de "Pituca" e Adalvino sendo levados pelos policiais. Havia também uma jovem repórter que queria entrevistar Adalvino e "Pituca".

Em seu luxuoso palácio, Javier González assistia o telejornal dando a seguinte notícia: - "Dois traficantes, possíveis lideres de uma quadrilha foram presos hoje, na capital paulista, na região central da cidade. Na casa de um dos traficantes foram encontrados: Uma pistola trezentos e oitenta; muita munição e mais sete quilos de crack; dez quilos de cocaína, e mais dez mil dólares em dinheiro. Os dois traficantes usavam documentos falsos, e irão responder também por falsidade ideológica. Segundo o delegado Claudio Bezzerra, os dois traficantes presos, supostamente podem ter ligação com o tráfico internacional de drogas". – O patrão mexicano, ria e batia palmas para ele mesmo. Depois pegou o controle remoto e desligou a televisão vinte nove polegadas.

A reportagem, já havia ido imbora. Adalvino estava na sala do delegado com as mãos atadas, e escondia a cara na parede. "Pituca" estava à direita de Adalvino, e também escondia o rosto na parede:

- Ricardo; você já viu passarinho falar?

- Acho que não doutor.

- Pois hoje você vai ver o passarinho abrir o bico! Vamo botá o galo pra cantar, vamos! Leva o "Paraíba" pro "confessionário". Ali ele vai ver até Tomé rezando.

- É pra já doutor. Vamo andando!

Do corredor da delegacia ouve-se um forte tapa em cima de uma mesa de madeira. Dava para se ver do lado de dentro da sala, Adalvino completamente nu; estava algemado para trás e estava em pé, em cima de um livro. O delegado Claudio Bezzerra acende um cigarro Bafora a fumaça na cara de Adalvino. Um policial estava à direita de Adalvino; e o outro, estava a sua esquerda. Assim era o início do interrogatório:

- Eu tô aqui com a finalidade de facilitar as coisas pro teu lado "Paraíba"; é bom começar a colaborar com a gente! Sabemos que aquelas drogas encontradas na sua casa, não pertencem nem a você, e nem a seu sócio. Indo direto ao ponto "Paraíba": Pra quem vocês trabalham? Quem é o patrão?! – Indagou o delegado, aumentando a tonalidade de voz.

- É sua mãe, aquela quenga! – Retrucou Adalvino, que neste exato momento, leva do delegado um violento soco na orelha direita.

- Isso é só pra você lembrar, que você ta numa delegacia; e aqui não tem lugar pra herói metido a marrento não! De quem que é a "branca" rapaz?! Aqueles dólares... Quem te pagou? Era pra vender, ou pra transportar a da pura?

- Num trabalho pra ninguém não moço. Se tu encontrou na minha casa, é porque ela é minha. É só isso qui eu tenho pra lhe dizer moço.

- Há é... E os dólares? Alguém te pagou aqueles dez mil dólares, quem foi?!

- Foi sua mãe aquela quenga!

O delegado trocou olhares com o investigador. O investigador deu um chute no saco escrotal de Adalvino. Depois Adalvino foi erguido pelos cabelos, e já estando em pé, levou nas orelhas aquilo que chamamos de "telefone":

- Você ta dificultando as coisas garoto. Estamos lhe dando uma chance... Se você nos disser quem é o é o patrão, você vai sair por aquela mesma porta que você entrou. Se não colaborar com a gente, poderá ficar muitos anos na "gaiola". Vou facilitar ainda mais às coisas pra você garoto. Já encontramos os dez mil dólares... E onde está o disquete?, Está na mão do seu patrão misterioso?

Adalvino franziu a testa:

- Eu sei lá qui diabo é isso homi!

- Você sabe sim. Suponho que esses dólares, foram roubados por você e o outro comparsa que veio junto com você aqui pra São Paulo. Onde está o disquete caboclo?! – Perguntou o delegado gritando e batendo com avidez na mesa.

Adalvino sorri para o delegado e nada responde. Um policial deu uma forte pisada no seu dedão do pé direito. Depois deu um violento soco na orelha:

- Abre o bico malandro! Quem que é gringo dono da "branca?" É com ele que está o disquete?! – Indagou o policial gritando.

- Num sei do quê tu tá falando!

- Falsificou documento por quê? Pra se esconder da polícia?

- Pra me iscondê di gente bandida feito você! – Retrucou Adalvino, dando depois uma cuspida na cara do delegado. O delegado passa raivosamente a mão pelo rosto para limpa-lo. Depois deu um soco na boca do estômago de Adalvino Batina. Adalvino encolhe de dor; o policial ergue Adalvino pelos cabelos, e o jovem retirante leva outro soco na barriga; desta vez com mais força. É arrastado para as proximidades de um vazo sanitário. Ali chegando, é obrigado a se ajoelhar no chão. O policial afoga a cabeça de Adalvino naquela privada entupida. Deixa por alguns segundos, depois puxa Adalvino segurando-o pelos cabelos. O delegado volta a indagar:

- O seu silêncio não vai te levar a nada "Paraíba!" Acha que o seu chefe está se importando que você está preso?... Por ele, você ficará a vida inteira trancafiado na "gaiola" rapaz! Tem uma chave pra sua liberdade: mostra pra ele...

Um investigador tirou do bolso um disquete de computador, e mostrava o mesmo para Adalvino:

- Está vendo "Paraíba?" Aquela peça que ele está lhe mostrando, está com você? Deu ela pra alguém? Jogou fora? Você estava vendendo aquelas drogas, a mando de quem malandro?!

- Eu sei lá do quê qui tu tá falando sua peste! – Retrucou Adalvino apertando os dentes, pela dor da forte puxada de seus cabelos.

- Pensa bem garoto... Se você colaborar com a gente, a gente abafa o seu caso. Você vai imbora daqui e a gente te deixa em paz! É só me dizer o nome do seu patrão... Nos falar um pouco do disquete; da maleta com os dólares.

- Se tu e estes daí, pegou tudo isso cumigo, é porque é meu! Eu num tenho chefe, por modi qui quem tem chefe é índio! E tu e estes daí, num tem nada havê cum isso!

O delegado apaga o toco de cigarro, na orelha de Adalvino, que estava ajoelhado no chão. Adalvino gritou de dor. Mais depois teve um acesso de gargalhadas em tom provocativo:

- Tira esse cara da minha frente! – Ordenou o delegado nervoso.

- Vamo bora malandro! – Disse o policial erguendo Adalvino pelos cabelos, e em seguida conduzindo Adalvino para fora daquela sala.

Poucos minutos depois, estava na sala onde ia ser interrogado pelo delegado, Wagner Varela (Pituca). Também estava pelado, algemado para trás; e estava em cima de um livro:

- Wagner Varela! O bom filho sempre volta pra casa! Seu nome é bastante conhecido na polícia hein malandro! De quem você vai segurar a "bronca" desta vez? Não se esqueça que você já é maior de idade; já vai direto pra "gaiola!" Você está sendo acusado de tráfico de drogas e formação de quadrilha, e falsidade ideológica. O que você tem a nos dizer sobre isso?

- Desconheço essas idéia autoridade.

- Não foi o que disse o "Paraíba"... Ele disse que às drogas encontradas na casa dele, pertencem a você. Ele ta querendo se livrar da culpa. Ta querendo jogar tudo na suas costas! Agora vamos ser honestos... Cansei de te ver ali na Praça João Mendes baforando cola; cansei de te prender quando era menor, batendo carteira dos outros na rua. Como que um cucarácho como você, se tornou de repente, dono dos pontos de vendas de drogas aqui do centro? Tem um magnata forte, por trás de você, quem é ele?

- Desconheço essas idéia malandragem! Eu quero usar o telefone. Eu tenho meus direitos morô... Só vô falar alguma coisa, na presença do meu advogado!

- Mostra o telefone pra ele Ricardo.

O Policial deu aqueles tapas cruzados nas orelhas de "Pituca"; aquele tapa, conhecido por "telefone":

- Você não tem direito nenhum aqui rapaz! Aqui você fica de bico fechado, é só me responda o que eu te perguntar, seu bosta! Fale-me um pouco dos dólares, encontrados na casa do seu amigo: O "Paraíba".

- Não sei nada sobre o que ele faz, ou que ele deixa de fazer da vida dele.

- Mas vocês são sócios no bar. Moram em casas vizinhas... Muito estranho você não saber o que ele faz, ou deixa de fazer da vida dele. Estamos querendo facilitar às coisas pro seu lado... Não foi nada encontrado na sua casa; mais o "Paraíba" alegou em seu depoimento, que você pediu pra ele guardar as drogas e os dólares dentro da casa dele. Não foi mesmo Ricardo?

- Quem tem um amigo desses doutor... Não precisa de inimigo. Ele negou tudo; todo tempo ficou jogando corpo fora. – Afirmou o policial ao lado, com os braços cruzados.

- Olha aí, ta vendo? Ele também me contou que não sabe por que cargas da água, você guarda um disquete, junto com os dólares que ele jura que pertencem a você... Que disquete é esse?

- Não sei do que você ta falando autoridade.

- Todo mundo que vem parar aqui, sempre diz a mesma coisa, não é mesmo Ricardo? – Comentou o delegado rindo. – O que é óbvio, é que o seu amigo quer te fuder. Se você nos der o nome de quem ele trabalha... E nos falar sobre o disquete; você estará livre. Ou você vai querer "abraçar" toda autoria dos fatos? Ser trouxa tem limite rapaz. O seu amiguinho não agüentou muito a pressão; no primeiro tapa que levou, chorou que nem criança, e se duvidar entregaria até a mãe. Enquanto você vai ficar na "gaiola", o "Paraíba" estará em liberdade rindo da tua cara. Eu quero o nome do magnata seu imbecíl! Dê o nome do magnata e deixa o "Paraíba se fuder sozinho.

- Eu não tenho nada pra te dizer não malandragem!

- Sendo assim... Nos veremos nos tribunais Wagner Varella! Levem-no daqui.

Dois policiais conduziram "Pituca" para fora da sala. Cinco minutos depois, um policial conduziu "Pituca" e Adalvino para a carceragem. Os dois estavam algemados para trás, e por onde passavam os presos assobiavam e fazia muito barulho. O carcereiro parou. Abriu a carceragem, onde havia um homem sentado no chão. Tirou as algemas de Adalvino e o empurrou para dentro da carceragem. Depois foi a vez de "Pituca". Trancou a cela e foi imbora:

- Como é qui foi lá? – Indagou Adalvino segurando nas grades. "Pituca" virou os olhos para Adalvino e respondeu, com seriedade nos olhos:

- Tão querendo jogar um "verde" em cima de mim, ta ligado... Tão tentando me fazer acreditar que você me cagüetou, e que quer jogar toda a responsa do bagulho nas minhas costas.

- É mintira daquele safado! Ele tá é tentando jogá tu contra mim!

- Eu não sei... Aqui é macaco véio mano! Vou caí na de polícia?! Lembra quando eu te falei dos caras, que vieram atrás de você lá no bar; e logo depois apareceu esse delegado aí?

Adalvino sacudiu a cabeça afirmativamente, mas sem olhar para "Pituca":

- Não te falei que aquela parada, tava sinistra demais pro meu gosto?

- Falou.

- É essa "fita" aí malandragem! O homem me interrogou, e queria de qualquer maneira saber de um disquete de computador.

- Eu qui o diga! Tô cum as orelha quentinha, porque esse homi cismôu cum este tal disquete!

- Bateram muito em você?

- Apanhei qui nem vagabundo rapaiz! A única coisa qui faltou o homi fazê ne mim, é tortura di guerra...

- Só tomei um "telefone", que até agora eu tô surdo malandro!

Adalvino vira de costas a grade para espreguiçar, e surpreende com vira os olhos para o homem, que estava sentado no chão da carceragem:

- Meu cumpadi padi Cícero! – Murmurou Adalvino surpreso. – Eu cunheço aquele cabra sentado ali, "Pituca!"

"Pituca" vira a cabeça em direção a Adalvino Batina. Olha o nos olhos, depois olha de rabo de olho, aquele homem sentado na parte mais escura da carceragem. O homem aparentava ter quarenta e cinco anos de idade. Tinha pele negra e havia muitas escoriações pelo seu rosto. Suava excessivamente; balança pra frente e para trás, mas não dizia nenhuma palavra; e o homem estava barbado, e com uma roupa rasgada e suja:

- Meu deus... É o Gilberto! – Murmurou Adalvino, que depois caminhou alguns passos em direção ao homem sentado no chão, que estava em posição de lótus:

- Gilberto... Tá lembrado di mim? Sô eu, Adalvino Batina...

O homem parecia um bicho sentado naquele chão. Virava os olhos para Adalvino, mas nada respondia. Adalvino se agachou e insistiu:

- Aquele qui há uns três ano atráis, fugiu junto di tu daquela usina... Num se alembra não homi?

O homem apertava os olhos e permanecia mudo. Parecia um feroz animal silvestre assustado, encarando Adalvino como se viesse atacá-lo para se defender. Adalvino perde a paciência e gruda no colarinho do pobre e fragilizado homem:

- Sua peste!, Me responda porra! Tu tá lembrado di mim, ou num tá?

"Pituca" assiste toda a cena de perto das grades, e logo interfere na atitude de Adalvino:

- Hei... Deixa ele! O que você ta fazendo? Ta maluco?

- Este cabra daí, há di sê a única isplicação pra tudo isso qui tá acuntecendo.

- Esse cara aí, deve ser algum mendigo cachaceiro, que estava jogado na rua, e eles trouxeram o maluco pra cá, pra ele comer e dormir e depois mandá-lo imbora. Mas quem é Gilberto, e o que esse cara tem haver com ele?

- Gilberto é o cabra qui fugiu cumigo daquela usina di cana, qui a gente trabalhava como iscravo. O qui me dexa incacutado, é qui Gilberto sabia dimais sobre as coisa qui rolava lá dentro. Alguma maldade, algum filho di uma má cria feiz pra ele. Parece qui ficou meio qui desembestado das idéia!

- Olhando pra ele, acho que ele sempre foi! Olha pra ele... Fica balançando de um lado pro outro; não diz absolutamente nada.

- É isto qui eu tô achando muito estranho... Por modi di quê Gilberto ficou abestalhado? O qui ele tá fazendo aqui, homi di deus?...

Houve um breve silêncio e de repente, o homem começar a soltar fortes gemidos, e começa a tossir uma tosse escandalosa e pigarreante, parecida com a de um tuberculoso; e ao mesmo tempo, parecia que estava sufocado. Adalvino caminha em direção ao homem, para tentar ajudá-lo:

- Você está bem Gilberto? Qué qui eu chame o carcerero?

O homem soltou um seco grito. Caiu de costas no chão e começou a ter um chilique:

- "Pituca!", Grita o carcerero aí, pelo amôr di deus!! Agüente firme homi! – Dizia Adalvino, ao homem que estava tendo um ataque epilético no chão. O homem espumava pela boca e seus olhos até viravam. – Chame o carcerero "Pituca!"

- Eu já chamei! Parece que ele não ta aí.

"Pituca" caminhou em direção ao homem e Adalvino. E o homem havia parado de se mexer:

- Tarde demais.

- Do quê qui tu tá falando criatura! Vá lá gritá o carcerero!

- Teu amigo já era malandragem! Ele tá morto. Se tivesse uma colher, ou qualquer outro objeto pra segurar a língua dele, talvez ele tivesse sido salvo.

- Lástima! – Exclamou Adalvino. – Tenho certeza qui isto foi coisa daquela usina. Morreu invenenado, o pobre!

- O que ele teve foi uma overdose, isso sim...

- Qui overdose o que! Ele foi invenenado!

- Eu sei do que eu tô falando! Esse "maluco" aí morreu de overdose malandragem! Esse "maluco" enrolou a língua. Por isso que ele morreu. É só você olha na veia, de um dos braços dele. Deve ta cheio de marcas de "pico!" Sabe por que eu sei? Cansei de tirar a Luana desse tipo de situação malandro.

Houve um silêncio. O carcereiro abriu a carceragem. Dois funcionários entraram na carceragem com uma maca. Os funcionários colocaram o corpo do defunto na maca, e carregaram o mesmo para fora da cela. O carcereiro trancou a carceragem, e seguiu junto daqueles dois funcionários que carregavam a maca. Quinze minutos depois, ele apareceu empurrando um carrinho, que transportava as marmitas dos presos: as chamadas "Quentinhas". O Carcereiro bateu com o cacete nas grades. "Pituca" dirige-se até as grades, e pega uma "quentinha nas mãos e passa para Adalvino. Depois pega outra pra ele:

- Viraram estrelinhas mesmo, não é?... – Ironizou o carcereiro entregando um jornal para "Pituca". – Suas fotos saíram no jornal; ta no Brasil inteiro!

O carcereiro foi imbora em empurrando o carrinho, para entregar as marmitas nas outras carceragens. Adalvino colocou a marmita no chão e pegou o jornal, que estava sua foto e a de "Pituca":

- "Lideres de quadrilhas de traficantes da "cracolândia", foram presos ontem pela polícia... A polícia suspeita, do envolvimento de Wagner Silveira De Jesus Varella, e Adalvino Clementino Virgulino Batina com quadrilhas de criminosos internacionais" – Leu Adalvino em voz alta.

"Pituca" abriu a "quentinha", e já estava pronto para comer, com um talher improvisado. Mas Adalvino Batina arrancou a marmita da mão de "Pituca" e jogou-a no chão:

- Qual é o seu problema? – Perguntou "Pituca" surpreso.

- Isto pode tá invenenado! – Supôs Adalvino.

- Mais que envenenado o que! Ta louco?

- E do quê qui tu acha qui Gilberto morreu?

- O seu amigo tinha um problema sério com drogas. Esquece essa parada, que o "Maluco" foi envenenado!

- Por modi di quê qui tu num come intão? – Desafiou Adalvino.

- Porque você fez o grande favor de jogá-la no chão! Aliás... Por que será, que a gente ta passando por isso?... Por vacilo seu! O quê que eu te falei outro dia? Os "canas" vai invadir o teu "barraco"... Vai encontrar os dólares junto com as drogas; e merda vai ser jogada no ventilador! E o quê que aconteceu?... Até disquete apareceu nessa estória! E sabe qual é a encrenca maior? É que agora a gente até endividado até o pescoço com o meu padrinho! Aquela "branca" que os home pegou na sua casa, não era nossa malandro!

- Tá certo... Eu vacilei! Eu ia levá pra um lugar seguro, mais num deu tempo porra!

- A gente tem que dar um jeito desse puto desse delegado, deixar a gente usar o telefone pra chamar algum advogado. Logo, logo, a gente vai acordar lá no cadeião de Pinheiros.

- A gente vai acordá é cum a boca cheia di furmiga, se a gente num saí logo daqui!

Houve um silêncio. Adalvino se sentou em um canto, encostou-se a uma grade e acendeu um cigarro. "Pituca" deitou-se naquela cama de alvenaria sem colchão, e decidiu tirar um cochilo. Minutos depois, já havia caído no sono e acabou dormindo. Adalvino ficou acordado. Decidiu se levantar para esticar o corpo, e quando olhou na cela vizinha, teve a visão daquele velho insano daquela usina. A cela era iluminada com uma lamparina que estava na mão do velho. Ele usava uma roupa listrada, semelhante aquelas que usavam os "Irmãos metralha". Tinha presa em um dos pés, uma bola de ferro, que estava presa a uma corrente. E o velho insano se expressava como se tivesse em um espetáculo teatral:

- "Um lobo ferido de cobra criada! Eis em uma jaula

Onde é a principal caça... De contos de fadas, a bruxas

Malvadas! Caça de índio, caça de "dráculas"; de morte

Morrida a morte matada! De contos de fadas, a bruxas

Malvadas!

Em alcatéia de ovelhas negras, a rebanho de "lobocratas";

De jogo pra jogo, ou jogo de cartas... De contos de fadas, a

Bruxas malvadas!

Seu sangue sugado por "dráculas"; lembranças das heranças

De lástimas! O veneno agora lhe possui a alma; o Espírito lhe empobrece o corpo.

De mágoas há dias a mágoas marcadas...

De contos de fadas a bruxas malvadas; de lobo ferido a serpente criada".

- O velho insâno cai novamente em um acesso gargalhadas, rindo da situação de Adalvino. Mesmo com uma bola de ferro presa em um dos pés, o velho ainda dançava como se tivesse se divertindo. Adalvino arremessa a "Quentinha" naquele velho, que mais parecia um Papai Noel vestido com roupas de presidiário:

- Vá atentá a mãe sua peste!

E o velho desapareceu aos olhos de Adalvino; e sua risada, sumia como se fossem ecos. "Pituca" acordou repentinamente, e olhava para Adalvino, com certa estranheza. Adalvino estava sentado em um canto. Vendo que o rapaz o encarava, virou os olhos para "Pituca" e questionou:

- Qué qui foi? Virou minha putinha agora é?...

- Não... Só gostaria de saber se essa doença é contagiosa, malandragem?...

- Qui duença?

- Nada... Deixa eu dormir que eu ganho mais! Vê se não faz barulho!

Houve novamente um silêncio. Adalvino deitou-se no chão e também decidiu tirá um cochilo. O sono não lhe vinha, dormindo no chão daquela cela fria. Mas ao menos, tentava fazer vir o sono.

O jovem sertanejo, agora, estava cercado pelas peças inimigas. Terá de tomar muito cuidado, pra qual casa jogará o seu rei; caso ao contrário xeque mate!


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

O labirinto é a única saída

Fútil... Dar murros em pontas

De facas é sempre uma idéia

Inútil.

Não mexa em colméia de abelhas!,

É o aviso mais útil...


CAPITULOXII, ÚLTIMO CAPITULO...

SÃO PAULO, AGOSTO DE 1999...

No corredor escuro onde ficavam as carceragens, vinha o carcereiro. Bateu com o cassetete nas grades da cela em que estavam Adalvino e "Pituca":

- Acorda aí! Cadeia não segura vagabundo mesmo... Já podem arrumar coisas. Estão soltos.

Adalvino e "Pituca" trocavam olhares, sem entenderem o que estava acontecendo. Arrumaram as coisas e seguiram junto do carcereiro, até a sala do delegado. Lá chegando, quatro advogados estavam as suas esperas:

- Doutor Juan Soarez, mandou-lhe um recado delegado Claudio Bezzerra: Ele quer agradecer pela sua gentileza, e está lhe convidando para ir relaxar em qualquer uma de suas casas de massagem, por conta da casa! – Disse um advogado, antes de ir imbora.

- Que isso! É um prazer negociar com o senhor Juan Soarez.

E o delegado foi corrompido por belíssimas e as mais caras prostitutas; e mais cinqüenta mil dólares: vinte e cinco mil "Pituca" e vinte cinco mil Adalvino Batina.

Os dois rapazes foram levados a uma das luxuosas boates de Juan Estebam Soarez. Dirigiram-se até a uma mesa, bem aos fundos da boate. Estavam sentados nas cadeiras Juan Soarez e seus sócios. Bem ao lado, havia um palco, onde umas garotas faziam strip-tease. "Pituca" segue em direção a Juan Soarez. Ajoelha-se diante dele para tomar a benção e pedir desculpas, falando em castelhano:

- "Perdón padrino! Mil perdón señor... Prometo que esa cena, no vas más se repetir".

- Cale-te! Jo chamei-vos aqui, pra avisá-los que vão ter que compensar o prejuízo de mais de cem mil dólares que vocês me deram: Tu Wagner, irás trabajar em uma das minhas boates aqui no Brasil, até compensar todo o prejuízo. Irás, gerenciar as garotas. Deixe as drogas com os "laranjas". Já causaste problemas demás com a policía. E tu rapaz, irás amanhã bem cedo, viajar para a Colômbia buscar as cápsulas e trarás no seu próprio estômago. Se um de vocês falharem, desta vez eu acabo com os dois, com minhas próprias mãos! É só isso. Estão dispensados.

Já estando em sua casa, Adalvino estava sentado na cadeira da mesa da cozinha, e ia embalando as pedras de crack, que iam ser vendidas. Samira Tallaf estava ali em pé, olhando pra ele:

- Quando será que você vai parar com essa porra? Você devia ao menos, respeitar a minha casa!

- Só tô querendo dá um jeito di vendê tudo isso daqui! – Retrucou Adalvino, olhando para Samira, com rabo de olho. – Acareço di dinhêro pra modi di voltá pra minha terra!

Samira arranca o colar de pérolas do pescoço e arremessa na cara de Adalvino Batina:

- Pega essa merda, e enfia no seu cu! – Disse Samira com um tom agressivo na voz, e em seguida, tirou a aliança do dedo mindinho da mão esquerda, e jogo-o na mesa.

- Ficou doida é mulé?

- Eu quero me separá de você. Quero que você saia da minha casa, o mais rápido possível! Não nasci pra ser mulher de bandido; muito menos de viciado.

- Eu já disse que assim qui eu terminá di vendê a mercaduria, eu vô se imbora pra minha terra! Vô podê voltá pra lá di cabeça erguida, e pra meus irmão e mais mainha, vô podê dá uma vida digna. Ninguém vai mais passá sede, nem barriga vazia. É pra lá qui eu vô terminá meus dia!

- Tô cagando e andando pra onde você vai! Desde que seja longe de mim e dos meus filhos, você pode ir pra onde você quiser... Um belo desgosto dará pra sua mãe e sua família, né Adalvino? Veio aqui pra São Paulo e virou traficante... Um traficante de merda! Vivi sendo perseguido pela polícia e por tudo quanto é espécie de bandido que tem por aí... Que orgulho dará pra sua mãe! – Falou Samira, com um tom de ironia e franzindo a testa. – Quanto aos seus filhos, jamais chegue perto deles. Eles terão vergonha de você, jamais voltará a vê-los!

- Vá pro inferno Samira, Eles são meus filho toméim! – Retrucou Adalvino, que estava agora municiando o carregador de uma pistola.

- Se você chegar perto dos meus filhos, eu entrego você pra polícia! Eu desgraço com a tua vida. – Ameaçou Samira.

Adalvino levantou-se repentinamente da cadeira, e depois grudou nos cabelos de Samira, puxando-o com força:

- Me solta! – Ordenou Samira raivosa.

- Me solta o caralho! Ouça bem o qui eu vou lhe dizê: nunca bati em mulé na minha vida, mais no teu caso eu posso abri uma exceção. Se tu me intregá pros home, lá di dentro do xadreiz, eu mando acabá cum tua raça! – Dizia Adalvino olhando nos olhos de Samira, e encostando o cano da pistola no rosto da mesma. - Isso se eu num fugi di lá, e eu memo me incarregá di fazê o sirviço!

Ainda com as mãos grudadas no cabelo de Samira, Adalvino tirou abaixou a pistola, depois começou a beijar Samira à força. Via-se uma cena típica de amor bandido; apesar do jovem casal estarem se odiando um ao outro, ainda sobrava alguma brasa do fogo, que ardia nos corpos dos dois. Samira começa a beijar Adalvino calorosamente. Adalvino tira-lhe a blusa, deixando-a apenas de sutiã. Depois ergue a moça, colocando-a em cima da pia da cozinha e começou a beijar o corpo de Samira. Minutos depois, via-se uma calorosa cena de sexo, onde o ódio transforma-se em prazer.

Enquanto isso, na casa de Javier González, estava o delegado Claudio Bezzerra tomando wisk escocês; e estava um clima de desconfiança no ambiente:

- "Quieres gelo no su wisk delegado?" – Perguntou Javier González falando em castelhano, enquanto Claudio Bezzerra estava sentado no sofá, de pernas cruzadas.

- Não muito obrigado.

- "Entonces, quieres díceres que lo "Paraíba" y lo amigo escaparas del cadena?" Estañó vivos los desgraciados?!" – Perguntou o mexicano, aumentando a tonalidade de voz.

- Isso mesmo, doutor Javier. Teve uma rebelião na cadeia, e nos não podemos evitar a fuga deles, e dos outros presos. Mas os retratos falados dos dois, já estão em todas as delegacias da capital; logo eles serão recapturados. Se quiser eu tenho alguns informantes,que podem fazer o serviço sujo no lugar da polícia. São de confiança meu nobre colega... São do tipo que não larga merda pra trás pra gente limpar.

- "Sabes delegado...! Se tienes una cosa que Jo no admito es trapaza! Lo traidor caspia El plato en que cumeu, y teres que pagar uno preso mucho caro por eso! Tienes la candidatura política, que acabôu Del es correr-se pelo ralito; lugar del ratos, cuja la propia sombra desconfía; La propia alcatifa, excomulga!!

- E o senhor já sabe quem o traiu doutor Javier?

- Estás bien el mía frente. Germano!, Miguel! – Os dois capangas se aproximam até a sala: - "Mostréis parra lo ex-delegado, La nuestra nova mercadoría".

Os gângsteres seguram o delegado cada um por um braço. Logo aparece um terceiro, com uma seringa em uma das mãos:

- "Mi traites por causa del unos dólares e unas puchas, pagarás mucho caro por eso! espión de Juan Soarez! Lambe botas Del colombiano.

- Doutor Javier, pelo amor de deus! Seja lá quem tenha dito essa calunia ao senhor, é mentira! Vamos conversar, por favor! – Implorou o delegado corrupto, sendo segurado pelos seguranças.

- Te calas! – Gritou irritado o patrão mexicano. – "Eras tu que estás vendiendo informaciones para Soarez y atrapañando mi negócios. Entregou lo euro para los inimigos. Ágora serás cobaya, del nuestra nova mercadoría no mercado. Delegado Claudio Bezzerra: Traidores me dar náuseas, portanto Jo o sentencio La muerte! Maten ese verme, de uña forma que deje su moral ejemplar ni policía!

Javier González fez um sinal com a cabeça. Um dos capangas ergueu a manga da camisa do delegado e injetou na veia do seu braço direito, uma alta dosagem de cocaína pura. Depois desvencilharam do delegado, jogando-o no sofá:

-Terán una muerte digna del uno traidor delegado! Estará muerto en poquitos segundos. Más jo puede ayudar La amenizar a su agonía"... Será enterrado con honras. – Debochava o patrão mexicano, dando risadas. Acendeu um charuto, deu uma forte baforada e acrescentou em português: - "Isso se encontrarem seu corpo".

O patrão mexicano tirou da cintura uma pistola do século XIX e disparou um tiro na testa do delegado:

- "Enrolen-no cárpete e leven-no laqui! Joguem o cuerpo dese carcamano en Pinheiros. Es una peña Jo tienes qué mí desfasar del mi cárpete marroquino, de cincuenta mil dólares!"

Os capangas enrolaram o tapete no corpo do delegado, e depois iam carregando-o para longe da sala do palácio.

Indo ao encontro marcado, Adalvino e "Pituca" estavam no parque do Ibirapuera. Estavam em um lugar, de frente ao monumento às bandeiras (obra de Victor Brecheret), que ficava do outro lado do lago. Adalvino estava encostado a uma árvore e "Pituca" estava de frente pra ele, fumando um cigarro:

- Eu vim a esse incontro, pra lhe dizê qui eu num vô mais trabalhá pra seu padrinho. Eu tô indo se imbora pra minha terra num sabe... Num vô porra ninhuma pra país gringo ninhum! Num sô, nunca fui, e nem serei cafetão di quenga di traficante!

- Você é palhaço? Me responda uma coisa, você é palhaço?! Quê que você ta achando?... Acha que isso é como se fosse um jogo, que é só dizer: "Não quero mais jogá" e fica por isso mesmo? Se você abandonar o barco caboclo, esses caras manda apagar a gente. É queima de arquivo malandro! Ou você acha que o poderoso chefe do cartel colombiano, vai deixar nós dois vivos, sabendo tudo que a gente sabe? E com dívida com os granfino ainda por cima!

- Tu num sabe nada da vida "Pituca"... Tu nunca viu muleca di dezesseis ano, sendo jogada pra fora do caminhão, só porque ficou duente, ou pidiu alguma coisa pra cumê, porque tava cum fomi! Eu já vi moça apanhá, por se recusá a se deitá cum cachacero, pra modi di dá dinhero pro safado. Já vi moça cum cria dentro da barriga, num se agüentá di trabalhá no sol quente e caí quase qui morta no chão! No meio destas moça, deve di tê uma qui veio do memo lugar que eu vim. Qui tinha um sonho di ganhá algum dinhêro na vida, e tirá a família da miséria; da fomi. E tu qué qui eu faça esse tipo di sirviço? Se eu vim a este incontro, é pra lhe dizê qui eu num vô participá desta palhaçada! E digo mais: eu quero minha parte do dinhero e das droga, qui tá lá no ferro véio.

- Você não vai ver nenhum tostão, nem do dinheiro e nem das drogas! Se você deu vacilo em "rodá" na mão dos home é problema seu malandro! Eu fui esperto, e arrumei um "mocó" seguro pra esconder aquela porra morô... Sem falar que eu vou ter que pagar uma dívida, qui na verdade é sua malandro!

- Isso daí é caminhada errada "Pituca!" A gente era sócio no "pó" e na pedra... É mais qui justo eu pegá minha parte dessa porra...

- Ta bem então! A "fita" é o seguinte malandragem: tem quarenta mil reais naquele galpão; e mais dez quilos da "branca" e da "rocha". Dos quarenta mil, vou dar quinze a você. Das paradas qui tão lá no ferro velho, vou te dar três quilos, tanto do "pó" quanto da pedra! Não tem patifaria nenhuma não morô... É mais do que justo! Não devia te dar nada. Não se esqueça que estamos endividados com os "tios" lá da Colômbia, por causa do seu vacilo malandragem! Agora tu quer abandonar o barco, e me deixar trabalhando sozinho, pra pagar a dívida com o meu padrinho!

- Isso daí num é coisa di homi não "Pituca!" Tu num tá correndo pelo certo! Tu sabe qui eu tenho família, e dois filho pequeno pra sustentá vice... Tu vai fazê o qui é certo. Metade pra mim metade pra tu! Eu fui preso; apanhei qui nem vagabundo lá no xadreiz, e segurei toda a parada sozinho!

- Cada um com seus problema morô! A sua família não é problema meu!

Neste exato momento, Adalvino tirou a sua bainha da cintura e grudou no colarinho de "Pituca" e colocou a lâmina da bainha em seu pescoço:

- Escute bem "Pituca"... Num meta minha família nesta istória. Eu num me isquici da veiz qui tu botôu uma arma na minha cabeça! Num me venha cum caminhada errada pro meu lado não! Tu vai me dá a chave daquele depósito, pra modi deu pegá a minha parte do "baguio". Me dê esta chave criatura...

- Não estou com ela aqui comigo.

- Dexa di bestage homi! Tu está cum esta chave sim. Me dá essa porra, qui eu num quero lhe machucá.

"Pituca" tirou a chave do bolso, e colocou na mão de Adalvino, com certa má vontade:

- Tá aí essa merda! Não precisa dar a minha parte dessa porra não! Nós dois vamos morrer mesmo... E por sua culpa, porra!

Adalvino desgrudou de "Pituca", e abaixou o punhal colocando-o devolta na cintura:

- Num me leve a mal não "Pituca". Só tô fazendo o qui é certo. Pegue a tua parte e te manda pra longe. Mude seu documento novamente e siga a tua vida. Eu ainda espero lhe incontrá por aí e espero qui tu num guarde ninhuma mágoa di mim, num sabe...

- Você vai matar a gente Adalvino! Não tem como fugir desses caras; é o mesmo que dever a alma ao diabo. Vamos ser enterrados como indigentes, sem direito a uma lápide. Isso se encontrarem o corpo da gente morô...

- Adeus "Pituca". Vê se te cuida, e boa sorte.

Adalvino seguiu andando para ir imbora do parque, enquanto "Pituca" estava encostado na árvore. Acendeu um cigarro e ficou observando os cisnes que nadavam no lago do parque.

Já estando em casa, Adalvino estava sentado na cadeira da mesa da cozinha. Estava lendo uma carta que o irmão Fabrício lhe escrevera. A frase que lia, o jovem retirante se emocionava. Samira estava lavando a louça, enquanto Janice e Nassid brincavam no chão da cozinha:

- Pelo jeito o mano saiu do caritó... – Dizia Adalvino feliz, mas chorando de emoção ao mesmo tempo. Continuou lendo a carta. – Já tem inté cria! Eu já virei tio, olha só...

Adalvino dobrou a carta e a colocou no bolso. Depois apanhou Nassid que estava engatinhando no chão. Beijou a testa da criança, colocou-a novamente no chão, e depois pegou a filha:

- Nunca se isqueça qui vocês tem um pai viu minha filha! Ele pode tá longe, mais nunca vai dexá di pensá em tu e mais teu irmão.

Colocou a criança no chão, passou a mão pelos olhos para secar as lágrimas, e dirigiu a palavra a Samira Tallaf, que estava na pia lavando a louça:

- Vô inté o quarto separá minhas roupa. Já vendi a moto. Vô dexá o dinhero pra dispesas das criança.

- Não preciso da merda do seu dinheiro sujo! – Retrucou Samira. – Sei muito bem me virar sozinha!

- Esse dinhero num é pra tu! Assim qui eu resolvê o qui eu tenho di resolvê, hei di fazê uma conta no banco; tanto pra Janice, quanto pra Nassid; tu gostando, ou num gostando! Vô é fazê minha mala qui eu ganho mais num sabe...

Adalvino seguiu para o quarto. Arrumou suas coisas e colocou em cima da cama. Apanhou o seu chapéu de cangaceiro que estava em cima do guarda roupas e o colocou na cabeça. Antes de sair do quarto pegou um porta retrato, em cima do criado em que estava o abajur e, que portava uma foto de Samira Tallaf. Ficou a contemplar por alguns segundos, o retrato da ex- esposa na mão. Depois colocou de cabeça pra baixo. Colocou a mochila nas costas e seguiu para a cozinha:

- Já separei o qui é meu. Vô dá uma saída e dispois eu volto pra modi di buscá o resto das coisa. – Disse Adalvino se referindo a Samira.

Samira terminava de lavar a louça. Passaram-se dez minutos e Samira Olhou para verificar se Adalvino havia realmente havia saído:

- A mamãe já volta viu... – Disse Samira à filha pequena.

Samira trancou a porta da casa e logo se via a moça, dentro da casa de "Pituca". Meia hora se passou e se via uma calorosa cena de sexo, onde Samira estava por cima de "Pituca", que estava deitado na cama. Minutos depois, "Pituca" levantou-se da cama indo em direção ao banheiro. Ligou o chuveiro e entrou:

- Ninguém te viu entrando aqui né Samira? – Perguntou "Pituca" do chuveiro.

- Fica tranqüilo. Não ia dar um vacilo desses! – Respondeu Samira deitada na cama.

- Se o seu marido descobre uma coisa dessas, ele nos despacha direto pro inferno.

- Se ele não descobriu até hoje, não vai descobrir mais. Pode dizer ao seu padrinho, que eu aceito aquele trabalho. Sou uma mulher separada, com duas crianças pequenas para alimentar. Vou precisar de grana não é mesmo?

- Pode crê! Só fica ligeira com a polícia... De resto já ta tudo acertado! Pago minha divida com os colombianos e, logo damos um jeito de tirar Adalvino do nosso caminho. Meu padrinho quer me arrumar um "trampo" de responsa, ta ligada... Vou gerenciar umas "primas", que aceita até cartão de crédito... É uma maneira deu pagar minha divida com ele, e ele não pensar que eu sou algum traíra que nem o seu marido. Assim que eu pegar toda a grana e a mercadoria, eu te levo até meu padrinho. Mas vou ter que "apagar" Adalvino primeiro... Ele vivo, é com um papagaio. Já sabe "fita" demais, e será uma ameaça pros meus negócios, tá ligada...

De repente, o que se vê, é Samira nua na porta do banheiro apontando uma pistola da marca Glock, em direção a "Pituca", que estava no chuveiro tomando banho:

- Que isso mina? Abaixa essa porra aí, vai... Isso daí não brinquedo não?

- Nada pessoal. Negócios são negócios amor! Achou que ia se sair bem na foto não é? Enquanto você estará apodrecendo na cova, eu estarei aproveitando a vida, gastando do seu dinheiro, seu otário!

Sem pensar duas vezes, Samira aperta o gatilho e dispara quatro tiros contra "Pituca". Wagner Varella caiu no chão e escorria bastante sangue, que se misturava junto com a água que entrava no ralo. Ainda estava vivo, mas morreria em poucos minutos. Samira seguiu em direção ao quarto. Jogou a pistola na cama e em seguida, ia se vestido. Abriu a porta do guarda roupas e depois abriu uma gaveta. Dentro da gaveta havia notas prensadas em um elástico, contendo nelas o total de: Oito mil reais. Colocou as notas dentro da calcinha e deixou a casa de "Pituca", que nessas alturas já se encontrava em óbito.

Meia hora depois, via-se Samira descendo as escadas da casa, carregando Nassid e segurando a mão de Janice, indo em direção a rua. Quando atingiu a calçada, uma Mercedes de cor prata parou na guia da calçada. De dentro dela, desceu o traficante mexicano Javier González, e mais três capangas, fora o motorista:

- "Por favor, moça! Conhece uma pessoa chamada Adalvino Batina?" – Indagou um dos capangas, falando em espanhol.

- Tenho muitas informações sobre essa pessoa. Mais tem um preço...

- Vamos cuidar disso. Entre. – Convidou Javier González falando em português.

Samira entrou com as crianças dentro do carro dos mafiosos, e minutos depois, via-se um dos capangas entregando a ela umas notas prensadas no elástico, contendo nelas: Doze mil dólares. Depois um dos capangas entregou nas mãos dela, dois pacotes, que seria muitas quantidades de cocaína pura. Ela colocou as notas e os dois pacotes dentro da bolsa, e depois desceu do carro, acompanhada das crianças:

- Aquí estás la parte Del tu pagamiento. Muchas gracias pelan información. Mais una cosa: "Desapareça do mapa!" – Determinou Javier González.

O carro seguiu adiante. Samira já estava na rua com as duas crianças, nas proximidades da Avenida Tiradentes. Caminhou em direção a um telefone público, virou a cabeça pra trás apertando os lábios e espiando, para ver se não estava sendo seguida. Pegou o telefone, o prensou entre o ombro e a orelha e apertou os números do teclado:

- Boa tarde, com quem eu falo? – A pessoa responde do outro lado da linha. – Eu tenho informações que podem levar a Adalvino Batina.

E fazendo isso, mais uma vez Samira traí Adalvino Batina entregando o local em que o jovem retirante se encontrava. Adalvino se quer passava pela sua cabeça, a traição da ex- amásia, e do seu melhor amigo. Estava ele, dentro do galpão daquele ferro velho, colocando as drogas dentro da mochila, e o dinheiro avaliado em vinte mil reais; pois os outros vinte mil, acreditava ele que "Pituca" iria pegar a sua parte. Trancou o Galpão e saiu. De repente, se vê Adalvino sacando o revólver, mas o que se ouve, são estampidos de tiros de metralhadora. Adalvino leva uma seqüência de tiros. Ainda em pé, Adalvino via seu sangue esguichar; lágrimas desciam dos seus olhos. Ajoelhou-se no chão e depois caiu de bruços. Era o fim da estória do lobo interpretando um cordeiro, um cordeiro interpretando um lobo.

Sua visão escurecia. Respirava com dificuldades; seu coração aos poucos ia parando de bater. Deitou de bruços e com a mão encharcada de sangue começou a apertar a terra. E Pensava consigo antes de morrer: - "Eu qui sempre pensei qui a miséria é qui ia me matá. Da terra qui me judiôu, a miserável vida qui deus me deu. Da miséria qui me marcou, ao fruto qui cada um colheu. Ao dinhero qui se sonhou, a dignidade qui morreu. Ao sonho que despertou, a alma qui se perdeu. A árvore qui os galho secou, a terra qui tão pouco choveu. Ao pé di milho qui nunca vingou, ao arroiz qui tão pouco se cumeu. O sonho em mim nunca morreu, mas o destino ele me roubou. Essa corja di lobos qui me julgou, um miserável inguinoranti qui nunca venceu. A sina de viver pouco, se confirmou, a fome que a vida inteira sofreu Nas palvras de um lavravor, tão calejado feito eu". Tanto sangue derramado nesta terra, tão vermelho quanto o meu". – Antes de concluir qualquer frase, aparece o velho insano em forma de luz e completou: - "E em um rebanho de ovelhas negras, eis o lobo que aqui se rendeu!". – Adalvino cerrou os olhos e tudo se escureceu.


 


 


 

ESTA ESTÓRIA É DE FICÇÃO, CUJOS PERSONAGENS FICTÍCIOS, SÃO INSPIRADOS NA REALIDADE BRASILEIRA. O PERSONAGEM ADALVINO BATINA FOI MAIS UM BRASILEIRO VITÍMA DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO; DA IGNORÂNCIA E DA CRIMINALIDADE.

APÓS UM SÉCULO DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA: AINDA EXISTEM MILHARES DE PESSOAS SENDO EXPLORADAS COMO ESCRAVAS; SEJA NOS CAMPOS DE TRABALHOS FORÇADOS; NA PROSTITUIÇÃO E ATÉ MESMO NA CRIMINALIDADE.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Poemas e poesias, temas da estória:

"Calejada do cerrado";

"A verdade escrita nos muros pixados";

" Cafundós do mundo"

"Banquete do governo"

"O sonho do anjo negro" (canção de ninar I)

"Jogo da selva"

"Calada voz ativa"

"Menino na lavoura" (canção de ninar II)

"Leis de Judas"

"Lobo ferido"

"Desfecho do lobo" (Adalvino Batina agonizando)


Parte destes poemas e poesias entre outras inéditas, são encontradas nos livros "A verdade escrita nos muros pixados" e "Sonho da vida sonho" – exceto: "Jogo da selva", "Menino da lavoura", e as duas canções de ninar. A última poesia da estória, faz parte exclusivamente do livro "Sertão de pedra".


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


DEDICATÓRIA:

DEDICO ESTE LIVRO, A TODOS AQUELES QUE MORRERAM NOS CAMPOS DE TRABALHOS FORÇADOS, OU DE OVERDOSE EM CONSEQÜENCIA DAS ALTAS QUANTIDADES DE DROGAS TRANSPORTADAS NO ESTÔMAGO. AS JOVENS MENINAS ABANDONADAS PELO SISTEMA, E QUE SE PROSTITUEM NAS RUAS DAS GRANDES METRÓPOLES, NA GRANDE ILUSÃO QUE ESTA É A SAÍDA PARA A SITUAÇÃO MISERÁVEL EM QUE A FAMÍLIA SE ENCONTRA.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

AGRADECIMENTOS:

A MINHA CIDADE QUE NASCI E QUE TANTO ME INSPIROU PARA QUE ESCREVESSE ESTE LIVRO. AGRADEÇO AQUELES QUE LUTAM CONTRA A DESIGUALDADE SOCIAL DESTE PAÍS, SEM PRECISAR DE APOIO GOVERNAMENTAL. AQUELES QUE DENUNCIAM A EXPLORAÇÃO DA PROSTITUIÇÃO INFANTIL.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

VOCABULÁRIO DO LIVRO:

Nota: Na maioria das falas dos personagens desta estória, contém muitos erros de português e muitas gírias. Estabeleci um vocabulário, para que futuramente o leitor possa melhor entender o dialogo dos personagens principais:

"Nóia": Vem de paranóia, ou paranóico. Pessoa que bafora cola de sapateiro, ou fuma "crack". Menino de rua que pratica furto.

"Rocha", ou "pedra": Restos de cocaína. Substância narcótica popularmente conhecida por "crack".

"Branca": Cocaína.

"Muleca" – "Prima""Galega": Prostituta, garota de programa. Algumas regiões do país conhecida também por rapariga.

"Boca quente": Pessoa que tem muito dinheiro. Traficante, ou cafetão que tem muito poder.


"Ganso": "Dedo" duro. Cagüeta, informante da polícia.

"Casa" "Gaiola": Xilindró, Cadeia.

"Botar o galo pra cantar":
Adquirir informações usando métodos de tortura.

"Passarinho": Preso.

"Avião": Intermediário, Soldado do tráfico.

"Aduentada" (o) "Bichada": Estar doente, Estar debilitado (a)


"Quebrada" "Bocada": O mesmo que "boca" de fumo. Local onde se comercializa drogas.


"Amarguinha": Cachaça, Aguardente.

"Treta": Briga, Encrenca.


"Selva": Referente à cidade de São Paulo. Pode ser referente também a cadeia, xadrez.


"Fita": Estória, ou coisa.


"Rodou": Foi preso pela polícia.

"Apagar": Matar.

"Afugentar": Assustar, pressionar.

"Biju": Jóia que não é verdadeira. Bijuteria.

"Boneca": Travesti, Transexual.

"Arrubei": Desembainhei. O mesmo que sacar, apontar.

"Mocó":
Esconderijo.

"Estar de um sete um": Estar mentindo, enganando. Artigo 171 estelionato no código penal, maracutaia.

"Talarico": Aquele que cobiça a mulher do próximo.

"Abraçar": Assumir.

"Bronca": Responsabilidade, autoria do crime.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

APRESENTANDO:

Meu nome é Graone de Matos. Sou natural de Santo Amaro, São Paulo. Sou autor de milhares de poesias e poemas escritos. Já escrevi crônicas e também alguns contos, mas não cheguei a editar nenhum desses trabalhos.

Este é o meu primeiro livro chamado O grande sertão de pedra. Demorei ao todo, dois anos e meio para terminá-lo. Primeiro, escrevi a estória no computador; ele teve um problema técnico e perdi todo o documento. Consegui arrumar um caderno, onde escrevi toda a estória a caneta mesmo; e neste ano, passei novamente para o computador. Tenho muito orgulho em dizer que recriei esta estória, escrevendo nos lugares mais conhecidos da cidade de São Paulo. Entre esses lugares estão: O vão livre do MASP; a Praça Ramos de Azevedo, no Parque da Luz, na Hípica de Santo Amaro, e principalmente no Parque do Ibirapuera (Lugar que freqüento desde os meus três anos de idade).

A estória começa em uma pequena cidade do interior da Paraíba, onde retrata a miséria e a fome causadas pela seca. Também mostra as dificuldades e o descaso do governo, em relação à saúde e ao sistema educacional; quase inexistente naquele pequeno povoado com tão poucas oportunidades.

Um jovem morador desta pequena cidade recebe uma proposta para trabalhar em uma cidade do interior de São Paulo; assim, teria a chance de ganhar dinheiro e dar outro destino para uma família que tinha uma mãe e quinze irmãos, que viviam em uma situação miserável.

O grande sertão de pedra aborda de forma poética temas como: Tráfico de pessoas; trabalho escravo, e tráfico de drogas. É muito importante ler a estória do início ao final. Embora seja uma estória de ficção, tudo é baseado em fatos reais da realidade brasileira. Violência e corrupção são duas coisas constantes, relatadas nesta estória.

Boa leitura!


Graone de Matos


 


 


 


 


 


 


 


O SERTÃO


DE

PEDRA

GRAONE DE MATOZ. 2006